O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo jeito, está convencido de que tudo corre bem em seu governo. O único problema, para ele, está na comunicação. E, para isso, usou uma estratégia clássica: começar uma sequência de entrevistas e eleger um inimigo. No caso, o alvo é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que seria a “única coisa desajustada no país”.
“Só temos uma coisa desajustada no país. O comportamento do Banco Central. Um presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político, e que na minha opinião trabalha muito mais para atrapalhar do que para ajudar o país. Porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”, disse em entrevista à rádio CBN. “O Brasil não pode continuar com uma taxa de juros proibitiva de investimentos no setor produtivo. Como você vai convencer o empresário a investir se ele tem que pagar uma taxa de juros absurda?”.
O presidente joga para a torcida e dá acenos até ao empresariado, na tentativa de tirar a atenção da sociedade sobre o explosivo déficit fiscal gerado por sua administração. Vamos dizer que Campos Neto seja um gestor a serviço do ex-presidente Jair Bolsonaro, com uma agenda montada para prejudicar a economia do país e tirar votos do PT. Por que razão, então, ele elevou fortemente os juros em 2022, em pleno processo eleitoral, reduzindo a performance econômica de um presidente que buscava a reeleição? Se fosse um aliado incondicional de Bolsonaro, teria usado a política monetária em favor de seu candidato.
Outro problema que o presidente Lula prefere não enxergar é a desconfiança generalizada do mercado em relação à incapacidade de o governo segurar as despesas e conter o déficit. Como gastos públicos que extrapolam o orçamento costumam provocar inflação, há uma enorme preocupação neste sentido. Isso provoca uma alta do dólar, que também se reflete na inflação. É por esta razão que os analistas acreditam que Campos Neto vá tentar segurar a queda dos juros nos próximos meses.
Lula também creditou a falta de investimentos no Brasil aos juros altos. De fato, a taxa Selic de 10,5% não ajuda a estimular os empresários neste terreno. Por outro lado, esse não é o único fator que leva o setor produtivo a investir. No ano passado, com os juros em queda, tivemos uma taxa de investimento de 16,5% em relação ao Produto Interno Bruto. Já em 2022, com juros maiores que os do ano passado, a taxa de investimentos foi ligeiramente superior à de 2023: 17,8%.
Por falar em investimentos, tivemos um momento de distorção da realidade durante o colóquio com os jornalistas da CBN. “Há 40 anos que a indústria automobilística não fazia um investimento nesse país. Agora, anunciou R$ 129 bilhões até 2028. Quando eu deixei a presidência em 2010, a indústria automobilística vendia 3,8 milhões de carros. Quando voltei, vendia apenas 1,8 milhão, a metade”, vaticinou o presidente.
Ora, é um grande exagero dizer que desde 1984 não houve investimentos no setor, especialmente porque as montadoras modernizaram muito seus produtos após o governo de Fernando Collor e muitas empresas se instalaram por aqui no novo milênio. Mesmo assim, US$ 8,74 bilhões entraram no Brasil entre 2016 e 2022 para fomentar a indústria automobilística. Sobre os investimentos anunciados por Lula: a quantia é mais ou menos essa. Mas a decisão de efetuar tais investimentos foi tomada anos atrás. É mais um reflexo do enorme mercado interno do que uma demonstração de confiança no país.
Sobre o mercado vender menos, o presidente precisa entender que há um conjunto de fatores que vem reduzindo as vendas de automóveis no Brasil, Estados Unidos e Europa, desde a falta de peças que começou na pandemia até o desinteresse das novas gerações em possuir um carro.
O presidente não resistiu a dar um tempero “luta de classes” à entrevista, dizendo que os ricos tinham sequestrado o orçamento com desonerações e incentivos fiscais. “O problema do Brasil é que a parte mais rica tomou conta do orçamento. É muita isenção sem que haja reciprocidade”, alfinetou Lula.
Em primeiro lugar, vamos lembrar que a desoneração da folha foi uma medida criada no governo de Dilma e que o primeiro mandato de Lula criou R$ 200 bilhões em isenções fiscais. Portanto, essa prática é algo que sempre ocorreu no país. Mas ao colocar a culpa nos “ricos”, Lula quer se isentar da causa de vários problemas nacionais: os gastos excessivos do Estado.
Voltando ao primeiro parágrafo: Lula acha que, tirando o BC, tudo está bem. “A economia vai continuar crescendo, o emprego vai continuar crescendo e a inflação vai permanecer controlada”, afirmou. Uma prova de fogo será o resultado do PIB no segundo trimestre, que pode corroborar ou não as previsões otimistas do mandatário.
Caso os resultados forem ruins, o culpado de plantão continuará a ser Roberto Campos Neto. Mas o que acontecerá a partir de janeiro de 2025, quando a cadeira será ocupada por alguém indicado pelo próprio Lula? Ele continuará a culpar o BC? Provavelmente não. Mas se a criatividade do governo em encontrar um culpado for tão boa quanto a usada para aumentar a arrecadação, um novo nome aparecerá rapidamente.