O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, segue sua saga de formalização dos trabalhadores de aplicativos. Na última terça-feira (7), ele disse que "sente muito" se as plataformas como Uber , 99, Rappi, iFood, entre outras, não gostarem do tema, dando a entender que não se importaria se as empresas decidirem deixar o país.
Sobre a Uber, Marinho insinuou que quem perderia com uma eventual suspensão dos serviços no país seria a própria empresa. "Se [a Uber] for embora [do Brasil], problema da Uber", declarou em evento da Frente Parlamentar do Empreendedorismo.
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"A Uber não irá embora porque o Brasil é mercado número um, mas ninguém quer que ninguém vá embora. Pelo contrário, nós queremos é garantias de proteção social a esses trabalhadores, a valorização do trabalho. Tem que ter regras, controle para não ter excesso de jornada", adicionou.
Já na quinta-feira (9), após a repercussão negativa, colocou panos quentes na relação com as plataformas. "Não há absolutamente nenhum preconceito contra elas [as plataformas]. O que é preciso é construir respeito aos trabalhadores, que estão trabalhando de forma vulnerável, precária, correndo risco de vida, com baixa remuneração e excesso de jornada [de trabalho]".
Eduardo Lima de Souza, o "Duda", presidente da Amasp (Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo), diz não temer uma eventual saída da Uber do país, mas ressalta que a categoria teme o que pode vir de uma eventual regulação do trabalho.
"Não temos medo das empresas deixarem o Brasil, até porque somos o terceiro maior mercado de arrecadação dessas empresas, e elas não irão abrir mão dessa fatura, mas o que pode acontecer, é se essa Regulamentação for mal elaborada, pode gerar um grande problema para toda a classe podendo até mesmo dizimá-la."
A economista Cristina Helena Pinto de Mello, doutora em Economia de Empresas pela FGV, no entanto, alerta que os impactos dessa decisão iriam desde aumento no desemprego a queda de arrecadação com impostos. Em 2021, a Uber gerou R$ 36 bilhões de valor para a economia brasileira, equivalente a 0,4% do PIB naquele ano.
"O encerramento das operações no Brasil tenderia a criar uma situação de penúria. Esses motoristas vão procurar emprego onde? Vão compensar a perda do rendimento de que forma?", questiona, adicionando: "Não estamos falando de uma empresa regional, e sim de uma empresa que opera em quase todas as cidades do Brasil".
Ela ressalta que o processo de plataformização do trabalho permitiu a geração de renda independentemente do horário e da localização geográfica desse trabalhador, bem como a possibilidade de complemento de renda. A economista pontua, porém, que devem haver mudanças nesse modelo de relação empregatícia, principalmente olhando para a aposentadoria desses profissionais.
"Além da empresa gerar renda, gera tributos, mas a questão é o quanto ela tá pagando de impostos e o quanto que está contribuindo para a conta previdenciária no país. O grupo que trabalha para Uber não tem feito opção pelo pagamento da contribuição ao INSS", diz.
Quase um milhão de motoristas por aplicativo no Brasil
Segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), aproximadamente, 1,5 milhão de pessoas trabalham no setor de transportes por aplicativo no Brasil. Desses, 61,2% eram motoristas de aplicativo e/ou taxistas, 20,9% entregavam mercadorias via motocicletas, 14,4% atuavam como mototaxistas e o restante exerciam a atividade de entrega de mercadoria via outro meio de transporte.
Destes, a maioria é composta de homens, pretos e pardos, com idades inferiores a 50 anos, com a escolaridade variada e se concentram no Sudeste do país, que tem 486 mil motoristas, o que representa 51,4% desse contingente nacional.
O estudo, finalizado em 2022, também aponta queda na renda dos motoristas de aplicativo e taxistas ao longo dos anos. Esses profissionais recebiam em média, em termos reais, R$ 2.600 mensais em 2016, e passaram a receber R$ 1.925 no fim de 2021.
A Uber divulgou que o número de usuários ativos na plataforma passou de 30 milhões em 2022, a maior quantidade desde o início das operações no país, superando o que havia antes da pandemia.
Regulamentação
Marinho diz que o trabalho por aplicativo será regulamentado ainda neste semestre, mas sem detalhar quais pontos precisariam ser revistos.
Segundo Duda, a maioria dos motoristas não deseja aderir ao Código de Leis Trabalhistas (CLT), pois "se trata de um novo modelo de trabalho, não o habitual que este governo está acostumado".
"Já temos uma Regulamentação Federal, a Lei 13.640 que nos garantiu muitos direitos e a preservação da nossa classe, mas somos cientes de que é preciso melhorá-la. Impor mais regras para as empresas, para que os motoristas tenham mais força juridicamente falando, pois somos fracos nesse ponto, e também garantir benefícios. Dessa forma os motoristas apoiam uma regulamentação. O que os motoristas abominam é serem obrigados a entrarem numa CLT, isso não será bem-vindo para a classe", afirma.
Duda critica ainda o ministro do Trabalho por preferir o diálogo com sindicatos sobre a possível regulamentação. De acordo com o presidente da Amasp, a categoria não representa os interesses dos motoristas.
"Temos uma proposta de projeto que vai de encontro com uma boa regulamentação onde atende todas as nossas necessidades e os anseios do governo, o problema é que o governo e seus ministros não estão abrindo espaços para as Associações do Brasil, somente sindicatos têm livre acesso às reuniões, porém essas entidades não têm experiência neste assunto, isso nos preocupa bastante e pode trazer graves consequências para a classe."
A economista Cristina Helena Pinto de Mello pesquisa o trabalho por plataformas no Brasil e, baseado na sua experiência, os motoristas têm a visão que o pagamento da aposentadoria não traria retorno no futuro. Com isso, seria necessário mais do que a simples regulamentação do trabalho, e sim um processo de conscientização sobre a importância da cobertura previdenciária.
"Não basta só a regulamentação, as pessoas não acreditam que elas vão ser beneficiadas no futuro por uma contribuição no presente, por conta das inúmeras reformas que a gente já fez", diz.
Ela ressalta ainda que o governo precisa propor um modelo que garanta as condições mínimas para o trabalho seguro desses motoristas.
"Não dá para trabalhar mais do que oito horas, por exemplo. É preciso garantir que o carro esteja em condições seguras e conforme a regulação ambiental", finaliza.
Cidades lançam modelo 'estatal'
A cidade de São Paulo lançou na última quinta-feira (9) um aplicativo público de corrida para concorrer com Uber e 99 . O MobizapSP vai pagar quase 90% dos valores das corridas aos motoristas, além de trazer vantagens para os usuários.
Apesar de já estar disponível nas lojas oficiais de aplicativos no Android e no iOS, o aplicativo ainda não está em operação. De acordo com a Prefeitura, é necessário que um número mínimo entre 10 mil e 12 mil motoristas se cadastrem na plataforma antes que ela comece a aceitar passageiros.
Além da capital paulista, Araraquara (SP) já tem seu modelo de "Uber". o Bibi Mob já conta com 200 motoristas e mais de 7.000 usuários cadastrados. Nesse modelo, o motorista fica com 95% do valor da corrida, bem diferente dos quase 60% em aplicativos como Uber e 99.
Duda, presidente da Amasp, vê o projeto com bons olhos, já que ele aumenta a competitividade dentre as empresas que dominam o mercado nacional, mas, segundo ele, ainda há trabalho a fazer.
"O projeto seria bom desde que suprisse as necessidades dos motoristas em relação às empresas que dominam o mercado hoje, acreditamos que a Prefeitura poderia ter requisitado melhor as condições impostas na licitação. Apenas requisitar uma menor taxa não é suficiente para concorrer no mercado", opina.
Para a economista Helena de Mello, a iniciativa é válida, mas o modelo da Uber seria de um "monopólio natural", ou seja, ela domina o mercado, pois não cabe uma segunda empresa desse porte, com tamanho investimento.
"O fato é que a Uber deu vazão a uma necessidade da população, que não encontra no transporte coletivo um meio confiável, com bom preço e com qualidade", afirma.