Diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto, fala sobre piso salarial da enfermagem e realidade da Covid-19
Edilson Dantas / Agência O Globo
Diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto, fala sobre piso salarial da enfermagem e realidade da Covid-19

No início do mês, entidades ligadas à enfermagem celebraram a sanção presidencial ao Projeto de Lei que estabelece o piso salarial da categoria no país em R$ 4.750, além de 70% desse valor para técnicos de enfermagem e 50% para auxiliares e parteiras. A decisão, no entanto, é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) por instituições de saúde que argumentam ser insustentável aumentar os pagamentos uma vez que a Lei não prevê de onde serão retirados recursos para arcar com as despesas do reajuste.

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O diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto, afirma que as organizações não são contrárias ao reconhecimento profissional dos enfermeiros, mas que a criação de uma despesa de 16 bilhões ao ano sem um mecanismo compensatório levará inevitavelmente a demissões no setor e consequentes fechamentos de leitos Brasil a fora.

Em entrevista ao GLOBO, o diretor-executivo da Anahp comentou ainda sobre o menor volume de pacientes com Covid-19 em estado grave atendidos nas instituições privadas, e falou sobre como as unidades têm lidado com o aumento de pessoas contaminadas com a varíola dos macacos, no momento em que o Brasil se torna um dos cinco lugares com mais diagnósticos no mundo.

Qual a expectativa da Anahp em relação à obrigação para implementar o reajuste do salário de enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras até o próximo dia 5?

Há uma enorme expectativa de que seja possível resolver o assunto, apesar de estar tudo muito atrasado. Existem duas soluções possíveis. Uma, que preferimos, é que o Congresso aprove as chamadas fontes de custeio o mais rápido possível. Localizar 16 bilhões de reais por ano a partir de agora para poder cobrir uma despesa que foi calculada pela própria Câmara. A promessa foi feita pela Câmara dos Deputados, e não está sendo cumprida. A outra solução, via Judiciário, é que o Supremo entenda que erros muito graves foram cometidos na tramitação deste projeto, erros assumidos inclusive pelos próprios parlamentares. Nossa expectativa é que, ao melhor estilo brasileiro, no último momento seja possível que o governo federal e/ou a Câmara acelere a aprovação dessas fontes.

Caso o piso seja mantido da forma como está, quais os impactos previstos nos hospitais?

Nós em nenhum momento estamos pensando que seja injusto homenagear e fortalecer a enfermagem. Mas, por todos os números que já foram levantados, nós estamos informando sobre a absoluta impossibilidade de ser feito esse pagamento se não houver fontes adicionais de custeio ou cortes no número de leitos e demissões, o que nenhum hospital quer fazer. Qualquer brasileiro sabe que não existe leito sobrando nos hospitais brasileiros, ao contrário. Mas, se nada for feito, isso vai gerar a necessidade de um plano que não é B, é plano H, de horrível. Demitir pessoas porque não há como arcar com o reajuste.


A aprovação sem a inclusão de fontes de custeio, o que era uma promessa dos deputados, foi uma surpresa?

O tempo todo os deputados disseram que precisavam encontrar fontes de pagamento e que iriam aprovar as duas medidas juntas. Então nós ficamos chocados, mais do que surpresos, quando a aprovação saiu apenas com um lado, que era de fazer, em ano eleitoral, uma merecida, mas não operacional, homenagem aos enfermeiros. O que está escrito, embora merecido, não tem como ser pago.

Então a Anahp acredita que estabelecer o piso, de uma maneira operacional, seria importante?

Ao longo desse episódio, os hospitais em nenhum momento disseram qualquer palavra que não fosse de respeito à enfermagem e ao papel fundamental da profissão. Não está havendo aqui um conflito entre hospitais e enfermeiros, os dois são vítimas de um processo mal conduzido, em que, a pretexto de algo que ninguém discorda, criou-se uma despesa em que se esqueceram de prever a forma de pagamento.

Falando um pouco de pandemia, há pouco mais de um mês o Brasil vive uma queda no número de novos casos de Covid-19. Como os hospitais têm relatado a situação sanitária atual do país?

Os relatos que nós recebemos dos hospitais é de uma recuperação do que eu chamaria de a normalidade das unidades. Uma baixíssima presença de pacientes com Covid-19, e essas pessoas geralmente internadas em condições menos graves do que era o padrão, infelizmente, no ano passado. Os hospitais estão trabalhando sim com níveis elevados de ocupação, mas porque retomou-se o atendimento de milhões de tratamentos e cirurgias eletivas que ficaram represados e adiados com a pandemia.

E em relação à varíola dos macacos, que pegou o mundo de surpresa e já contaminou milhares de brasileiros, levando o país a um dos cinco com mais diagnósticos no mundo? Há uma pressão nas unidades?

O que estamos recebendo de relatos dos hospitais é que há obviamente um crescimento significativo de casos da doença, mas que tem sido possível atender essa demanda sem caracterizar uma situação de emergência nas rotinas dos hospitais. Uma situação diferente do que aconteceu com a Covid-19.

Nesse contexto de retomada das atividades eletivas e de crescimento da varíola dos macacos, os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) que são oferecidos por instituições particulares também serão afetados pelo piso da enfermagem?

Como nossos hospitais privados representam mais de 52% dos atendimentos do SUS em média complexidade, e quase 100% em alta complexidade, é óbvio que a redução de leitos vai impactar também o serviço público. E já começou a acontecer que os hospitais estão informando aos secretários municipais e estaduais de Saúde que, se os recursos não forem encontrados, os serviços precisarão ser reduzidos. E o brasileiro sabe que não há espaço para reduzir o atendimento no SUS, se for para mudar é preciso que seja para mais.

Houve recentemente o caso com o Hospital A.C.Camargo, em São Paulo, especializado em tratamento de câncer, que chegou a romper a parceria com o SUS, embora depois tenha feito um acordo para manter os atendimentos. A forma como o piso foi aprovado teve influência?

O que aconteceu com o A.C.Camargo está acontecendo na maioria absoluta dos municípios. Os hospitais estão avisando que não têm como assumir essa nova despesa. Principalmente nos pequenos municípios e pequenos hospitais, não vai ter como cobrir esse gasto. Em nenhum hospital há enfermeiros sobrando. Então para reduzir o número de profissionais, você precisa diminuir o número de leitos.

Quando se posicionou sobre o piso, a Anahp disse que havia solicitado uma reunião com a Agência Nacional de Saúde (ANS) para "alertá-los de que é inevitável convocar os planos de saúde e pedir revisão dos contratos". Essa reunião aconteceu?

A reunião aconteceu há duas semanas, e os diretores da ANS foram formalmente informados que o pagamento dessa despesa teria consequências também para os planos de saúde, porque os hospitais serão obrigados ainda este ano a solicitar que os planos reajustem os valores pagos às unidades. Os planos acertam os valores com os hospitais de forma antecipada, e essa despesa de R$ 16 bilhões é totalmente imprevista, não estava no acordo entre hospitais e planos. Logo, se for mantida a obrigação, a conta será empurrada para os planos, que por sua vez empurrarão para os 49 milhões de brasileiros que são beneficiários de planos e as empresas contratantes. Não existe mágica, isso vai estourar em demissões, redução de leitos e aumentos nos planos de saúde ou, na hipótese que nós preferimos, na identificação urgente de fontes de custeio. Se não tivermos fontes de custeio, já sabemos quem vai pagar: vai ser a população como um todo, perdendo leitos, perdendo empregos e aumentando o custo dos planos.

Algum hospital já relatou ter mexido na folha de pagamento e, por isso, ter precisado fazer demissões e/ou reduzir leitos?

A unanimidade dos hospitais entende que ainda há prazo para que, ou a Câmara resolva o problema que criou, ou que o Judiciário continue para uma solução. Então posso te assegurar que todos os hospitais brasileiros estão preparando a folha de setembro sem considerar o piso salarial da enfermagem. A folha está sendo preparada e vai ser paga com base nos padrões rotineiros, não considera os efeitos desta lei, porque ela está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) e porque nós estamos ainda na esperança de que o governo federal, que também tem a sua responsabilidade, e a Câmara dos Deputados ofereçam uma solução. A orientação é de aguardar por uma solução. Os hospitais pequenos, de até 50 leitos, que são a maioria no país, estão tendo em média um aumento na folha de 2,5 milhões no ano, e serão os mais afetados. Isso faz com que, para eles compensarem (o reajuste), o número médio de demissões seja de 15 a 20 enfermeiros. Nós não queremos isso, precisamos evitar isso.


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