Caio Megale, economista-chefe da XP
Washington Costa/Ministério da Economia
Caio Megale, economista-chefe da XP

“Era uma casa muito engraçada, não tinha teto , não tinha nada…”, diz a música infantil sobre um local confuso. A paródia com o risco que o país corre em 2023, contudo, é real: sem uma âncora fiscal forte, a recessão, a pobreza e o desequilíbrio financeiro podem ameaçar o próximo ano, independente de quem ganhar as eleições de outubro.

Criado na crise de 2016, o teto de gastos, cada vez mais, é considerado carta fora do baralho, depois de ser sucessivamente “furado” pelo atual governo e pelo Congresso. Primeiro, com a proposta de emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios , no fim de 2021, que mudou a regra para “subir” o teto, gastar mais com o Auxílio Brasil e limitar o pagamento de dívidas da União.

Depois, foi a PEC Eleitoral , que colocou uma série de despesas sociais — pensadas para turbinar a aprovação do presidente Jair Bolsonaro em ano eleitoral. Esses movimentos, para especialistas, jogaram por terra a credibilidade do teto de gastos, que visa a limitar o crescimento das despesas somente à correção da inflação.

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"Esse teto de gastos acabou. Ele não comporta a manutenção de todas as despesas já existentes e mais as despesas temporárias que foram instituídas pela última PEC (Eleitoral)", afirmou o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, ex-secretário de Desenvolvimento do Ministério da Economia.

Além disso, os líderes nas pesquisas eleitorais, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), já indicaram que querem mexer no teto se vencerem a eleição de outubro.

Para 2023, o maior desafio será manter o Auxílio Brasil de R$ 600 (com um custo estimado em R$ 160 bilhões por ano). Os postulantes ao Palácio do Planalto prometem manter esse valor no próximo ano. A sobrevivência de outros benefícios também é dúvida, como os vales a caminhoneiros e taxistas, e as reduções de impostos promovidas neste ano.

Com o teto em xeque, economistas de instituições financeiras ouvidos pelo GLOBO defendem manter uma regra fiscal que limite os gastos e também seja voltada ao controle da dívida pública, principal indicador de solvência de um país. Hoje, a dívida está na casa dos 80% de tudo que o país produz em um ano (o PIB). É uma dívida mais alta (e cara) que a de países emergentes.

Com uma dívida alta, o dinheiro acaba sendo direcionado para o governo rolar esse passivo, em vez de ser destinado a projetos da economia real, que geram o crescimento do país. E, com baixa credibilidade da política fiscal, o país tem mais inflação, o que leva a mais volatilidade e a menores taxas de crescimento.

Mário Mesquita

‘Não há regra fiscal boa que sobreviva sem credibilidade e apoio’

Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, afirma que a necessidade de ajuste fiscal sofre bastante resistência e que não há regra fiscal boa que sobreviva sem credibilidade e apoio político. O desafio, para ele, não é a falta de espaço para cumprir o teto, mas uma possível carência de vontade política de compensar aumentos de gastos, principalmente sociais, com cortes em outras despesas. Ele calcula que há um espaço de, no mínimo, R$ 20 bilhões para aumento de gastos livres no ano que vem, na comparação com 2022.

Alcançar os R$ 73 bilhões necessários em cortes para manter o Auxílio Brasil de R$ 600 e o reajuste de 10% para servidores em 2023 é possível, segundo Mesquita, com o fim do abono salarial (R$ 23 bilhões), o aumento do tempo de carência do seguro de desemprego de 12 para 18 meses (R$ 20 bilhões), a extinção das estatais dependentes (R$ 23 bilhões) e a limitação das emendas de relator pela metade (R$ 8 bilhões).

"Uma nova âncora fiscal deve ser novamente baseada no controle de gastos, mas é possível aproveitar elementos das regras de resultado (receitas menos despesas) e de dívida. Em particular, parece interessante uma regra híbrida, na qual o ritmo de crescimento de gasto permitido ao ano pode ser condicionado", afirma o ex-diretor do BC.

Fernando Honorato

‘A solução para crescer não é gastar mais de forma descoordenada’

Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, afirma que a discussão sobre a regra fiscal e o Orçamento é a pauta mais importante do início do próximo governo. É a partir desse conjunto de regras fiscais que será possível entender a dinâmica da dívida, o tamanho e a capacidade dos programas sociais, e como estarão a inflação e os juros, diz ele:

"No fim, a discussão é onde vai parar o juro e a inflação. Quanto antes essa discussão for resolvida, é o ideal. Esse debate vai nos tomar o primeiro semestre do ano que vem."

Para Honorato, é preciso olhar a combinação de receitas e despesas num horizonte de médio prazo para a convergência da dívida pública a patamares mais baixos do que está hoje. Ele ressalta ainda a necessidade de órgãos de controle estarem sempre vigilantes no acompanhamento das regras fiscais.

"A política econômica como um todo pode ajudar muito o próximo presidente a fazer essa convergência da dívida. Ter isso de maneira organizada, faz a economia crescer, reduz o juro, gera emprego. O crescimento ajuda a resolver o problema da dívida. Agora, não dá para achar que sem boas regras fiscais o Brasil vai crescer. Mas é preciso ir além disso. A solução para crescer certamente não é gastar mais de forma descoordenada."

Jeferson Bittencourt

‘Existe uma dificuldade política de se desfazer das despesas ruins’

Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investiments e ex-secretário do Tesouro, defende incorporar ao processo orçamentário a avaliação das políticas públicas — ou seja, cortar o que não é eficiente. Ele afirma que o teto está sendo importante para limitar o gasto num momento de alta de arrecadação. E o gasto novo, no Brasil, costuma ser permanente, mesmo quando a receita despenca, comenta ele:

"A dívida pública como meta é fadada ao fracasso, inclusive porque pode restringir a política monetária. É preciso ter a dívida como referência, mas não pode ser só isso."

Ele afirma que a criação das emendas de relator, com a qual o Congresso já controla um quarto dos gastos livres do governo, fez os parlamentares perderem o “incentivo” para discutir a despesa como um todo. Porque o Congresso já tem um “pedaço” só dele. E essa discussão sobre o corte de gastos precisa ser retomada, diz:

"Existe uma dificuldade política de se desfazer das despesas ruins. Dado que parece inexorável a alteração das regras fiscais, a nova regra precisa seguir duas balizas: focar na redução da dívida e ter uma limitação para o crescimento das despesas. É preciso ter uma regra de gasto."

Caio Megale

‘Isso (gasto público) mexe do empresário ao dono do bar’

Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, alerta para o risco de superestimar receitas para fazer a dívida cair apenas nas previsões e não na prática, permitindo um aumento de gastos. Por isso, afirma ser preciso discutir a pertinência de cada um dos gastos. Em sua opinião, se não houver uma sinalização de como se vai equacionar o gasto, o juro continuará alto:

"A reforma da Previdência precisa ser aprofundada e é necessária uma reforma administrativa. Tem que abrir espaço no Orçamento para o teto ou qualquer regra com credibilidade ser exequível. É preciso completar o ajuste fiscal proposto pelo teto e repensar gastos. Essa é uma discussão muito difícil, muito dura, que conseguimos evoluir muito pouco. O teto teve um grande sucesso em dar uma freada no ritmo de alta das despesas, mas estamos à beira de retomar a trajetória anterior."

Manter a credibilidade nas contas é fundamental para uma casa, uma empresa ou um governo, afirma Megale:

"As pessoas olham para o governo e falam que em algum momento a inflação vai subir ou ele vai tascar um imposto. Isso (gasto público) mexe dos empresários ao dono do bar."

Alberto Ramos

‘O problema é gastar R$ 1,6 trilhão e não querer cortar nada’

Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, afirma que não só o teto de gastos, mas a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sofreu uma “erosão significativa” nos últimos anos. Segundo ele, dada a fragilidade das contas, é necessária uma regra que trave o crescimento dos gastos e obrigue o país a fazer uma poupança em momentos de alta da receita, como agora:

"Ninguém está dizendo que não existe mérito social no Auxílio Brasil de R$ 600. O problema é gastar R$ 1,6 trilhão e não querer cortar nada. É insustentável. Em qualquer ajuste, quem vai sofrer os custos são as famílias de baixa renda."

Ramos destaca que as âncoras fiscais brasileiras não são ruins e não há razão para mudar isso:

"A regra em si só tem valor quando tem algum nível de disponibilidade para entregar o que ela se propõe. Quando não se consegue observar a regra, o primeiro instinto é contornar. Essa é a triste realidade da execução fiscal brasileira, o que não quer dizer que a regra seja mal desenhada."

Em sua opinião, é necessário discutir o retorno social de cada real gasto:

"O Brasil está gastando muito como proporção do PIB. Além de gastar muito, investe pouco. A qualidade do gasto é péssima."


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