A suspensão do leilão da parceria público-privada do trecho Norte do Rodoanel Mário Covas a um dia do certame, previsto para esta quarta-feira (27), evidencia uma nova situação no mercado de concessões.
Em meio a altas nos preços de insumos de construção, juros altos e riscos eleitorais, os poucos grandes operadores que atuam no Brasil têm colocado o pé no freio.
O projeto do Rodoanel paulista previa a construção e a operação de 44 km de pistas e já era tido pelo mercado como desafiador, em boa medida devido aos riscos de engenharia envolvidos. As obras, iniciadas em 2013, estão paradas há anos.
O adiamento foi visto pelo mercado como a única saída do governo para evitar um quase certo vexame de um leilão "deserto" (sem interessados). Grandes operadores como CCR, Ecorodovias e a gestora de fundo Pátria, potenciais interessados no ativo, já haviam decidido não fazer propostas.
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A obra era uma das vitrines do mandato iniciado pelo presidenciável tucano João Doria e concluído agora por Rodrigo Garcia (PSDB). Na prática, porém, a decisão enterra a possibilidade de o projeto ser licitado ainda neste mandato.
Mesmo que do ponto de vista técnico seja possível licitar o projeto novamente neste ano, segundo advogados ouvidos pelo GLOBO há um componente de risco político considerável, uma vez que a assinatura do contrato poderia ficar para o próximo governo. Garcia, atual governador e candidato à reeleição, é o quarto colocado nas pesquisas de intenção de voto.
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A suspensão do certame foi feita pela Artesp (agência reguladora estadual), que argumentou em nota que o adiamento ocorreu "devido às incertezas geradas pela grave crise econômica nacional". Ainda de acordo com a Artesp, a inflação da construção civil e a alta taxa básica de juros (a Selic) também são entraves para o projeto.
O Rodoanel não é o primeiro projeto considerado complexo que teve o certame adiado. No âmbito federal, o Ministério da Infraestrutura suspendeu em fevereiro o leilão concessão da chamada Rodovia da Morte, lote de 670 km que compreendia trecho da BR-381 de Belo Horizonte a Governador Valadares e da BR-262 de João Molevade (MG) até Viana (ES).
Para a Associação das Concessionárias de Rodovias (ABCR), esses dois e os demais projetos rodoviários, cuja modelagem é antiga e não leva em conta o atual panorama de preços de insumos, precisam ser repensados porque, como estão, não devem atrair interessados.
"Os projetos prorrogados foram estruturados em outros contextos econômicos, as modelagens precisam ser adaptadas ao atual cenário de aumento de preços dos insumos essenciais para a manutenção das rodovias. É preciso revisitar os estudos", diz José Carlos Cassaniga, diretor-executivo da associação. O lote federal de rodovias do Paraná, uma das prioridades do governo federal, também precisa levar em conta o atual cenário, diz o executivo.
O advogado Rodrigo Campos, sócio do escritório Porto Lauand e ex-diretor da Artesp, afirma que o Rodoanel é desafiador no atual momento econômico. "Os principais grupos que atuam no Brasil estão mais cautelosos na seleção de projetos. Insumos de construção e derivados do petróleo usados em asfaltamento estão com preços em alta e temos um excesso de projetos em comparação com o número de operadores que teriam capacidade econômica para levar a cabo grandes obras", diz.
O trecho norte do Rodoanel é o único que falta para completar o anel viário que circunda São Paulo e foi idealizado por gestões tucanas nos anos 1990. O projeto atual prevê a construção de 44 de pistas entre os municípios de Arujá, Guarulhos e São Paulo. O investimento previsto era de R$ 3 bilhões, envolvendo finalização das obras e operação. A concessão teria 30 anos de duração.
O trecho norte do Rodoanel começou a ser construído em 2013 e tinha entrega prevista para 2014, ainda no governo do então tucano Geraldo Alckmin. As obras, no entanto, foram paralisadas e o governo enfrentou denúncias de corrupção que envolviam a Dersa e empreiteiras a cargo do projeto.
Em 2018, o governo Alckmin resolveu conceder o Rodoanel em licitação vencida pela Ecorodovias. O contrato, contudo, previa que a gestão estadual precisava terminar o trecho, o que não foi cumprido. Já no governo Doria, o projeto foi remodelado e virou uma parceria público-privada.