Vamos estender a pergunta do título: será mesmo que estamos passando por uma fase polarização ideológica ou simplesmente nos tornamos mais agressivos? Essa dúvida surge quando se lê uma pesquisa feita pelo Datafolha e divulgada ontem, sobre o espectro ideológico na cidade de São Paulo. O estudo mostra que, em abril de 2013, 20% dos eleitores paulistanos se declaravam como direitistas. Hoje, este mesmo índice é de 28%. Ao mesmo tempo, os entrevistados que se consideravam esquerdistas pularam de 13% para 21% em onze anos.
À primeira vista, conclui-se que a polarização inflou os extremos – até porque os centristas encolheram de 24% para 22% e aqueles que não sabiam como se definir ideologicamente diminuíram de 16% para 8%. Mas, quando retrocedemos mais no tempo (a pesquisa é feita há 21 anos), vemos um quadro bastante semelhante ao atual.
Em abril de 2003, por exemplo, 27% dos paulistanos se enxergavam dentro do quadrante da Direita (hoje, são 28%). Cerca de 13% se declaravam como Centro-Direita, contra 12% de hoje. Os eleitores de Centro, 21 anos atrás, perfaziam 21% do total e hoje representam 22%. A Centro-Esquerda reunia 13% do eleitorado em 2003, contra 10% em 2024. A única mudança significativa se vê entre os esquerdistas: em 2003, apenas 13% se viam dessa forma, em comparação aos 21% de hoje.
Em 2006, no auge da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que seria reeleito para um segundo mandato naquele ano, houve uma desidratação da Direita, que caiu de 27% para 20% dos entrevistados. Aqueles que não sabiam se definir politicamente cresceram de 13% para 19%. O restante ficou mais ou menos nos mesmos percentuais de três anos antes.
A partir de 2013, a Direita e a Esquerda começaram um movimento de crescimento. Foi exatamente o ano em que tivemos as manifestações de junho, que não tinham exatamente uma bandeira única, mas levaram milhares de pessoas às ruas. No ano seguinte, começaria a Operação Lava-Jato, que serviu para elevar a rejeição ao Partido dos Trabalhadores e inflar os extremos ideológicos.
Mesmo assim, é interessante ver que em 2003 os direitistas já eram o maior grupo ideológico de São Paulo – mas seu comportamento, 21 anos atrás, não continha nem 10% da agressividade que se vê hoje em debates formais ou informais.
No meio deste caminho, houve dois fenômenos. Um deles foi a criação das redes sociais, que permitiu uma discussão direta entre pessoas que não se conheciam no mundo real. O mundo digital abriu a porteira de uma agressividade represada que diminui a tolerância dos cidadãos e nos jogou em um tabuleiro de lacrações e cancelamentos. Esse cenário propicia o surgimento de uma Direita mais agressiva que deságua no bolsonarismo a partir de 2017 e culmina com a eleição de Jair Bolsonaro um ano depois.
Portanto, talvez a dicotomia política em si não seja o principal problema de hoje e sim o grau de agressividade que surgiu entre nós com a popularização das mídias sociais. Será que todo esse rancor (que existe dos dois lados do espectro ideológico) vai acabar algum dia?
Para finalizar, há mais um aspecto que precisa ser analisado na pesquisa divulgada ontem.
Se somarmos os eleitores paulistanos de Direita e Centro-Direita, chegamos a 40% do total. Já Esquerda e Centro-Esquerda perfazem 31% (os centristas somam 22%). Mas a pesquisa foi um pouco além e pediu aos entrevistados que se definissem como petistas, bolsonaristas ou mais próximos desses extremos.
Quando somamos aqueles que se enxergam como petistas (31%) e os que se julgam mais próximos do petismo (12%), temos um total de 43%, um índice bem maior que a soma dos esquerdistas e dos centro-esquerdistas (31%). No lado oposto do ringue, ocorre o contrário. A soma dos direitistas e centro-direitistas é de 40%. Mas os que se dizem bolsonaristas (19%) e os mais próximos aos bolsonaristas (6%), juntos, perfazem 25%.
Teoricamente, assim, haveria na cidade de São Paulo mais eleitores de Esquerda do que de Direita – e isso seria uma notícia ruim para o prefeito Ricardo Nunes, que busca a reeleição. Ocorre que 23% dos paulistanos se consideram neutros. E, na prática, serão esses eleitores que vão definir quem vai governar a maior cidade do nosso continente a partir do ano que vem.