Em um movimento para pressionar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e as distribuidoras, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu acelerar esta semana a tramitação de um projeto que busca barrar o reajuste nas contas de energia em todo o país.
Se por um lado isso pode adiar ou suspender os aumentos nos preços no ano eleitoral, há uma avaliação de agentes do mercado financeiro que a estratégia pode gerar pressão nas contas de luz a partir de 2023 e afastar investidores, devido às mudanças das "regras do jogo" já postas.
A proposta que ganhou prioridade na agenda da Câmara trata especificamente do caso do Ceará, que teve aumento de quase 25% no mês passado, mas o próprio Lira reconhece que há um movimento para ampliar a medida para outros Estados, cujos valores dos reajustes variam.
O acordo para aprovar o requerimento de urgência da matéria foi feito durante reunião de líderes na casa do presidente da Câmara, na última terça-feira, e teve ampla adesão. O único partido contrário foi o Novo.
Uma série de companhias estão subindo as tarifas em percentuais na casa de 20% este ano, ou seja, vem acima da inflação.
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"Já foi conversado com vários Líderes que no substitutivo de plenário colocaríamos os demais Estados que estão sendo afetados por esses reajustes abusivos", disse o autor da proposta, Domingos Neto (PSD-CE): "Tenho convicção de que a Câmara vai ser o local em que não se deixará que o reajuste da energia em todo o País seja o grande vilão da inflação em 2022."
"O projeto serve não só para sustar esses reajustes, mas também os que virão. O projeto tem alcance social enorme. No meu querido Amapá, 47% das pessoas estão inadimplentes, e, desses, 65% devem conta de energia e de água. Portanto, segurar esses reajustes injustificados e injustificáveis é um dever desta Casa de Leis", elogiou o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP).
Já Paulo Ganime (Novo-RJ) afirmou que a proposta autoriza o descumprimento de contratos e leis:
"Estamos sendo populistas quando dizemos para a população que somos contra o aumento da energia, quando esta Casa aprova, regular e sistematicamente, medidas populistas que aumentam a conta de luz da população."
O requerimento de urgência da proposta que busca anular o reajuste teve apoio expressivo na Casa: foi aprovado por 410 votos a 11. Ainda não há consenso, no entanto, sobre quando a deliberação do projeto de fato vai ocorrer. Lira só deve voltar a tratar do assunto quando retornar de viagem aos Estados Unidos, no dia 16 de maio.
De acordo com lideranças da Casa, mesmo com a urgência aprovada (o que permitiria a votação diretamente em plenário), a ideia, por ora, é manter o assunto em discussão nos colegiados. O texto tem previsão de ser apreciado na Comissão de Minas e Energia e Constituição e Justiça e de Cidadania.
O próprio Lira reconheceu, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que o seu intuito com a aprovação da urgência foi provocar o debate:
"Para fazer essa análise, só a gente trazendo o projeto para pauta para forçar as distribuidoras e a Aneel fazerem essa discussão", reforçou Lira, ao jornal.
Antes da deliberação, Lira já havia sinalizado que o objetivo não era tratar apenas do Ceará, e sim da "anulação dos atos (de reajuste) em geral". Para ele, a Aneel e as distribuidoras devem ser chamadas a prestar esclarecimentos sobre os critérios para os aumentos durante as discussões sobre o tema na Casa.
Em nota, o Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE) demonstrou preocupação com a matéria.
"Esse sinal de descumprimento das regras já consterna os principais agentes, financiadores e investidores da infraestrutura nacional, pois a adoção de medidas políticas para sustar instrumentos previstos em lei e em contratos aumenta vertiginosamente a insegurança jurídica", afirmou a FASE, em um dos trechos do texto.
A mera possibilidade de a Câmara aprovar o projeto pode afetar até mesmo o preço dos leilões de energia. Segundo o jornal “Valor Econômico”, essa avaliação foi feita por fontes da própria Aneel, que deve fazer um trabalho de “redução de danos” desde já.
De acordo com o diário, essa percepção de risco é dos investidores do setor elétrico. Existe a preocupação de as distribuidoras apresentarem prejuízos causados pela suspensão dos reajustes.
A tarifa de energia elétrica é reajustada considerando uma série de fatores. Entre os principais estão o dólar e os custos do aumento da geração de energia por meio de usinas térmicas — que é decorrente da falta de chuvas.
Além da compra de energia ter ficado mais cara, o consumidor também paga mais pelos encargos do setor elétrico. Só a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) irá representar uma alta de 5,5% nas contas de luz. Esse fundo banca as ações do setor elétrico, como a tarifa social de energia para famílias de baixa renda.