Na última sexta-feira, dia 10, foi aprovada, pelo Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), a aplicação de cronograma de gravação progressiva do Imposto de Importação de veículos eletrificados.
Na prática, isso quer dizer que, a partir de janeiro de 2024, voltaremos a pagar imposto de importação na compra de carros elétricos híbridos e híbridos plug-invindos de fora do país, sendo que as alíquotas serão gradativamente elevadas até alcançarem 35% em 2026. Nesse período, haverá ainda a definição de cotas para compras do exterior com isenção de imposto.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o objetivo é estimular a indústria nacional a desenvolver a cadeia produtiva do setor e acelerar a redução de emissões de gás carbônico da frota brasileira. Os argumentos não são novos e apareceram também nos programas Inovar-Auto, criado em 2012, e Rota 2030, lançado em 2018.
Inovação tecnológica , geração de emprego, necessidade de proteção para desenvolvimento de cadeias produtivas no país e elevação das exportações são discursos recorrentes, algumas vezes baseados em pseudo justificativas técnico-econômicas, mas que, no fundo, acabam por deixar uma conta elevada para a sociedade.
Seus defensores argumentam que a restrição à competição de produtos importados é necessária para que as empresas tenham incentivos para investir em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e gerar as chamadas “externalidades positivas” representadas pelo desenvolvimento de produtos melhores, mais eficientes e menos poluentes.
Eles também sugerem que, ao fechar a economia à competição externa, as indústrias passariam a trazer para cá todo o processo produtivo (inclusive empresas fornecedoras de autopeças, no caso do setor automobilístico), gerando mais empregos e abrindo a oportunidade para exportar produtos de valor agregado.
Restrição à importação, fornecimento de subsídios e isenções tributárias foram políticas públicas muito utilizadas no país e só levaram a um imenso atraso tecnológico, a ponto de o então presidente Collor se referir aos carros vendidos na década de 90 como “verdadeiras carroças”.
Fato é que políticas como essas têm sido criticadas no mundo todo, seja por falta de embasamento teórico econômico que as justifiquem, seja porque, adotadas de maneira isolada e permanente, mostram péssimos resultados práticos, como o próprio Brasil o demonstra.
Mesmo os técnicos que ainda admitem a adoção de políticas desse tipo, destacam que a maneira como sua governança é construída define muito do seu sucesso. Seria necessário estabelecer incentivos que não fossem permanentes, escolhidos com critérios claros e de maneira transparente, com constante supervisão e com rápida revisão, caso os objetivos pré-definidos não fossem alcançados.
E isso somente para atividades específicas (estímulo a uma nova tecnologia , gastos com um tipo específico de treinamento, etc.) e não a setores propriamente ditos, muito menos para aquelas já estabelecidas no país. Ou seja, tudo ao contrário do que sempre fizemos e, pelo visto, continuaremos a fazer.
Se olharmos para o passado, veremos que as políticas colocadas em prática para o setor automobilístico nos seguidos governos do PT foram um desastre. Além de não tornarem a indústria mais competitiva no âmbito mundial, não geraram inovações relevantes e criaram excesso de oferta no mercado doméstico. Sem dizer que fomos condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
No final do dia, ao não entendermos que a lógica do setor envolve cadeias globais de produção, montamos um parque industrial com excesso de plantas pouco eficientes, que não conseguem obter ganhos de escala. Com isso, trabalham com um custo médio mais elevado que se reflete sobre os preços praticados ao consumidor.
No fundo, a justificativa apresentada para a elevação das tarifas de importação está baseada em argumentos falaciosos que não se sustentam mediante uma análise técnica séria. Se o objetivo fosse, de fato, ter uma indústria mais eficiente e com mais preocupação com o meio ambiente, o melhor seria abrir definitivamente o setor para a concorrência e permitir que o mercado se ajuste.
Não existe melhor incentivo do que a competição para fazer com que o empresário invista em melhores produtos e processos produtivos mais eficientes, pois, do contrário, acabará por perder o mercado. Em realidade, a decisão da Camex da última semana tem por pano de fundo um forte lobby do setor automobilístico, que visa garantir suas margens de lucro.
Só que o problema é que essa conta sempre acaba sobrando para os consumidores. Ademais, como efeito de segunda ordem, os setores importadores envolvidos também serão afetados, gerando menos renda e emprego na economia (do que poderiam fazê-lo em um ambiente competitivo). E isso sem falar da redução do ritmo de renovação de frota por veículos menos poluentes. Em última instância, o efeito líquido agregado acaba sempre sendo negativo para o conjunto da sociedade.
Interessante notar ainda que, na mesma data, a Camex também elevou a alíquota de importação de 73 produtos químicos cujo Imposto de Importação havia sido reduzido em 10% em maio do ano passado. Neste caso, a desculpa foi que a decisão teria sido tomada para reverter os impactos negativos causados à indústria nacional por conta do forte aumento das importações, ou seja, da concorrência externa.
E, aparentemente, não ficará só nisso. O setor do aço já apresentou, na última semana, um discurso na mesma direção, dizendo que está havendo uma inundação do aço chinês por aqui e pedindo uma elevação de alíquota de importação de 25%.
A pergunta que fica é quem se preocupará com o consumidor dentro do governo nessa onda neoprotecionista que tem se formado.