Em dezembro de 1966, a Jovem Guarda ainda fazia muito sucesso, tendo Roberto Carlos como principal nome. Mas o “Rei” tinha um desafeto, o também cantor Sérgio Murilo. Em uma entrevista daquela época, ele disse o seguinte: “Eu detesto Roberto Carlos e ele não gosta de mim. Tudo começou no início de nossas carreiras, quando pertencíamos à mesma gravadora. Eu tinha mais cartaz que ele, o que acontece até hoje, e meus discos eram bem mais trabalhados. Roberto não se conformava com isso e, sem que eu soubesse, começou a fazer fofocas. Aconteceu que fui cumprir contrato no exterior e ele passou a ter vez. Durante os dois anos que fiquei pelas Américas, ele conseguiu fazer um movimento que acabou, não sei como, em sucesso”. Murilo não parou por aí. “O que falta a Roberto Carlos é ter um pouco de inteligência. Se ele tivesse aproveitado o dinheiro para estudar, como eu fiz, hoje não estaria com medo de cair do pedestal. Estou tranquilo, pois daqui a um ano me formarei em Direito”.
Você deve estar se perguntando: quem é Sérgio Murilo?
Essa pergunta diz tudo. Sérgio Murilo é aquele famoso caso de promessa não concretizada. Foi uma das primeiras estrelas do rock nacional e fez um sucesso razoável com participação em filmes e dois grandes hits: “Marcianita” e “Broto Legal”, que foi incluída na trilha sonora da novela “Estúpido Cupido” em 1976. Foi um nome de expressão. Mas, comparado a Roberto Carlos, é uma nota no rodapé da história musical do país.
As declarações dele mostram que Murillo não acreditava muito na carreira artística, tanto é que destacava seus estudos para se tornar advogado. Ele se formou em Direito, é verdade, mas só em 1971. Com seu insucesso nas paradas na década de 1970, dedicou-se ao ofício aprendido na faculdade. Morreu cedo, em 1992, depois de uma profunda depressão. Ironicamente, a primeira música que gravou, em 1958, se chamava “Menino triste”.
Murillo é uma espécie de Antonio Salieri de Roberto Carlos. Um nêmesis, com menos talento e pronto para criticá-lo ao menor descuido.
Você já esbarrou com pessoas assim? Sem dúvida. Todos que passaram pela vida corporativa ou pelo empreendedorismo já viveram a experiência de ter um competidor com língua afiada e más intenções. Muitos acabam caindo na tentação de responder os ataques na mesma moeda. Mas esse comportamento não enaltece nossas qualidades – apenas os defeitos que eventualmente carregamos em nossas personalidades. Porém, em uma disputa, queremos ressaltar nossas características positivas, certo?
Não é fácil, pois o ressentimento alheio pode nos ferir fortemente e nos induzir a ter um comportamento tão vil quanto o de nossos inimigos. Toda a vez que passei por esse tipo de situação, com um Sérgio Murilo do outro lado, tive de respirar fundo e buscar o que havia de melhor dentro de mim – e mostrar aos outros que eu era bem diferente de meu oponente, em todos os aspectos.
Em uma dessas ocasiões, estava assistindo televisão e vi o “making of” de um filme chamado “Postcards from the edge”, baseado na vida da roteirista, a atriz Carrie Fisher (conhecida por seu papel de Princesa Leia na série “Guerra nas Estrelas”, e por suas desavenças com a mãe, a estrela dos anos 1950 Debbie Reynolds, de “Cantando na Chuva”).
Carrie, em um determinado momento do documentário, fala sobre o ressentimento que pode surgir nas pessoas no meio de conflitos dolorosos e como é preciso lutar contra esse tipo de sentimento. “Ressentimento é como beber veneno e esperar que a outra pessoa morra envenenada”, disse ela, entre risadas.
Lembro do impacto que essas palavras tiveram sobre mim.
Desliguei a TV e fiquei em silêncio por um bom tempo, mastigando tudo o que havia enfrentado naquela época – e nas atitudes de um colega contra mim. Resolvi, então, encarar aquilo tudo como se eu não fosse um dos envolvidos e sim um mero observador, sem sentimentos profundos (claro que isso não foi possível o tempo todo). Essa nova atitude me ajudou a atravessar esse período difícil e, no final, sair vencedor da disputa.
No dia em que a minha vitória se consolidou após uma disputa ferrenha, pensei naquele velho ditado: “os cães ladram e a caravana passa”. Foi um dos melhores sentimentos que já experimentei em toda a minha vida profissional. Talvez Roberto Carlos tenha se sentido assim ao afirmar seu talento de 1970 para frente, sem depender da Jovem Guarda. E ao ver que sua caravana havia deixado vários cães para trás.