A guinada digital trazida pela pandemia vai transformar a operação de empresas de planos de saúde nos próximos anos, diz Luiz Paulo Tostes Coimbra, diretor-presidente da Central Nacional Unimed (CNU), a operadora nacional dos planos de saúde da Unimed.
A CNU se uniu a um hub de start-ups paulistano, em busca de soluções inovadoras. Ele frisa que boa gestão é chave. Está negociando participações em empresas da rede de prestadores, o que permite verticalizar operações, ganhar escala e reduzir custos. E avalia parceria com fundos que poderiam abrir caminho para a CNU chegar à Amil.
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O que mudou no setor de saúde com a pandemia?
A pandemia acelerou fusões e aquisições, mas sobretudo mudanças nas operações dos planos de saúde. Se o digital já vinha crescendo de forma significativa, explodiu e foi muito importante. A operação dos planos de saúde nos próximos anos vai mudar substancialmente, porque há uma tendência mundial de desintermediação.
Entre o cliente e o prestador de serviço existe uma intermediação feita pela operadora, pela administradora, pela corretora. A tecnologia vai facilitar essa interação e diminuir um pouco a intermediação. A CNU tem como seu principal negócio a operação de planos de saúde para grandes empresas e entidades, e está atenta a essas modificações.
Se a intermediação não for boa pode ser deixada de lado?
Temos de tornar esse fluxo bem simples e diminuir o fluxo desse custo, porque o cliente teve uma perda de renda muito grande. E a capacidade das pessoas de pagar está sendo corroída. Precisamos dar mais acesso à saúde de qualidade e estarmos mais próximos das pessoas. E o caminho é a tecnologia. Tem muita start-up interessada no caminhar da assistência à saúde. Temos uma célula de inovação, chamada Tronko, que tem trabalhado com essa perspectiva.
A CNU compra start-ups?
Estamos no caminho. No fim de abril, iniciamos parceria com uma unidade de start-ups em São Paulo, a State Innovation Center. E conversamos com um fundo de incentivo a start-ups. É um fundo de capital que permitiria financiar start-ups mais maduras.
Atenção primária em saúde é chave para reduzir custos?
Venderam essa questão como solução mágica num país que não tem formação de médicos voltados para a atenção primária. Formamos mais especialistas. É preciso haver atenção primária, médico generalista, medicina mais integral, mas com a atenção secundária conectada nessa evolução. A atenção primária, se feita de forma integral, vai resolver 80% das coisas.
Mas não há profissional para isso. Outro ponto é o modelo de pagamento fee for service (que remunera pelo serviço prestado). Há 20 anos, discutimos que está errado, mas não encontramos caminhos. Há alguns sendo traçados, mas não conseguimos mudá-lo em sua característica de pagar pela doença, e não pela saúde.
Precisamos encontrar um meio de, quanto mais saúde as pessoas tiverem, melhor a remuneração dos profissionais.
E como fazer, então?
Não vamos reduzir custo só por reduzir. Vamos reduzir desperdício. Existem protocolos mundiais, medicina baseada em evidências. Não adianta chegar no médico e ele pedir 50 exames, o que é muito comum. As remunerações estão atreladas a isso.
Então, temos de acabar com os desperdícios, ter protocolos. Não dá para fazer tomografia e ressonância de todo mundo que chega no pronto-socorro. O que importa no final é se o cliente foi bem atendido, teve o diagnóstico correto, se recuperou. Na CNU, a Seguros Unimed tinha uma expertise, e a Central Nacional tinha outra.
Juntamos os dois times e criamos uma empresa chamada Integra Unimed, que atua desde janeiro reunindo as melhores práticas de cada uma, na relação com a rede, para fazer auditorias, programas que pudessem interagir com a rede de forma a reduzir desperdícios. Existe um planejamento de redução significativa de custo em torno de R$ 600 milhões para o ano de 2022. É uma discussão sempre difícil, que precisa trazer ganho, porque hoje não existe dinheiro para pagar todo esse desperdício. Precisamos ter consciência disso para que o mercado tenha equilíbrio.
Vale o mesmo nos planos individuais?
Temos o corporativo empresarial e temos algumas entidades no empresarial por adesão. E uma pequena parte da nossa carteira de pessoa física. São carteiras que nós fomos obrigados a assumir, sobretudo em São Paulo, com a perda da Unimed Paulistana e da Unimed São Paulo.
Não vendemos planos para pessoa física. É uma carteira pequena, antiga, com 13.500 clientes, e que traz um prejuízo anual brutal. No último ano foi de R$ 100 milhões.
O problema é o reajuste?
O reajuste não cobre. Quando assumimos essas carteiras, lá atrás, houve pressão para que praticássemos preço abaixo daquilo que havíamos calculado. A partilha já começou baixa, e os reajustes não são suficientes para cobrir um custo de pessoas que têm utilização maior.
Estamos fazendo um programa para dar mais atenção a essas pessoas. Não adianta diminuir custos, tem de melhorar a assistência para que fiquem menos doentes. Mesmo nos planos empresariais, só o reajuste não resolve o problema. É preciso gestão.
Assumi a CNU em 30 de março do ano passado. Fechamos os primeiros quatro meses do ano com resultado negativo de R$ 78 milhões. Foi preciso trabalho intenso para alcançar redução de custos de R$ 515 milhões (os custos somaram R$ 7 bilhões) e fechar o ano com resultado positivo de mais de R$ 50 milhões.
Planos individuais terão reajuste recorde de 15,5%...
O reajuste da ANS regula planos individuais. A CNU comercializa contratos corporativos, cujos reajustes são estabelecidos a partir da relação comercial entre a empresa contratante e a operadora. O reajuste dos individuais segue a fórmula da ANS, um dispositivo legal, e compõe parte das perdas.
O índice reflete, pelo segundo ano, impactos da pandemia, por isso deve ser analisado em conjunto com a redução de 8,19% nas mensalidades em 2021. Na prática, os planos individuais terão correção de 6% ao ano em dois anos. É preciso considerar o peso da inflação e da sinistralidade (taxa de uso) dos planos, que, segundo a FenaSaúde, saltou de 76,2%, em 2020, para 86,2%.
O senhor planeja aquisições?
Estamos crescendo muito organicamente. No ano passado, crescemos 14,2% em carteira. Mas não temos muito como crescer com aquisições como as que vêm sendo feitas. Muitas vezes, empresas listadas em Bolsa pagam um valor muito acima da avaliação de mercado por outra empresa. Começamos a conversar com uma operadora verticalizada no interior do país, e nossa avaliação era de que ela valia R$ 50 milhões. Uma empresa listada ofereceu R$ 150 milhões, porque isso está dentro do múltiplo dela na Bolsa, o que ela vai valorizar paga isso. Então, saímos fora dessa disputa. Não acredito que possam rentabilizar o suficiente para cobrir essa diferença de preço.
Avaliariam comprar a Amil?
Depende. Temos discutido oportunidades com fundos e bancos, nos dispusemos a conversar. O que é importante para sustentar a Central Nacional? Nossa capacidade de gestão. Já fomos procurados por fundos para que possam fazer o investimento e nós, a gestão. É uma possibilidade.