A decisão do governo de interferir na Petrobras deve elevar o risco de faltar diesel no país durante a colheita da safra. Antes de ser demitido, José Mauro Coelho apresentou ao Ministério de Minas e Energia um documento em que alertava para a possibilidade de falta de combustível no auge da safra de soja, se não houvesse sinalização clara de que os preços cobrados pela empresa seguirão os do mercado internacional.
“Sem sinalização de que os preços de mercado serão mantidos adiante, há um risco concreto de escassez de diesel no auge da demanda, durante a temporada de colheita, afetando o PIB do Brasil”, diz o documento, intitulado “Combustíveis: desafios e soluções”.
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Mas depois de Bolsonaro nomear um novo presidente da estatal, o quarto em seu governo, com o objetivo de segurar preços e frear a inflação antes da eleição em outubro, cresceu no mercado a percepção de que o agronegócio e o varejo podem ser afetados no segundo semestre em razão da escassez de diesel.
É na segunda metade do ano o período principal de colheita da soja e também quando o varejo fecha as encomendas para o fim do ano.
Em maio, a Petrobras reajustou o diesel em 8,87% na refinaria. Nos últimos dias, não houve defasagem em relação ao mercado internacional. Mas a conta, do ponto de vista do importador, não é tão simples.
Importação em 60 dias
O prazo para importação do combustível subiu para 60 dias. Desde o início do ano, o setor tem enfrentado períodos de defasagem significativa nos valores cobrados. Sem ter a certeza de que a política de preços será mantida, poucas empresas têm fôlego financeiro para acertar a compra.
Ou seja, poucos se arriscam a fechar contratos sem saber se o principal agente do mercado, a Petrobras, estará seguindo regras do mercado ou se estará praticando preços menores, o que inviabiliza a operação.
A questão deixa de ser um problema setorial, pois a estatal sozinha não tem capacidade de atender todo a demanda por diesel no país. O risco, alertam os especialistas, é de, no fim das contas, a própria Petrobras ter de aumentar as importações para garantir o fornecimento do produto. Ou seja, não assegurar preços de mercado deixaria uma fatura que a própria estatal poderia ter de pagar adiante.
Hoje, o setor já sofre com faltas pontuais de diesel tanto em grandes centros como no interior. Segundo relatos de empresas e associações, há falta em postos, mas sobretudo nos de bandeira branca e apenas em parte da semana. A expectativa é que o período mais crítico ocorra de junho a agosto.
Empresas independentes
Segundo Sérgio Araújo, presidente executivo da Abicom, a associação dos importadores de combustíveis, as empresas independentes praticamente pararam de comprar combustível do exterior. Araújo afirma que as importações de diesel e gasolina estão concentradas apenas em Petrobras, Vibra (ex-BR), Raízen e Ipiranga. Há dois anos, o país tinha, ao todo, de 25 a 30 importadores independentes ativos. Hoje, as importações respondem por 25% do consumo do combustível no país.
"Não há importação de empresas independentes hoje. Não há previsibilidade no preço, e ninguém vai correr o risco de importar e ter o produto encalhado. E olha que o Brasil tem 300 empresas autorizadas a importar combustíveis", afirmou Araújo.
Para o executivo, o setor precisa discutir a real capacidade de oferta, com a previsão das refinarias, e a demanda esperada para os próximos meses. Segundo ele, o planejamento é essencial em razão da guerra da Ucrânia, que tornou o cenário mais difícil:
"Antes da guerra, a importação levava 45 dias. Hoje, dura ao menos 60 dias. Antes, o diesel importado consumido no Brasil vinha praticamente do Golfo do México, nos EUA, e hoje estamos importando mais da Índia, que é mais longe."
Outro executivo do setor, que comentou o assunto em caráter reservado, explica que a demanda por diesel sempre aumenta no segundo semestre no Brasil na comparação com os primeiros seis meses do ano. Em geral, esse crescimento fica entre 5% e 10% por causa do transporte de itens agrícolas na safra e dos produtos para o Natal.
Substituto do gás
Mas não é um efeito apenas local. A partir de junho, os países do Hemisfério Norte começam a aumentar seus estoques de diesel para o período de inverno, no fim do ano. Com as restrições ao gás natural, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o uso do óleo diesel subiu ainda mais, pois passou a ser usado como substituto.
No texto apresentado pela Petrobras ao governo neste mês, a empresa afirma que “os estoques de diesel estão bem abaixo da média histórica” e que “a Petrobras sozinha não pode resolver a alta global nos preços de energia”.
Refinarias americanas
Muitas refinarias americanas, que são importantes fornecedoras para o Brasil, começaram a redirecionar seus embarques de diesel para a Europa, segundo dois executivos a par do assunto afirmaram à Reuters, o que ampliou o risco de uma escassez no mercado brasileiro. Os estoques de diesel no Brasil são suficientes para atender a, no máximo, um mês da demanda doméstica, segundo a agência.
"É preciso transparência nos preços. A prática de preços internacionais precisa ser feita, mas a população não consegue arcar com os custos. Por isso, o governo tem de pensar em política pública com o uso de dividendos e royalties", defende Araújo.
Procurada, a Petrobras não comentou. Apesar do relatos de empresas e associações, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) disse que monitora o abastecimento nacional e que até a “presente data, o abastecimento com diesel aos consumidores se mantém regular”.
Em nota, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) disse que “acompanha atentamente a conjuntura internacional” e que não vislumbra cenário de desabastecimento no país. Lembrou que o mundo vive um “desbalanço entre oferta e demanda por energia” e que no Brasil, “a volatilidade e o aumento dos preços internacionais ainda são amplificados pela taxa de câmbio e pela necessidade de importação para garantia do abastecimento nacional”. (*Com Reuters)