A Hurb (ex-Hotel Urbano) enfrenta a maior crise da sua história, tendo que lidar com proibições do governo, demissões e inúmeros cancelamentos. Em meio ao caos, consumidores que adquiriram os pacotes de viagem flexível , carro-chefe da plataforma, tiveram a viagem negada e agora encontram-se desiludidos, frustrados e com sentimento de terem sido enganados.
Clientes esperaram mais de dois anos para, na véspera do embarque, terem a viagem cancelada. Esse foi o caso do veterinário de 48 anos André Brandão, que, com sua esposa e filho, pagaram R$ 1.346 cada um por voo ida e volta, hospedagem e transfer para as Cataratas.
A viagem estava prevista para o dia 1º de junho, mas, às 11h20 do dia 31 de maio, a empresa encaminhou um e-mail alertando para que eles não fossem ao aeroporto, pois não conseguiriam embarcar. Em troca, a Hurb ofereceu créditos que poderiam ser usados em outra compra.
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"Na hora, a gente ficou sem chão, mas estava tudo certo com o voo, tinha cartão de embarque, assento, tudo, e eles repetiam: 'Não vá para o aeroporto de jeito nenhum'. Foi um transtorno aqui em casa, até que descobri que o problema era na hospedagem. Com medo da passagem ser cancelada, a gente decidiu encarar e conseguimos viajar", conta.
A família, que já havia realizado o check-in na companhia aérea, percebeu que o problema não era com o voo, e sim com a hospedagem. A Hurb havia emitido as passagens, mas deixou de arcar com o hotel e com os passeios. Com isso, a família que não tirava férias junta há mais de dez anos decidiu viajar mesmo assim. Eles afirmam terem gastado mais de R$ 2 mil com gastos por fora do pacote.
André relata que acionará a empresa judicialmente e que já está em contato com advogados. "O meu sentimento é que fui lesado. Era um valor que a gente não estava preparado para gastar e, como foi em cima da hora, saiu mais caro do que o normal. Já juntamos as notas todas, contactamos a advogada e agora o medo é a empresa decretar falência e não ressarcir nossos gastos", comenta.
O medo da falência fez outros clientes anteciparem o cancelamento, mesmo arcando com a multa de 20% imposta pela plataforma. Em casos de recuperação judicial, a companhia prioriza débitos de natureza trabalhista, os demais processos podem se arrastar por anos.
A publicitária Amanda Soares, de 21 anos, e outras duas amigas compraram, em fevereiro 2022, um pacote de viagem para Roma e Paris, saindo de são Paulo, por R$ 2.100. A previsão era embarcar para a Europa em maio deste ano. As três juntaram dinheiro pensando na compra de euros, realizaram planos, listaram restaurantes favoritos, mas, em março deste ano, a Hurb adiou a viagem para junho de 2024.
Com a atual situação da empresa, as três decidiram cancelar a viagem dos sonhos. "A gente se sente burra, né? Todo mundo falando 'como você acreditou?' Mas a gente vê pessoas viajando, acaba acreditando. O sentimento é de desilusão. Nunca mais compro nada desse tipo", declarou.
As amigas realizaram o cancelamento do pedido, mas ainda não receberam o dinheiro. Vale ressaltar que a empresa pede 60 dias para o estorno. Como o pedido delas foi feito no mês de maio, ainda há prazo para o depósito. Mesmo assim, Amanda diz ter pouca esperança de receber o dinheiro de volta.
Márcia Arantes, professora municipal, também teve a viagem cancelada na véspera. Ela se programou para ir com a família para o Resort Costa do Sauipe no dia do seu aniversário, mas a Hurb também cancelou o presente dias antes.
O pacote estava comprado desde julho de 2021, mas em janeiro de 2023, quase dois anos depois, a empresa pediu novas datas aos viajantes por falta de voos promocionais para o período. A Hurb mesmo assim não aceitou as datas propostas e sugeriu o dia 2 de junho para o embarque, que foi aceito pela família.
No dia 27 de maio, cinco dias antes da viagem, Márcia, seu marido e os dois filhos foram surpreendidos pelo e-mail de que a viagem havia sido cancelada por calote da Hurb na hospedagem.
Após dois anos e mais de 50 protocolos abertos pelo site, Márcia decidiu cancelar a viagem e agora aciona a Hurb na Justiça.
"É desgastante demais você precisar, durante 45 dias, entrar em um chat e esperar por horas para ser atendido, onde os consultores te afirmam e confirmam que está tudo certo e às vésperas da viagem realizarem um cancelamento sem muitas explicações. Dia 02/06 é meu aniversário, estava tudo programado para que fosse uma viagem incrível conforme relatei nas conversas no chat", relata.
"Além de frustrante e estressante, esse cancelamento acabou me trazendo vários problemas emocionais por conta de já estar programada para comemorar meu aniversário com essa viagem", completa.
Segundo Mário Henrique Nobrega, advogado especialista em Direitos Difusos e Coletivos, do Martins Cardozo Advogados Associados, os casos em que o consumidor relata desgaste emocional permitem o ajuizamento de uma ação indenizatória por danos morais.
"Há um dano psicológico, porque há uma expectativa criada, inclusive, por conta do baixo valor da viagem, cria-se uma esperança e apreensão muito grande e todo gasto psicológico gerado pela Hurb ela é impugnável, é indenizável, sim", afirma.
O advogado diz ainda que a empresa é obrigada a corrigir o valor adquirido no pacote de viagem nos moldes do artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, que diz que em caso de rescisão do contrato, o consumidor tem direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
Atraso de salários, novo (velho) CEO e governo federal na cola
O fundador do Hurb , João Ricardo Mendes, voltará ao comando da empresa depois do CEO Otávio Brissant ter renunciado ao cargo em 5 de junho. João havia deixado o cargo de CEO em abril , depois da divulgação de um vídeo seu xingando clientes da empresa.
De acordo com a coluna Capital, do jornal O Globo, os trabalhadores receberam neste mês um comunicado interno afirmando que os salários vão atrasar em três dias e serão divididos em duas parcelas.
A empresa está na mira do governo federal desde abril, quando a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) abriu o primeiro processo administrativo sancionador contra a plataforma, por desrespeito aos direitos dos consumidores. Depois disso, a empresa se comprometeu a honrar os compromissos.
Em maio, no entanto, a Senacon decidiu suspender temporariamente a venda de novos pacotes com datas flexíveis pela Hurb, o que resultou na demissão de 40% dos funcionários da empresa. O corte atingiu 400 pessoas de um total de mil empregados, dos quais alguns eram recepcionistas, supervisores de experiência do cliente e gerentes de operações.
Apenas nos três primeiros meses de 2023, foram mais de 11 mil reclamações registradas contra a Hurb, ante 12 mil realizadas em todo o ano de 2022. Além disso, o índice de solução das demandas na plataforma consumidor.gov caiu de 64% (2022) para 50% (2023).
Além disso, a Latam suspendeu, na última semana, a emissão de novas passagens para Hurb. A companhia aérea cobra na Justiça uma dívida milionária.
O que diz a empresa
Perguntada se está com problemas de fluxo de caixa, e sobre os casos listados acima, a Hurb diz apenas que "sempre prezou pela transparência com os seus viajantes e parceiros", mas "reconhece os problemas enfrentados nas últimas semanas, que afetam alguns processos da companhia."
"No entanto, ressalta que todas as questões foram mapeadas e já estão sendo sanadas por meio de diversas iniciativas que compõem um plano de ação estruturado para a normalização das atividades da companhia. A empresa frisa que está trabalhando para a normalização das operações, prezando pelo melhor interesse da companhia, de seus consumidores e parceiros", finaliza.