Após um primeiro trimestre de forte entrada, o fluxo de recursos estrangeiros na Bolsa inverteu a mão em abril. No segmento secundário, aquele com ações já listadas, o saldo líquido ficou negativo em R$ 7,677 bilhões, segundo dados divulgados pela B3.
A saída desse dinheiro foi um dos fatores que levaram o Ibovespa, principal índice da B3, a uma queda de 10,10% no mês, o pior desempenho mensal desde março de 2020, com o início da pandemia.
Com o resultado de abril, o superávit anual da conta caiu para R$ 57,650,4 bilhões.
Entre no canal do Brasil Econômico no Telegram e fique por dentro de todas as notícias do dia
A leitura que predomina, no momento, é que ainda é cedo para afirmar que a diminuição do fluxo significa uma reversão completa da tendência observada no primeiro trimestre, mas representa uma acomodação.
No entanto, o movimento de retirada gera preocupações. Isso porque, o dinheiro estrangeiro tem forte importância para o nosso mercado, e ganha ainda mais relevância em um ambiente de retirada dos investidores locais, que já ocorre desde o segundo semestre do ano passado.
Para se ter uma ideia, o saldo anual do investidor individual está negativo em R$ 6,58 bilhões e o do institucional, em R$ 63,51 bilhões.
Foram os recursos estrangeiros que permitiram com que o Ibovespa tivesse um desempenho melhor do que os índices acionários de economias desenvolvidas no começo do ano.
Até o fechamento desta terça-feira (3), por exemplo, o índice tinha alta acumulada de apenas 1,63%.
"Faz parte você ter esse comportamento distinto. O fluxo não é uma linha reta, seja para Brasil ou para qualquer lugar. Mas deixou óbvio que esse movimento de alta do Ibovespa era baseado no estrangeiro e não no local. Se não tivéssemos esse fluxo, que é bem especulativo, o Ibovespa estaria a níveis mais baixos", destaca o estrategista da RB Investimentos, Gustavo Cruz.
Segundo os analistas ouvidos pelo GLOBO, o fluxo ainda deve se manter em um patamar relevante, mesmo que em processo de desaceleração. Essa visão é baseada no fato de que os fatores que trouxeram os recursos ao Brasil continuam em vigor.
Entre esses componentes, destacam-se o patamar elevado das commodities, a rotação de carteiras globais em busca de papéis de “valor”, como são chamados os ativos de empresas ligadas aos ciclos globais e com fundamentos sólidos, que têm forte peso na bolsa brasileira, e a posição relativa favorável do Brasil ante outros emergentes, como a Rússia.
O espaço deixado pelo país do leste europeu em índices emergentes, por exemplo, ajuda a intensificar o fluxo financeiro para o Brasil.
Além disso, os ativos brasileiros continuam “baratos” na comparação com os pares globais, principalmente aqueles mais ligados à economia doméstica.
Para os próximos meses, é aguardada maior volatilidade devido à proximidade do cenário eleitoral e a menor liquidez externa.
Por que desacelerou?
O gestor de ações da ARX Investimentos, Alexandre Sant'Anna, destaca que a retirada dos recursos em abril ocorreu em meio a um cenário externo mais adverso, com preocupações sobre os anúncios de lockdowns na China e a respeito da aceleração do processo de alta de juros nos Estados Unidos.
"Por questões de lockdown na China, você teve uma realização das principais commodities, o que gerou um receio de desaceleração. Essa saída em abril também reflete a perspectiva de elevação dos juros americanos, uma inflação mundial elevada e perspectivas de crescimento reduzidas."
O Federal Reserve, banco central americano, já elevou as taxas no país em 0,25 ponto percentual em março, a primeira elevação desde 2018. E deve realizar, nesta quarta-feira, uma alta de 0,50 ponto percentual.
A aposta em ativos de bancos e de empresas ligadas a commodities, grandes atratores dos recursos estrangeiros no primeiro trimestre, mostrou sinais de desaceleração em abril.
O movimento ocorreu tanto pela indicação do Fed de acelerar o processo de aperto monetário, o que pode levar a uma desaceleração da economia global, tanto pelas restrições chinesas.
O gestor de fundos da Arena Investimentos, Maurício Pedrosa, explica que existiam motivos para uma realização em abril, já que a rentabilidade dos investimentos feitos no início do ano estava positiva.
"Agora, ele (investidor estrangeiro) tem um incentivo diferente. É possível que tenhamos um ambiente lá fora de juros mais generosos e robustos, o que torna a atratividade do dólar maior. Isso explica bastante esse comportamento no mês de abril e a queda do nosso índice."
Para o gestor da ARX , fatores internos, como o embate entre Poderes e a proximidade do período eleitoral ainda têm influência marginal nesse processo.
"Está um embate muito grande entre o atual presidente e o candidato do PT, que provavelmente será o Lula. E são candidatos muito conhecidos pelo investidor estrangeiro. Você não vê esse investidor com receio, dado que não é algo novo."
Reversão veio para ficar?
Os analistas ponderam que é natural uma redução do fluxo após um forte movimento de entrada. Para eles, o movimento do estrangeiro tende a ser mais tático a partir deste momento.
"O investidor estrangeiro vai se mostrar um pouco mais receoso e defensivo. Pode ter uma continuidade desse movimento (de saída) já que a inflação global está se mostrando mais persistente do que se imaginava e o Banco Central americano demonstra que vai precisar acelerar o ritmo de aperto, o que gera uma corrida para ativos mais defensivos", disse Sant'Anna.
Leia Também
Para o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, a tendência é que esses investidores adotem uma maior cautela na escolha dos ativos e reavaliem o tipo de riscos que estão dispostos a assumir.
"Acredito que se se consolidar esse cenário de política monetária mais apertada nos países desenvolvidos, condições financeiras mais restritivas ao longo do mundo por causa do conflito na Ucrânia e a China desacelerando, a tendência é de ocorrer uma reversão, ainda que parcial, desse fluxo."
Mesmo com a desaceleração dos papéis de commodities no mês passado, os analistas continuam otimistas com os ativos para o restante do ano.
Até porque a migração para outros setores da bolsa ainda não tem despertado a confiança dos agentes de mercado devido a condições desfavoráveis do ambiente macroeconômico.
"Acreditamos que uma mudança estrutural de preços na maioria das commodities. Embora a demanda sofra esse ano e, provavelmente, no ano que vem, a oferta ficou bem restrita", destaca o gestor ARX Investimentos.
O economista e sócio da Monte Bravo Investimentos, Luciano Costa, destaca que a perspectiva de redução do crescimento chinês no curto prazo limitou o ganho esperado das ações do setor.
Mas esse processo pode ser revertido à medida que a economia do país asiático reabra aliado ao anúncio de novos estímulos.
"Estamos na primeira perna dessa história, que é de fechamento da economia e perda de demanda. Com a economia chinesa reabrindo e a percepção de que vai ter estímulos, essas empresas mais ligadas ao ciclo global vão ser beneficiadas e o Ibovespa também."
O que vai ditar o ritmo adiante?
Para os analistas, a intensidade do aperto monetário nos EUA e seu impacto para a reprecificação dos títulos públicos no país, os chamados Treasuries, deve ser o grande motor para guiar a direção e a intensidade do dinheiro estrangeiro no restante do ano.
Nessa semana, o rendimento do título de 10 anos, observado de perto pelos agentes de mercado, chegou próximo ao patamar de 3%, algo que não ocorria desde 2018. A maior procura pelos ativos de renda fixa americanos, que são mais seguros, indicam busca por proteção por parte dos investidores.
"O mercado está muito sensível aos juros americanos. O risco é de ter uma reprecificação das curvas americanas, que leve a Treasuires a patamares muito acima de 3%", disse Costa.
Sobre a reunião do Fed nesta quarta-feira, o economista da Monte Bravo ressalta que o mercado ficará atento a sinalizações sobre o ritmo de alta dos juros, uma vez que o cronograma de redução do balanço do banco já está mais claro após a divulgação da ata do último encontro.
Para Costa, ainda é cedo dizer até que patamar o Fed levará os juros e se as taxas poderão ultrapassar o nível neutro, que hoje está na casa dos 2,5%, em termos nominais.
"Eles vão ser cuidadosos em retirar os estímulos para não serem eles os causadores de um problema maior. Não achamos que ele passe muito do neutro. O ciclo passando de 4% ou 5%, é pouco provável."
Vale destacar que um aperto monetário realizado em um cenário econômico de bastante incerteza global, como o atual, deixa mais turva a linha que separa a taxa neutra daquela que já promove restrições à economia.
Nesse contexto, a autoridade monetária deve pesar, na visão dos analistas, os impactos de uma alta agressiva dos juros para a economia. Até porque já há bancos e analistas que alertam para uma recessão na economia americana nos próximos anos.
"Ele (o Fed) sabe que tem que ir para o neutro, pois se não for, ele não gera a contração que precisa para desacelerar a economia. Não significa que não possa ter uma recessão, mas uma recessão por causa de política monetária não costuma ser tão profunda."
Para Pedrosa, da Arena, os BCs estão em uma encruzilhada devido ao cenário global de inflação alta, mas crescimento desacelerando.
"Se eles apertarem a política monetária, podem contratar uma recessão. E se afrouxarem, podem alongar o ciclo de inflação, o que também traz problemas para a economia."
Perspectiva volátil
Diante desse cenário externo mais desafiador e um segundo semestre que promete instabilidade devido ao processo eleitoral, a perspectiva ainda é de mais volatilidade para o mercado doméstico.
"A Treasuries de dez anos está indo para patamares altos e ela tem o poder de refazer essas alocações globais de portfólio. O dólar fortalecendo lá fora e esse componente de dúvida sobre o crescimento global da China deixa as moedas emergentes mais suscetíveis a sofrer", disse Costa.
Na mesma linha, Sant'Anna ressalta que nem mesmo o fato do Brasil estar à frente em seu processo de aperto monetário é suficiente para blindar os ativos domésticos, por meio do diferencial de juros.
"O BC tem indicado que está no final do processo, mas o efeito financeiro dos Estados Unidos é muito grande."
Para o gestor da Arena Investimentos, os problemas internos, que ficaram à margem do mercado nos primeiros meses do ano podem fazer preço daqui para frente. Ele ressalta o cenário fiscal ainda negativo e de inflação alta.
"O que vamos ver para frente é uma tentativa para colocar mais luz na política econômica de cada candidato. Nós temos uma agenda robusta de reformas que precisará ser implementada e ainda está muito vago. Pelos próximos meses, vai subir ao palco a conduta da política econômica pelos possíveis presidentes da República. Está contratado volatilidade para frente pela discussão de temas e da dinâmica da nossa situação fiscal, que inspira cuidados."