O decreto de estado de emergência que o governo quer criar com uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para ampliar o valor do Auxílio Brasil a R$ 600
, turbinar o vale-gás e criar o “Pix Caminhoneiro” de R$ 1 mil
a menos de quatro meses das eleições pode criar um impasse jurídico.
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Esta é a avaliação de especialistas e ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvidos reservadamente pelo GLOBO. Isso porque seria uma tentativa de driblar a lei eleitoral, que veda aumento de benefícios sociais em ano de eleição.
Vitor Rhein Schirato, professor do Departamento de Direito do Estado da USP, afirma que PEC “não pode tudo”:
"Temos que entender que as cláusulas eleitorais são cláusulas pétreas, pois estão diretamente relacionadas à democracia. Existem as regras de igualdade de justiça do pleito, que tem que ser isonômico. Isso implica nas vedações da lei eleitoral, como criar e ampliar benefícios, diretamente relacionada à cláusula democrática da Constituição", diz. "Não posso criar uma PEC que autoriza um estado de emergência inexistente para quebrar a isonomia das eleições."
A Lei das Eleições proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública em ano eleitoral, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Ou seja, segundo os especialistas, governos podem manter os programas sociais existentes, nos mesmos parâmetros legais e orçamentários, sem correção ou reajuste.
O governo já usou um estado de calamidade na pandemia e discute agora adotar um estado de emergência, e não há nenhuma legislação que indique seus critérios. Basta que o Congresso reconheça essa situação. A justificativa do governo é o impacto internacional nos preços dos combustíveis.
Mas para ministros do TSE ouvidos reservadamente, o momento é muito diferente do auge da pandemia, e partidos e Ministério Público podem judicializar a medida. Um dos riscos é a caraterização de abuso de poder econômico.
Especialista em direito eleitoral, o advogado Francisco Emerenciano diz que a iniciativa fere princípios como moralidade e impessoalidade, ainda que por meio da PEC:
"O problema do combustível não vem apenas nesse ano, o que faltou foi planejamento. A manobra para decretar uma situação excepcional pode, sim, ser considerada uma tentativa para burlar a lei eleitoral."
O advogado Rodrigo Martiniano, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), explica que apesar da ressalva feita ao estado de emergência pela Lei das Eleições, não existe “cheque em branco” ao presidente:
"Sua ocorrência por intermédio de uma PEC de iniciativa do próprio Poder Legislativo é uma completa excrescência e pode deixar claro o seu desvio de finalidade", diz, indicando o uso eleitoral da medida e uso da máquina pública, comprovando abuso de poder.
Isso pode chegar a cassar o registro de candidatura ou diploma, além de declarar inelegibilidade por oito anos.
"O aumento do auxílio emergencial em patamar considerável e a concessão de outros benefícios sociais à beira da eleição, a despeito de sua importância, só podem ser feitos dentro de um cenário de manifesta anormalidade conjuntural, de modo a não se comprometer a lisura do pleito", aponta Martiniano.
Para os advogados, é preciso que o bem ou valor distribuído durante o estado excepcional guarde relação com a necessidade imposta pela calamidade, o que não fica totalmente claro no caso.
"No limite, o ato pode gerar cassação de mandato, inelegibilidade por oito anos e multa", diz Renato Ribeiro de Almeida, advogado especialista em Direito Eleitoral.
No TSE, há diversos casos em que prefeitos são multados e até cassados pela distribuição de cestas básicas em período eleitoral sem previsão em lei específica. Em 2013, por exemplo, o prefeito de Petrolina (PE) foi cassado por distribuir terrenos públicos durante sua candidatura à reeleição.