O Itaú, dos principais e maiores bancos do Brasil, demitiu na segunda-feira (08) cerca de 1 mil funcionários que atuavam em regime remoto ou híbrido (com dias no escritório e dias em home office ) após o que chamou de avaliação da produtividade dos colaboradores.
Em nota divulgada à imprensa, o banco informou que tomou a decisão após "revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada”. O caso, associado com o avanço do trabalho remoto no país, levanta dúvidas sobre até que ponto o empregador pode monitorar os funcionários no regime home office e o quanto a análise é feita corretamente.
Em entrevista ao portal iG, o advogado Gilson de Souza Silva, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Comparato, Nunes, Federici & Pimentel Advogados (CNFLaw), explica que a regra básica é que qualquer forma de monitoramento deve respeitar os direitos de privacidade e ser proporcional à necessidade da empresa.
Demissão sem aviso prévio
O Itaú alegou queda de produtividade para justificar os desligamentos, em uma demissão em massa sem aviso prévio. O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região informou que a medida "é desproporcional e injustificável diante da realidade".
"As relações de trabalho — incluindo o teletrabalho, pactuadas em negociação coletiva — estabelecem patamares para a proteção das trabalhadoras e dos trabalhadores. Entre essas garantias está a necessidade de promoção e orientação do gestor, o que pressupõe transparência nas decisões e práticas adotadas" , afirmou o sindicato, em nota.
Os representantes dos funcionários destacam ainda que a medida também vale para a gestão de desempenho e conduta, em que eventuais faltas, erros ou advertências "precisam ser tratados de maneira clara, com critérios objetivos, comunicação direta e possibilidade de defesa, em respeito ao devido processo e à dignidade do trabalhador".
Limites do monitoramento no home office
Embora não exista lei específica sobre o trabalho remoto no Brasil, o advogado Gilson de Souza Silva explica que princípios gerais da legislação trabalhista e da proteção de dados se aplicam.
"O monitoramento deve ser proporcional à necessidade e não pode ser excessivo ou invasivo. Além disso, o empregador precisa ser transparente e informar o funcionário sobre a forma e os motivos do monitoramento" , afirma.
Gilson de Souza Silva, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Comparato, Nunes, Federici &Pimentel Advogados (CNFLaw) na área trabalhista
Entre as práticas permitidas estão softwares que registram tempo de tela, cliques e acessos a sistemas internos, desde que restritos ao horário de trabalho e previamente comunicados ao funcionário. Também é legítimo o controle sobre e-mails e mensagens corporativas em plataformas oficiais. Já a comunicação pessoal, mesmo feita durante o expediente, não pode ser monitorada.
Privacidade
O especialista observa que a empresa não pode monitorar a comunicação pessoal do funcionário: "A principal regra é que o monitoramento seja limitado e justificável. Ele não pode ser excessivo, ou seja, a coleta de dados e a forma de monitoramento devem ser necessárias para a execução do trabalho e a empresa precisa ter um motivo legítimo para fazê-lo" .
Questionado pelo iG sobre o patrão poder exigir câmera ligada em tempo integral, Silva é contundente:
"Não. O uso de câmeras para monitorar o funcionário é considerado uma medida extremamente invasiva. A legislação entende que isso é uma violação da privacidade e, por isso, é ilegal" , diz.
Medição de produtividade
Para avaliar a performance no home office, o advogado orienta que o foco esteja nos resultados, e não na vigilância constante. “É fundamental estabelecer metas claras, prazos definidos e utilizar ferramentas de gestão de tarefas” , afirma. Reuniões periódicas de acompanhamento também ajudam a manter a comunicação e medir o andamento dos projetos.
Em casos de baixa produtividade, a empresa pode encerrar o contrato de forma sem justa causa. Nesse tipo de desligamento, não há necessidade de justificar o motivo. Já a justa causa exige comprovação de condutas graves, como fraude ou desídia.
Como sugestão de medidas corretas a serem adotadas, Silva sugere a utilização de ferramentas de gestão que ajudam a organizar as tarefas e visualizar o andamento dos projetos. Elas permitem que todos saibam o que precisa ser feito e quem é o responsável, tornando o processo mais transparente e mensurável.
Diferença entre computador da empresa e pessoal
A possibilidade de monitoramento varia conforme o equipamento utilizado. Quando o computador é fornecido pela empresa, ela pode instalar softwares de rastreamento e fiscalizar o uso de e-mails corporativos, desde que informe previamente o funcionário e não ultrapasse limites razoáveis.
" Isso se baseia na lógica de que a máquina é uma ferramenta de trabalho, de propriedade da empresa, e não do funcionário" , explica o advogado.
Já no caso de computadores pessoais, a Justiça do Trabalho restringe a fiscalização. O empregador não pode instalar programas de monitoramento nem acessar dados do dispositivo. Se optar pelo modelo de “traga seu próprio dispositivo”, a empresa deve limitar-se a fornecer sistemas de gestão e logins corporativos, sem invadir a esfera privada do empregado, de acordo com Silva.
Se o trabalhador sentir que seus direitos estão sendo violados, deve reunir provas, como registros de mensagens ou notificações, e procurar orientação jurídica. “O advogado trabalhista poderá avaliar a situação e indicar as medidas cabíveis”, explica Dr. Gilson ao portal iG .
"Em resumo, a regra é clara: o empregador pode monitorar as ferramentas de trabalho que ele mesmo fornece, mas não pode invadir o espaço pessoal do funcionário, que inclui o seu computador próprio"
, finaliza.