Orçamento de 2024: Governo aumenta as reservas da Saúde em 30%
Washington Costa/MPO
Orçamento de 2024: Governo aumenta as reservas da Saúde em 30%

Na última semana, foi aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2024 (PLN 29/2023). Nela estão previstas as receitas obtidas pela União e suas despesas incorridas para o exercício financeiro do próximo ano.

Há muito que se discutir sobre o orçamento para 2024 e a forma como se deu a alocação de recursos, mas meu foco neste texto está centrado em um tipo de gasto que me incomoda profundamente, principalmente por haver uma crença de que ele é necessário e salutar em uma democracia. Refiro-me às e mendas parlamentares. 

Este tipo de despesa parece não representar muito diante de um orçamento federal de R$ 5,5 trilhões, mas, tanto pelo seu volume, como pela sua alocação, esses gastos tendem a ser ineficientes, criam incentivos perversos e distorcem o próprio processo democrático brasileiro.As emendas parlamentares previstas para o próximo ano totalizam um valor de R$ 53 bilhões, sendo R$ 36 bilhões impositivas (de execução obrigatória). Apesar das críticas do então candidato Lula no ano passado, o valor dessas emendas para 2024 é 37% superior ao orçado no ano passado para 2023. E, até o momento, o atual presidente empenhou, neste ano, um valor de emendas parlamentares 79% superior ao que Bolsonaro empenhou no seu último ano de governo.

Escuto muito o argumento de que essas emendas seriam legítimas na medida em que os políticos estão sempre em contato com suas bases e, portanto, conhecem melhor o que seus eleitores necessitam. Particularmente, acho esse argumento, no mínimo, questionável. E isso por, pelo menos, quatro razões.

A primeira delas é que, como é de conhecimento público, a liberação dessas emendas tem sido negociada na base do “toma lá dá cá”, distorcendo o processo democrático de discussão sobre assuntos de legítimo interesse público. Toda vez que o Executivo tem um projeto no Congresso de seu interesse, passa a usar essas emendas como moeda de troca com os parlamentares.

E a maior prova disso é que as concentrações de liberações de emendas ocorrem em momentos de discussões mais relevantes no Congresso. Não por outra razão, os parlamentares criaram o tal do instrumento da emenda impositiva, de liberação obrigatória, como forma de reduzir o poder de barganha do Executivo.

A segunda razão está relacionada à falta de uma análise razoável sobre a eficiência dos gastos associados a essas emendas. Não há qualquer critério técnico para suas respectivas escolhas e muito menos uma preocupação em avaliar alternativas de uso dos recursos públicos a elas alocados.

Em terceiro, há pouca transparência sobre o destinatário final das emendas. Só para se ter um exemplo, no Portal da Transparência do governo federal, há situações nas quais o Banco do Brasil aparece como beneficiário, apesar da mensagem especificando que “este favorecido é um intermediário que recebe o recurso e repassa-o para os favorecidos finais.” Ou seja, tentar rastrear o dinheiro gasto é uma tarefa hercúlea.

No fundo, presume-se que, em sua grande maioria, essas emendas têm características paroquiais e tipicamente eleitoreiras, sendo, muitas vezes, utilizadas como um trunfo em campanhas políticas, inclusive com cartazes ou placas nas respectivas cidades onde os recursos são gastos. Entretanto, pode haver mais do que isso envolvido, o que nos leva ao quarto ponto.

Uma boa parte desses recursos envolve a contratação de serviços ou obras públicas, cuja checagem da razoabilidade dos valores pagos muitas vezes não é trivial. Assim, dada a pouca transparência do verdadeiro destinatário final do dinheiro, nada impede que ele sirva para fins menos republicanos, como atos envolvendo corrupção, inclusive para financiamento de campanhas.

E, neste capítulo, não é difícil lembrar das constantes falhas, atrasos e outros problemas envolvendo os Tribunais de Contas por todo o país, no que tange à fiscalização do uso do dinheiro público. Para quem ainda acha que é pouco dinheiro, vale lembrar que os R$ 53 bi de emendas parlamentares para o próximo ano estão perto do valor de R$ 58,9 bilhões previstos nos orçamentos fiscal e da seguridade social correspondente aos investimentos públicos para 2024.

No fundo, o que criamos ao longo dos anos foi um ambiente propício para que o círculo vicioso de uso de emendas parlamentares como forma de se obter uma vantagem competitiva injustificável durante as eleições se replique e gere mais demandas por recursos públicos para este fim.

Devemos lembrar ainda que o impacto político desse gasto se torna tão mais relevante quanto mais carente for a comunidade que recebe esses recursos, na medida em que esse tipo de eleitor tende a perceber o político responsável pela emenda como uma espécie de “protetor do povo da região”, criando uma falsa sensação de dependência.

Por outro lado, potenciais novos candidatos a parlamentares não têm acesso a este instrumento e acabam entrando no processo competitivo eleitoral em desvantagem com relação aos políticos já consolidados. E isso só tende a se agravar com o aumento dos valores envolvidos.

Em última instância, seja porque distorcem o debate democrático no Congresso, seja porque criam uma assimetria competitiva durante as eleições ou, mesmo, porque geram um efeito alocativo ineficiente dos gastos públicos, essas emendas deveriam ser limitadas em valor e às originárias nas comissões técnicas da Câmara e do Senado, onde há ao menos um debate público que as antecede e têm um caráter um pouco mais técnico.

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