
O que antes era apenas um doce popular, uma bolsa acessível ou um prato de vidro comum hoje pode alcançar valores de luxo após ganhar visibilidade nas redes sociais. O fenômeno, impulsionado por influenciadores digitais, têm transformado itens simples em objetos de desejo e elevando seus preços a patamares considerados abusivos por muitos consumidores. Um dos exemplos mais emblemáticos é o chamado Morango do Amor, que ganhou versões vendidas por valores que ultrapassam os R$2 mil.
Em entrevista ao Portal iG, o economista Fernando Moulin, CEO & Founder do Polaris Group, professor e especialista em digital e experiência do cliente, explicou que esse movimento está diretamente ligado à chamada economia da atenção. “A gente vive a era do marketing da atenção. As pessoas têm um tempo limitado, uma oferta infinita de produtos e passam grande parte do dia nas redes sociais, se informando e se relacionando com influenciadores”, afirmou.
Segundo ele, os criadores de conteúdo construíram comunidades capazes de direcionar o consumo em larga escala. “Esses influenciadores formaram audiências que, de uma forma ou de outra, influenciam o que as pessoas compram. Às vezes é publicidade explícita, às vezes é muito disfarçada, e em outros casos é algo que o influenciador realmente gostou”, disse. Para Moulin, é nesse ponto que ocorre a virada de chave. “Aquilo que era comum passa a ser visto como item de luxo, desejável, objeto de atenção daquela audiência.”

O Morango do Amor ilustra esse processo de forma clara. Tradicionalmente vendido a preços populares, o doce ganhou versões sofisticadas, com embalagens de luxo, personalização e apelo visual. Em São Paulo, uma caixa com apenas oito unidades chegou a ser comercializada por cerca de R$2.100. “O mecanismo é o mesmo da indústria do luxo. Quanto mais exclusivo e mais caro, mais desejável o item se torna”, explicou o economista. “As pessoas querem exclusividade, querem mostrar pertencimento a um grupo.”
Para Fernando Moulin, não é correto definir esse processo como uma distorção de valor. “O valor de qualquer produto é percepção. Ele vale aquilo que o consumidor está disposto a pagar”, afirmou. “Se as pessoas pagam mais por algo que custa pouco para ser produzido, o marketing cumpriu o papel dele, que é tangibilizar valor.” Na prática, segundo ele, é o próprio consumidor quem legitima o preço ao aceitar pagar.
Esse modelo de negócio beneficia todos os envolvidos. “Todo mundo lucra. O produtor vende mais, o influenciador monetiza a audiência e a plataforma ganha tráfego e publicidade”, destacou. Antes, segundo o economista, uma marca precisaria investir pesado em televisão para alcançar milhões de pessoas. Hoje, basta estar no perfil certo.
O fenômeno não se limita aos alimentos. Na moda, roupas e acessórios comuns se tornam peças “hype” e passam a ser revendidos por valores muito acima do original.
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No mercado de itens antigos, objetos considerados ultrapassados ressurgem como artigos de desejo. Um exemplo são os pratos de vidro Duralex, que por décadas foram sinônimo de item simples de cozinha e hoje aparecem em lojas especializadas e marketplaces por preços elevados, impulsionados pela estética retrô e pela onda de nostalgia nas redes.

Sobre o destino dessas tendências, Moulin é direto. “Alguns produtos viram clássicos, outros simplesmente desaparecem quando o hype acaba”, afirmou. Ele cita o caso da paleta mexicana, que viveu um período de enorme popularidade e depois praticamente saiu do mercado. “Quem comprou porque gostava de verdade vai continuar usando. Quem comprou só por impulso, pode se frustrar quando aquilo deixa de estar em evidência.”
Para o economista, a nostalgia também alimenta esse ciclo. “Hoje existe uma tendência muito forte de buscar referências do passado para lidar com as incertezas do presente e do futuro”, explicou. Nesse contexto, produtos antigos retornam ao mercado com novos significados e preços inflacionados.
Em um cenário em que um doce pode custar milhares de reais e um prato de vidro pode virar artigo de luxo, o consumo deixa de ser apenas uma relação entre necessidade e preço e passa a refletir status, identidade e pertencimento. A engrenagem da economia da atenção segue girando rápido, criando novos desejos e novos símbolos de ostentação.
Enquanto influenciadores seguem ditando tendências e transformando o ordinário em objeto de luxo, cresce também o debate sobre até que ponto o consumidor está pagando pelo produto ou apenas pelo símbolo que ele representa. Entre o desejo de pertencimento e a busca por diferenciação, o simples continua ficando cada vez mais caro.