Após cobranças de eleitores, sindicalistas e da ala política, o governo federal corre contra o tempo para buscar alternativas e aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil a partir de 2024 . Essa era uma das principais propostas do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante o processo eleitoral de 2022.
Nos últimos dias, a equipe econômica tem feito reuniões para encontrar formas de aumentar a faixa de isenção sem impactar de forma significativa a arrecadação. A ideia é incluir a proposta na Reforma Tributária, que já está em discussão no Congresso Nacional.
Na quarta-feira (18), Lula prometeu a sindicalistas que vai mexer na tabela de isenção do IR "mesmo que aumente impostos dos mais ricos". Ele admitiu ter tido uma 'briga' com economistas do PT para calcular o impacto nas contas.
"Nesse país quem paga imposto de renda de verdade é quem tem holerite. O pobre que ganha hoje R$ 3 mil paga mais proporcionalmente em relação a quem ganha R$ 100 mil. Eu tenho uma briga com o economista do PT que diz 'Lula, se fizermos uma invenção de R$ 5 mil é metade da arrecadação do país'", disse.
"Vamos diminuir para o pobre e aumentar para o rico. É necessária uma briga, discussão com o Congresso Nacional e organização da sociedade? É necessário. É preciso mobilização do povo brasileiro para mudar uma vez na vida a política tributária para colocar o pobre no orçamento da União e o rico no imposto de renda, para ver se a gente arrecada o suficiente para fazer política social neste país", afirmou.
O professor de Economia e Relações Internacionais do Ibmec-SP Alexandre Pires acredita que é possível alterar a tabela do imposto sem impactar de forma assídua as contas públicas. Ele alerta, porém, para a necessidade de compensar as perdas financeiras.
"Tem uma medida correndo no Congresso que diz que teremos uma isenção de R$ 2,5 mil. Isso significa um aumento de 50% dos isentos. O impacto disso seria de R$ 15 bilhões na arrecadação federal. Se aumentarmos para R$ 5 mil, esse número será o dobro", disse.
"Se considerar apenas os rendimentos de capital, que gera R$ 300 bilhões por ano, o impacto será de apenas um terço. O impacto é pequeno, mas isentaria algo em torno de 70% ou 80% dos domicílios. Não é tão difícil fazer isso, mas alguém terá que pagar a conta para compensar as perdas", concluiu Pires.
O mercado financeiro também vê com bons olhos a possível mudança. Analistas já esperavam alterações na tabela de Imposto de Renda após as promessas de campanha do petista e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O economista e sócio da BRA BS, Beto Saadia, acredita ter possibilidade de aumentar a tributação para os mais ricos, mas ressalta a necessidade de conseguir apoio no Congresso Nacional.
"Isso já era esperado pelo mercado. Isso foi sinalizado na campanha pelos dois candidatos. O antigo governo já havia sinalizado alguma coisa nesse sentido".
"Primeiro ele está manifestando de certa forma a vontade dele, mas isso terá que passar pelo Congresso. É possível, sim, que chegue no aumento da alíquota para aquele acima de 27,5%, ou seja, tenha uma escadinha de alíquota para os mais ricos e uma pequena porcentagem para os mais pobres", disse.
Para Saadia, a medida é positiva e terá impacto no crescimento do país. Ele ressalta que outros países foram para o mesmo caminho e tiveram sucesso na arrecadação.
"O impacto disso, na verdade, é distributivo. O mundo inteiro está passando por isso. A partir do momento que estamos em discussão da reforma tributária, os tributos que ligam os bens e a renda estão na mira", disse.
"Novas discussões estão sendo feitas, entre elas para tributar a renda e patrimônios. O mundo está indo para o caminho mais para a tributação de renda. O impacto é positivo, há sim um aumento de geração de receita tributária", completa o economista.
Impacto político
Mudar a tributação do país sem impactar as contas públicas e tendo apoio do Congresso Nacional será um dos maiores desafios do governo Lula nas próximas semanas e meses. Diversas discussões estão sendo feitas e há uma forte expectativa de sucesso nas negociações com congressistas caso seja preciso aumentar impostos para pessoas mais ricas.
A preocupação da ala política é com o impacto sobre Lula caso a proposta vá adiante. Um dos pontos de questionamento é de que forma será feita a cobrança: se para a tributação de renda de pessoas físicas ou jurídicas.
Enquanto uma parte vê a tributação para empresas como melhor caminho de aumentar a arrecadação, outros querem tributar apenas a renda dos empresários na pessoa física. Na opinião de aliados de Lula, essa segunda opção é que terá um impacto menor politicamente.
O cientista político e coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, José Niemayer, vê a medida como necessária para melhorar o regime de tributação do Brasil. Ele lembrou das desonerações feitas pelo governo Bolsonaro e alertou para as diferenças de cobranças aos empresários.
"Em tese, é o correto do ponto de vista tributária. Reduz a taxa dos mais pobres e aumenta dos mais ricos. Qualquer país com regime tributário sério faz isso", disse.
"Durante os quatro anos de Bolsonaro houve uma desoneração enorme aos grandes empresários. O que temos que ver no Brasil não só a questão de ver quem está pagando, mas também os setores empresariais. Uma coisa é o que se cobra do empresário na pessoa jurídica, outra é um grande empresário da pessoa física", completou.
Niemayer vê o impacto sobre Lula muito pequeno ou nulo. Para o especialista, os empresários não devem apresentar resistências em pagar mais impostos como pessoa física, enquanto a popularidade do petista entre os pobres deve alavancar ainda mais.
"Os empresários presentes em Davos estão pedindo para pagar mais imposto de renda. Se houvesse um aumento de imposto na pessoa física para as pessoas mais ricas, eu tenho impressão de que não seria um custo político alto para o presidente Lula, muito pelo contrário, acho que pode sair um ponto positivo", completou.
Em resumo, tributar os mais ricos para aliviar o IR dos mais pobres é uma medida popular e que, portanto, tende a ser mais facilmente apoiada pelos congressistas.