Navio-sonda que está perfurando o poço Pitu Oeste, na Bacia Potiguar
Foto: Agência Petrobras
Navio-sonda que está perfurando o poço Pitu Oeste, na Bacia Potiguar

O anúncio da licença emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), nesta segunda-feira (20), para a Petrobras explorar petróleo na margem equatorial, na Foz do Amazonas, agitou o setor de energia, mas também mobilizou ONGs ambientalistas.

Elas se posicionam contrárias à exploração de petróleo naquela região, alegando que a medida vai na contramão do papel de líder climático reivindicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) .

Diante das manifestações, o Portal iG buscou a opinião de ambientalistas e também de um especialista do setor, para entender a polêmica.

''Contradição''

Para a coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade, há uma contradição entre o discurso climático do Brasil e o avanço de uma nova fronteira de petróleo no país.

Ela destacou a realização da COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, no mês que vem, em Belém, no Pará.

“Às vésperas da COP30, o Brasil se veste de verde no palco internacional, mas se mancha de óleo na própria casa. Enquanto o mundo se volta para a Amazônia em busca de soluções para a crise climática, vemos o Ibama conceder licença para que a Petrobras abra um poço de petróleo em pleno coração do planeta” , destacou, em declaração ao iG.

Para ela, em um cenário de emergência climática como o atual, a abertura de novos poços de petróleo contradiz os compromissos do próprio país com a transição energética e apenas reforça padrões excludentes, insustentáveis e ambientalmente predatórios.

“Não há transição energética possível quando o alicerce é destruição. A decisão de abrir uma nova fronteira exploratória na Foz do Amazonas revela uma lógica de lucro que perpetua desigualdades" , defende.

Ainda na opinião da coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil,  " a Petrobras tem condições de direcionar seus esforços para uma estratégia verdadeiramente voltada à descarbonização e de contribuir de forma coerente com compromissos climáticos assumidos pelo Brasil”.

''Sabotagem à COP30''

Por meio de nota, o Observatório do Clima (OC) - que reúne organizações da sociedade civil, como ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais - classifica a liberação da licença pelo Ibama, neste momento, como uma sabotagem à COP30.

"A aprovação é uma sabotagem à COP e vai na contramão do papel de líder climático reivindicado pelo presidente Lula no cenário internacional. Também cria dificuldades para o presidente da COP, André Corrêa do Lago, que precisará explicar o ato aos parceiros internacionais do Brasil", enfatiza, na nota.

Ainda segundo o OC, a decisão é desastrosa do ponto de vista ambiental, climático e da sociobiodiversidade e, para enfrentá-la, organizações da sociedade civil e movimentos sociais irão à Justiça denunciar as ilegalidades e falhas técnicas do processo de licenciamento, que poderiam tornar a licença nula.

"Além de contrariar a ciência, que diz que nenhum novo projeto fóssil pode ser licenciado se quisermos ter uma chance de manter o aquecimento global em 1,5°C, a liberação do petróleo na Foz também se opõe a decisões legais de tribunais internacionais sobre a urgência da interrupção da expansão dos combustíveis fósseis" , defende.

O Observatório do Clima ressalta ainda que povos indígenas da Bacia Amazônica, parlamentares e sociedade civil vêm reiterando a necessidade de acabar com a expansão de petróleo e gás, sobretudo em áreas de alta biodiversidade, e de criar zonas de exclusão para atividades extrativistas, a fim de proteger ecossistemas críticos para o planeta – começando pela Amazônia.

De acordo com informações da Petrobras, o poço fica em águas profundas do Amapá, a 175 quilômetros da costa e a 500 quilômetros da foz do rio Amazonas.

Exploração necessária, mas com normas ambientais rígidas

O engenheiro de petróleo senior, Albino Lopes D'Almeida, que é professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do livro Indústria do Petróleo no Brasil e no Mundo: Formação, Desenvolvimento e Ambiência Atual, fez uma análise do anúncio da Petrobrás, a pedido do iG .

Ele afirma que é positiva a iniciativa de se explorar petróleo naquela região, que é apontada como novo pré-sal, devido ao seu potencial petrolífero, desde que sejam cumpridas rigorosamente todas as normas ambientais rígidas apresentadas pelo Ibama.

Segundo ele, avaliando o setor nas décadas anteriores, é possível observar que a produção de petróleo aumentou nos anos de 1980 e 1990, basicamente, com a exploração da Bacia de Campos (RJ)  que já produziu mais de um milhão e meio de barris por dia e hoje não produz nem a metade disso.

"Por sorte, nós descobrimos na primeira década desse século o pré-sal na Bacia de Santos, que substituiu a Bacia de Campos. Hoje, o pré-sal, a Bacia de Santos, é responsável por mais de 80% da produção brasileira, que já supera 3 milhões e meio de barris por dia" , destaca.

No entanto, ele ressalva que a produção da Bacia de Santos (SP) também poderá entrar em declínio em 10 anos, aproximadamente, o que vai demandar o esforço de exploração do petróleo em outras áreas.

"Da mesma forma que a bacia de Santos substituiu a bacia de Campos, é preciso buscar petróleo em outras bacias. E, por isso, o esforço na Bacia da Foz do Amazonas. Então, eu acho válido essa busca. Agora, obviamente, tem que haver um controle ambiental muito rígido. O Ibama está no papel dele. Assim como as companhias de petróleo querem achar petróleo, o Instituto do Meio Ambiente tem que procurar garantir as melhores condições", completa.

Transição energética

Ainda segundo o especialista, o Brasil não está indo na contramão da transição energética.

"A transição é um processo lento em que novas fontes vão sendo adicionadas às fontes tradicionais, mas não é uma substituição imediata. Até porque, as novas alternativas precisam de volume, de economia em escala, para que sejam viáveis economicamente. É um trabalho que leva décadas", avalia.

D'Almeida acrescenta que, há 50 anos, o petróleo representava mais de 50% da matriz energética mundial, o que hoje está em 34%.

"A gente ainda não pode se dar ao luxo de abandonar as fontes fósseis, porque as fontes renováveis não conseguem ocupar isso com o mesmo desempenho técnico e, principalmente, econômico", finalizou.

Início imediato

Segundo informações divulgadas nesta segunda pela Petrobras, a sonda exploratória se encontra na região do bloco FZA-M-059 e a perfuração está prevista para começar “imediatamente” , com duração em cinco meses.


No mesmo dia do anúncio da liberação para exploração na Foz do Amazonas, a empresa anunciou a redução do preço da gasolina para distribuidoras.

Nesta fase de exploração, ainda conforme divulgou a Petrobras, não há produção de petróleo; a empresa afirma que vai buscar obter mais informações geológicas e avaliar se há petróleo e gás na área em escala econômica.

A empresa afirmou também que todos os requisitos estabelecidos pelo Ibama – órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – foram cumpridos integralmente.

Tanto a presidente da companhia, Magda Chambriard, quanto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, comemoraram a obtenção da licença, considerando “uma conquista da sociedade brasileira”.


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