O temor de que um destaque derrubasse o “estado de emergência” da proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral fez o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiar nesta quinta-feira (7) a votação do projeto para a próxima terça-feira (12), de acordo com lideranças do Congresso.
A PEC, aprovada no Senado na semana passada, institui um estado de emergência no Brasil até dezembro para driblar a lei eleitoral, ampliar o Auxílio Brasil (para R$ 600), dobrar o vale-gás e criar o “Pix Caminhoneiro” de R$ 1 mil. O pacote de medidas populares a menos de três meses das eleições têm um custo total estimado em pouco mais de R$ 41 bilhões.
Apesar de votar a favor do projeto, a estratégia da oposição incluía um destaque, uma proposta para alterar parte do texto, para retirar o “estado de emergência” da PEC. Para derrubar esse destaque e manter a emergência, o governo precisava de 308 votos, o mesmo número necessário para aprovar a PEC.
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Como havia poucos deputados na Câmara, Lira decidiu adiar a votação, prevista inicialmente para a noite de ontem, poucas horas depois da aprovação na comissão especial, em meio à tramitação acelerada da proposta.
Na ponta do lápis
Até a semana que vem, os governistas pretendem, sob o comando de Lira, trabalhar para garantir a presença de um número suficiente de deputados no plenário para enfrentar a oposição na votação desse destaque, que foi proposto pelo PT juntamente com outros dois no mesmo sentido. O Novo também apresentou um destaque muito semelhante para a supressão do estado de emergência.
Os líderes dos partidos do Centrão, a base política do governo Bolsonaro no Congresso, estimam a presença de 450 dos 513 deputados como um cenário confortável para garantir a maioria qualificada de 308 votos para aprovar uma alteração na Constituição ou derrubar um destaque polêmico como o proposto pelo PT.
A sessão foi encerrada por volta de 19h45, quando havia um registro de 427 deputados na Casa. Isso não quer dizer, porém, que esses parlamentares estavam em Brasília e no plenário. Isso acontece porque o painel exibe os dados da última votação, ou seja, após esse momento parte dos parlamentares poderia já ter deixado o local.
Após a votação praticamente unânime no Senado, o senador José Serra (PSDB-SP) deu o único voto contrário, o governo sabe que pode contar com a oposição para aprovar a PEC com folga. Mas na votação do destaque para tirar o estado de emergência do texto, os partidos oposicionistas votam contra o governo, o que pode deixar escapar a proteção jurídica que Bolsonaro busca para conceder benefícios às vésperas das eleições, o que é vedado pela lei eleitoral em nome do equilíbrio da disputa.
Mais cedo, durante a sessão da comissão especial, deputados governistas interpelaram alguns oposicionistas durante seus discursos contra a PEC, especialmente os do PT, questionando como o partido votaria. Assim como ocorreu na tramitação da proposta que criou um teto para o ICMS de energia e combustível, a oposição criticou fortemente a iniciativa, mas não se opôs ao mérito.
Apesar da obstrução da oposição, houve apenas um voto contrário na aprovação da PEC na comissão, de um parlamentar do Novo.
'Não vou arriscar', diz Lira
A decisão de Lira de adiar a votação foi tomada após um requerimento de encerramento de discussão ser aprovado por 303 votos a 91, indicando baixa presença em plenário. Esse requerimento serviu como parâmetro para Lira e para o governo contabilizar os votos. Como não havia 308 votos, existia o risco de derrubar o estado de emergência.
Tradicionalmente, há poucos deputados em Brasília às quintas-feiras. Essa situação é ainda mais acentuada durante o período eleitoral. Logo após deixar a mesa da Presidência, Lira se queixou a aliados que os líderes estavam "sem prestígio" e não conseguiam reunir os deputados na sessão.
No plenário, afirmou que não arriscaria a votação de duas PECs — os deputados também analisariam o texto que cria um piso nacional de enfermagem.
"Não vou arriscar nem essa PEC, nem a outra, com esse quórum", declarou o presidente da Câmara, ao anunciar que encerraria a sessão e que as propostas seriam analisadas novamente na próxima terça-feira.
O relator, Danilo Forte (União-CE), disse apenas que deputados viajaram para suas bases e não seria possível atingir o quórum:
"Diante de uma segurança maior, acho que o presidente Arthur Lira agiu corretamente."
Planos de Bolsonaro frustrados
O adiamento da votação da PEC atrapalha os planos do governo de fazer os pagamentos dos benefícios rapidamente, dada a proximidade da eleição e a situação desfavorável do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto em relação ao líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O estado de emergência é um dos pontos mais polêmicos da PEC e é criticado por juristas. A legislação eleitoral proíbe a criação e ampliação de benefícios no ano do pleito, a não ser em caso de emergência ou calamidade. Para driblar essa regra, então, o Congresso institui a emergência na PEC.
A ideia da emergência é blindar Bolsonaro. Sem essa medida de exceção, ele poderia ser enquadrado na lei eleitoral por abuso de poder econômico e ficar inelegível por oito anos, na opinião de especialistas e até de técnicos do governo. Por isso, foi desenhado o estado de emergência.
Nos bastidores, o governo minimizou o adiamento e negou que isso atrapalhe os planos da campanha de Bolsonaro. Assessores do governo afirmam ainda que três dias úteis não vão ter nenhum impacto e dizem que o texto da PEC prevê o pagamento de agosto a dezembro, portanto, ainda há tempo para aprovar a proposta.
O governo queria que o projeto fosse aprovado nesta semana para antecipar os pagamentos dos benefícios. Apesar do adiamento da votação, o presidente Bolsonaro já tem usado o pacote de bondades da PEC em seus discursos para atrair o eleitorado.
O núcleo duro da campanha aposta todas as fichas no pacote para fazer Bolsonaro começar a recuperar a diferença nas pesquisas para o ex-presidente Lula ainda em julho. A medidas atingem diretamente a população de baixa renda, que Bolsonaro tem mais dificuldade.
Para deputados da oposição, o adiamento da votação mostra que o engajamento ao governo está baixo, e que mesmo com manobras para acelerar a tramitação do texto, faltou mobilização da base.
O líder da minoria, deputado Alencar Santana (PT-SP), diz que a oposição continuará fazendo seu trabalho de questionar o projeto, mas que faltou articulação do próprio governo:
"Eles transgrediram o regimento na comissão, atropelaram a sessão hoje cedo e mesmo assim não conseguiram garantir seus deputados. O governo não tem adesão para uma coisa que ele considera central. O governo tem obrigação de colocar seu quórum se quer aprovar. Ele tem a maioria com folga. É ele que não conseguiu hoje."
O governo tentou liquidar a PEC ontem, mas conseguiu apenas a aprovação na comissão especial. Nesse colegiado, a proposta foi aprovada 36 votos favoráveis e apenas um contrário ao texto, do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) — a comissão tem 38 membros titulares.
Para tentar garantir a votação e contar prazos regimentais, a Câmara chegou a fazer uma sessão de apenas um minuto. Como a oposição havia pedido vista, ou seja, mais tempo para analisar a proposta, o regimento prevê que esse tempo seja de duas sessões do plenário. Assim, mesmo com a sessão de um minuto, pouco depois das 6h, o prazo foi contado, e a comissão especial pôde analisar o tema ontem.
O governo garantia que conseguiria votar a PEC ontem. O líder na Câmara, Ricardo Barros (PP-AL) foi, na véspera, conclamar todos os deputados a votarem a favor do texto, inclusive a oposição. Os partidos contrários ao governo, por sua vez, conseguiram adiar a votação, mas seguem dizendo que votarão a favor do texto.
"Nós não iremos dizer não ao aumento de um auxílio que nós já queríamos que fosse maior, mas nós temos que denunciar que é eleitoreira a decisão, que é uma decisão eleitoreira e extemporânea", disse Alice Portugal (PCdoB-BA).