Ignorando as longas filas que são vistas diariamente nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) de todo o país, com brasileiros dormindo na rua para tentarem a liberação do Auxílio Brasil , o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse neste domingo (28), durante o debate presidencial promovido pela TV Band, que "basta se cadastrar" para receber os R$ 600 do benefício. Mas não é tão simples assim.
A fala aconteceu após Bolsonaro ser questionado por Ciro Gomes (PDT) sobre ter dito, na última sexta-feira (26), que não existe "fome pra valer" no Brasil. A declaração foi dada em uma entrevista do presidente ao Ironberg Podcast. No mesmo dia, mais cedo, Bolsonaro disse ao "Pânico" que não se vê no país pessoas "pedindo pão no caixa da padaria".
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"Quem ganha até US$ 1,9 por dia, está na linha da pobreza. US$ 1,9 são R$ 10, e o Auxílio Brasil paga R$ 20. Quem por ventura está abaixo do nível da pobreza, deve ter gente sim passando necessidade, é só se cadastrar que vai passar a ganhar então o Auxílio Brasil de R$ 600", respondeu o presidente ao candidato pedetista.
O processo de liberação do benefício, no entanto, não é simples. A porta de entrada do Auxílio Brasil é o Cadastro Único (CadÚnico). Têm direito aos R$ 400 (ampliados para R$ 600 até dezembro) as famílias em situação de pobreza (renda per capita familiar de R$ 210 mensais) e de extrema pobreza (R$ 105). Além disso, as famílias precisam ter os dados atualizados nos últimos 24 meses e não ter informações divergentes entre as declaradas no cadastro e as de outras bases de dados federais.
O volume de atendimentos, no entanto, sufoca os municípios, que não dão conta da demanda, principalmente depois de o benefício ser ampliado de R$ 400 para R$ 600, em meio a um pacote de expansão de benefícios sociais ser aprovado às vésperas das eleições. Desde então, brasileiros correm aos Cras para se inscrever no sistema ou atualizar seus dados e, em todo o país, cenas de famílias inteiras passando a madrugada na fila para tentar atendimento se repetem.
As dificuldades de cadastramento e critérios de acesso desatualizados tornam o pedido do benefício demorado ou até inviável, no caso da população em situação de rua, por exemplo, que em alguns casos não tem a documentação necessária. Além disso, cálculos feitos pelos economistas Alysson Portella e Sergio Firpo, do Insper, mostram que a defasagem da linha de pobreza deixa invisíveis 8 milhões de brasileiros que poderiam ser contemplados pelo auxílio, como mostrou reportagem do GLOBO.
Segundo o Ministério da Cidadania, não há fila de espera para o Auxílio Brasil, já que, no pagamento de agosto, 2,2 milhões de famílias habilitadas ao programa foram incluídas.
A última compilação feita pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), no entanto, apontou que em maio, a demanda reprimida pelo Auxílio Brasil era mais que o dobro da fila oficial. Só naquele mês, havia 1,8 milhão de famílias esperando o benefício, enquanto o Ministério da Cidadania apontava que eram quase 765 mil.
A diferença ocorre porque o levantamento da CNM leva em conta as inscrições de famílias no Cadastro Único (CadÚnico) que atendem aos critério para ingresso no programa. Para entrar na fila oficial do Ministério da Cidadania, no entanto, é preciso passar por outros filtros.
No diagnóstico de Paola Loureiro, diretora de Relações Internacionais e Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB), cortes no orçamento da Assistência Social comprometem os atendimentos e afastam muitos brasileiros sequer do primeiro atendimento nos Cras.
"Existe um Brasil invisível que Bolsonaro faz questão de não enxergar. O governo afastou a política de assistência social de um contingente de população que tem pouca documentação e não tem acesso aos Cras. Muita gente ficou de fora quando a transferência das informações da base de dados do Auxílio Emergencial para o Auxilio Brasil não foi feita, o que seria uma super ferramenta de facilitação do processo de liberação do benefício e evitaria que as pessoas virassem a noite na fila."
Loureiro também avalia que a pressão nos Cras, principalmente após a ampliação do valor de R$ 400 para R$ 600, e a falta de investimento no setor prejudica que as equipes façam a chamada da chamada busca ativa, para identificar famílias vulneráveis que não conseguem acessar a rede de Assistência Social:
"Se eu não proporciono estrutura e não deixo ninguém entrar na fila, ela está zerada. Ao não tornar o serviço acessível, o governo se protege da responsabilidade. Além disso, existem pessoas que estão cadastradas e não estão na fila, porque o governo ainda não autorizou que essas famílias entrem na fila de liberação do benefício. Isso é uma estratégia eleitoral do governo para dizer que a fila está zerada".