
O Banco Central do Brasil adiou o cronograma do Pix parcelado, funcionalidade que permitirá ao consumidor dividir pagamentos em prestações enquanto o recebedor recebe o valor total à vista. Inicialmente previsto para setembro, o lançamento passou para o final deste ano.
A decisão foi tomada após uma série de ataques cibernéticos e desvios milionários que expuseram vulnerabilidades do sistema financeiro.
O novo calendário prevê a publicação das regras gerais em outubro e a divulgação dos manuais de experiência do usuário e de procedimentos operacionais em dezembro.
A fase de transição, em que o Pix parcelado regulado coexistirá com os modelos privados já disponíveis, deve ocorrer de janeiro a março de 2026.
Cronograma apertado
O adiamento de três meses levantou dúvidas sobre a viabilidade do lançamento ainda em 2025. Segundo um especialista ouvido pelo Portal iG, a janela ficou estreita, mas não impossível.
“O adiamento de aproximadamente 90 dias não inviabiliza o cronograma, mas exige avanços rápidos em todas as etapas de regulamentação e implementação”, avalia Leonardo Ramos, especialista em meios de pagamento.
“Se houver novos atrasos, o rollout [implantação gradual] pode ser empurrado para o primeiro semestre de 2026.”
Segundo o BC, não há uma obrigação legal que determine prazo mínimo para a entrada em vigor após a revisão. A decisão final dependerá da conclusão dos ajustes de segurança e da maturidade técnica das instituições participantes.
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Segurança reforçada
O atraso foi motivado por fraudes que envolveram principalmente instituições financeiras de menor porte. Investigações do Ministério Público Federal identificaram conexões entre contas laranja, movimentações via Pix e esquemas de lavagem de dinheiro associados ao PCC (Primeiro Comando da Capital).
Para enfrentar essas vulnerabilidades, o BC aprovou novas resoluções em setembro. Entre as medidas, estão:
- exclusão de instituições com patrimônio inferior a R$ 5 milhões;
- extensão de 12 para 60 meses do prazo de retorno de instituições excluídas;
- limites de transação personalizados conforme perfil de risco do cliente;
- bloqueio cautelar para pessoas físicas e jurídicas;
- obrigatoriedade de mecanismos antifraude;
- ampliação do Mecanismo Especial de Devolução, com contestação digital de fraudes;
- integração obrigatória com o Pix Automático em transações de pessoas jurídicas a partir de outubro de 2025.
Segundo Ramos, as medidas têm caráter preventivo.
“O objetivo é fechar as brechas que foram exploradas nos primeiros anos do Pix, quando fraudes como QR Codes falsos e phishing causaram prejuízos bilionários.”
Convivência com modelos privados

Atualmente, bancos e fintechs já oferecem versões próprias de Pix parcelado, com taxas mensais que variam de 1,59% a 9,99%.
A convivência entre esses modelos privados e o sistema regulado pelo BC é apontada como um desafio.
“A fase de convivência pode gerar distorções no mercado, já que cada instituição pratica regras diferentes” , explica Ramos. “Isso pode favorecer players maiores, que oferecem condições mais competitivas, e prejudicar os menores, além de confundir o consumidor.”
Risco de novos golpes
Especialistas em segurança digital veem a possibilidade de repetição do cenário de fraudes em massa ocorrido entre 2020 e 2022, quando o Pix foi lançado.
“Existe risco significativo de que o Pix parcelado seja explorado por golpes de engenharia social, aplicativos falsos e promessas de antecipação de recebíveis” , afirma Cláudio Plínio Castro, pesquisador em sistemas de pagamento.
“Os criminosos podem se aproveitar do desconhecimento inicial dos usuários e do fato de que os valores por operação tendem a ser maiores” , acrescentou.
A expectativa é a de que o BC reduza o impacto com o reforço do Mecanismo Especial de Devolução, mecanismos de análise de risco em tempo real e campanhas de orientação ao usuário.
Superendividamento em pauta
Outro ponto sensível é a possibilidade de confusão entre o Pix parcelado e as transferências tradicionais, gratuitas e instantâneas. Como se trata de uma operação de crédito, há cobrança de juros e risco de inadimplência.
“Há risco de superendividamento se o consumidor não compreender que o Pix parcelado é, na prática, um empréstimo” , alerta Castro. “É fundamental exigir contratos padronizados, com o custo efetivo total claramente informado e cláusulas transparentes.”
Especialistas e educadores financeiros defendem campanhas de conscientização para que o consumidor entenda que não se trata de um Pix comum. Sem clareza, há chance de repetir o cenário do cartão de crédito rotativo, que se tornou uma armadilha para muitos brasileiros.
Estratégia de mercado
Apesar dos riscos, o Pix parcelado é visto como ferramenta de inclusão financeira. Com mais de 150 milhões de usuários ativos, o Pix já se consolidou como principal meio de pagamento no país e agora busca avançar para transações de maior valor.
O presidente do BC, Gabriel Galípolo, defendeu o adiamento em setembro.
“Não se trata de barrar a inovação, mas de garantir que ela seja implementada com segurança para os usuários e para o sistema financeiro como um todo” , disse durante evento fechado com representantes do setor.
Analistas avaliam que a modalidade pode aumentar a competição com cartões de crédito, reduzir custos de intermediação e ampliar o acesso a linhas de crédito mais baratas. No entanto, a eficácia das medidas de proteção e a adesão dos consumidores serão determinantes para o sucesso do modelo.
Perspectivas para 2025
O BC trabalha para divulgar as regras em outubro, liberar os manuais em dezembro e lançar o sistema ainda no fim deste ano. Caso haja novos atrasos, a implementação poderá ficar para 2026.
Até lá, especialistas defendem que a prioridade seja a segurança. “O Pix parcelado só será viável em 2025 se todas as salvaguardas estiverem maduras” , afirma Ramos.
“Sem isso, o risco é repetir os erros do passado, comprometendo a credibilidade de uma ferramenta que tem potencial de transformar o mercado de pagamentos” , conclui.