Werner Roger, colunista do iG, fala sobre investimentos
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Werner Roger, colunista do iG, fala sobre investimentos

Há uma dinâmica curiosa em como as percepções dos mercados mudam rapidamente , criando o ambiente ideal para que distorções de preços apareçam. E os leitores já devem saber que um dos diferenciais dos bons resultados de gestores é operar justamente esses momentos de ineficiência. Para isso, vamos dar dois passos atrás e refletir sobre o cenário. 

No tema inflação, a situação do país é bem mais animadora que o de outras economias. Como a alta de juro pelo BC foi feita de maneira antecipada e em proporções muito superiores, nosso câmbio segue valorizado, ajudado também pelo crescente superávit. Outro fator importante para a inflação brasileira, sem entrar no mérito, é a maior intervenção na política de preços da Petrobras. A disparidade em relação ao praticado lá fora está negativa há mais de dois meses – para a gasolina, bateu em quase 20%, mesmo com petróleo e dólar em queda.

Já no tema fiscal, outro ponto que liderou as discussões sobre o mercado no início do ano, as dúvidas sobre um possível desequilíbrio ainda pairam no céu. Com o PIB saudável, no entanto, é possível que o impacto no endividamento público seja menor que o estimado inicialmente. O formato da curva de juros no Brasil já deixa isso muito claro: há um movimento de forte queda nela toda – o que era imprevisto no início do semestre. 

Fica aí mais uma amostra da pouca serventia de projeções macroeconômicas, a engrossar o histórico de desacertos muito maiores que acertos.

Além disso, houve a surpreendente resiliência do PIB, que superou projeções em mais de 2% por três anos seguidos. Neste ano, caminhamos para mais uma surpresa, com o desempenho do agronegócio dando sustentação. O PIB de 2023 deve crescer mais de 2%. O próprio BC e economistas de renome têm revisado projeções para cima. Tudo isso, reiterando, coloca o Brasil bem na foto que será olhada por investidores estrangeiros.

Ao observam todas as situações apresentadas e os movimentos recentes de mercado, é possível observar duas coisas importantes. Diversas ações subiram muito sem motivo aparente, ou por puro fluxo de cobertura de posições vendidas (short); outras, que deveriam ter subido muito mais, acabaram ficando para trás. O mercado claramente se posiciona de acordo com a estratégia top-down – centrado na expectativa de queda de juros, mas cego para os resultados das empresas que serão publicados. 

Para aproveitar o cenário positivo que virá, stock picking e apego aos fundamentos são o nome do jogo. Obviamente, parte da mudança de cenário já foi precificada (talvez até excessivamente para determinados setores e empresas), mas, de novo: principalmente em small caps, o mercado não consegue antecipar de forma eficaz as mudanças de lucratividade das empresas. O foco no cenário macroeconômico leva a efeitos de manada que distorcem a precificação dos ativos e levam a dissociar valor e preço.

O cenário pós-pandemia ilustra bem isso: na recuperação pós-crash da COVID, e-commerce e tecnologia lideraram as altas. O e-commerce se tornaria o novo normal. Na realidade, boa parte da renda da população estava voltada para o consumo de eletrônicos e reformas para a casa. O varejo físico e o setor de serviços foram gravemente prejudicados. Quando a tendência reverteu com a alta de juros, o mercado demorou vários semestres para precificar de fato o que ocorreria – mesmo que já fosse de se esperar que, com a reabertura, o consumo se reequilibrasse e os serviços voltassem a ser relevantes. 

Perpetuar o cenário presente é quase sempre a regra no mercado – para o bem ou para o mal. Quando o cenário de recuperação foi se concretizando, o mercado demorou bastante para refletir a realidade nos preços. Com os juros se dá o mesmo: mesmo que já se antecipando uma mudança de patamar, não há ainda impactos de fato sobre os resultados das empresas ou sobre as dinâmicas setoriais no tempo presente. Quando isso acontecer (e deve demorar bastante, na nossa opinião), haverá novas mudanças de preços nas ações – muito superiores, estimamos, às que ocorreram agora.

Outro exemplo? A alta da bolsa em junho, na esteira da perspectiva de alta da nota de crédito brasileira pela S&P. A nota só deve melhorar após o fato (as agências são inerentemente atrasadas nesse sentido), mas aí tudo já deveria estar precificado. 

O mercado é muito mais dinâmico, sempre alguns passos à frente das agências. Mesmo assim, quando a nota subir, a bolsa também tenderá a subir (sempre há os que chegam atrasados à festa). Fundos multimercados vêm aos poucos aumentando a exposição em renda variável, mas ainda estão longe de estarem de fato comprados. A primeira pernada de alta em boa parte se deu na reversão das posições, com muitos fundos liquidando posições vendidas. Por último, devem vir os investidores institucionais, ainda bastante apegados aos juros, e os investidores individuais e de fundos, em busca de retornos maiores que a poupança/Selic em queda e correndo atrás da manada e das manchetes dos jornais.

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