Senador Sergio Moro (União-PR)
Jefferson Rudy/Agência Senado - 13.12.2023
Senador Sergio Moro (União-PR)


“A história é escrita pelos vencedores”. A frase, atribuída ao escritor George Orwell, pode ser reinterpretada neste Brasil de 2024. A nova versão, ao julgar pelos recentes movimentos do governo e do Judiciário, poderia ser: “a história é reescrita pelos vencedores”. Nesta semana que passou, tivemos a reabilitação de um projeto controverso e que consumiu mais de R$ 20 bilhões aos cofres públicos – a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Na obra, somente em um quesito, o de tubulações, houve um superfaturamento de R$ 960 milhões, segundo o Tribunal de Contas da União.


Mesmo assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou o projeto e foi reinaugurá-lo pessoalmente. E disse que o escândalo que cercou essa iniciativa foi fruto de um conluio: “Tudo que aconteceu neste país foi uma mancomunação entre alguns juízes deste país, alguns procuradores deste país, subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que queriam e nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras”.

O discurso de Lula, temperado com uma visão antiquada da ordem econômica global, não foi a única novidade da semana, no tocante ao escândalo do Petrolão, que sacudiu a sociedade brasileira durante pelo menos seis anos. Várias empreiteiras que fizeram acordos de leniência por conta da descoberta de corrupção em contratos firmados com a Petrobras, admitiram que vão seguir o exemplo da J&F e da Odebrecht, pedindo revisão ou até anulação dos termos do acordo. Na época em que esses contratos foram assinados, as empresas se comprometeram a ressarcir os cofres públicos em mais de R$ 8 bilhões. Mas, como parte das provas que constavam nos acordos foram anulados pelo Supremo Federal Tribunal (na figura de Ricardo Lewandowski, o novo ministro da Justiça, que declarou a “suspeição” do juiz Sergio Moro), muita coisa voltou à estaca zero.

Na prática, é como se a Operação Lava-Jato nunca tivesse ocorrido. Lula foi solto e eleito presidente. O STF continuou a melar o jogo, propiciando que vários réus confessos tivessem a oportunidade de reverter suas situações legais. Por fim, um dos símbolos máximos de todo o descalabro existente na Petrobras, a Refinaria Abreu e Lima, foi reabilitada pelo Planalto. Isso tudo também aconteceu porque o eleitorado deixou de dar a mesma importância à corrupção que dava entre 2016 e 2020.

Além disso, Lula parece ter incorporado duas características de seu antecessor, Jair Bolsonaro. A primeira é criar narrativas que apenas são engolidas em sua totalidade pela claque. A segunda é tripudiar em cima dos vencidos – e a retomada dos investimentos de Abreu e Lima tem exatamente esse espírito (diga-se, é um projeto que foi analisado pelo TCU e no qual se constatou um superfaturamento total de R$ 2,1 bilhões).

A decisão surge em um momento em que as contas públicas estão em constante análise, em função das regras do novo Arcabouço Fiscal (criado pelo próprio PT), que prevê um déficit zero ainda em 2024. Para conseguir fechar as contas, o ministro Fernando Haddad tenta mudar regras fiscais para arrecadar mais (cortar gastos, que é bom, nada). Como é que uma obra bilionária pode ser reinserida no orçamento em um momento de penúria nos cofres públicos?

Ao tentar reescrever a história e apagar a Lava-Jato da memória brasileira, Lula impõe uma narrativa à população que valoriza a impunidade e cria teorias da conspiração sem sentido para justificar todos os malfeitos ocorridos nas administrações petistas. Houve exageros e coerções na condução da Lava-Jato? Sem dúvida. Mas isso anula o lado bom da Força Tarefa, que conseguiu segurar as corrupções no Brasil por um tempo, ainda que curto? Com certeza, não.

Sobre Moro, o maestro da Lava-Jato, o jornal “O Estado de S. Paulo”, fez uma análise devastadora em seu editorial de ontem: “Com a aniquilação moral de Sergio Moro e da Lava-Jato, tem-se, como consequência natural, a redenção moral de tantos quantos foram pilhados em falcatruas diversas ao longo das trepidantes investigações anticorrupção na história recente. Ressalve-se que obviamente não se trata de ver aí uma ação concertada entre os diversos interessados, ainda que seja tentador ligar os pontos, mas é inevitável constatar que há poucos insatisfeitos com o destino de Sergio Moro – desmoralizado por Bolsonaro, desqualificado pelo Supremo e, possivelmente, despejado do Congresso. Que fim melancólico para aquele que se dispôs a ser a palmatória do mundo”.

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