Com sanções econômicas inéditas impostas à Rússia, aperto regulatório e ‘lockdown’ na China, investidores desviam recursos e mercado brasileiro fica atrativo
Ivonete Dainese
Com sanções econômicas inéditas impostas à Rússia, aperto regulatório e ‘lockdown’ na China, investidores desviam recursos e mercado brasileiro fica atrativo

Basta um navio entalar no Canal de Suez, importante corredor para os navios de contêineres, e a logística internacional dá um nó. Com a movimentação de dinheiro não funciona assim. Se algo obstrui o fluxo de capitais em uma parte do globo, ele logo encontra uma nova rota para seguir adiante, como um rio.

Foi o que aconteceu com a eclosão da guerra na Ucrânia. Com o alcance sem precedentes das sanções econômicas impostas pelo Ocidente à Rússia — um destino importante de investimentos entre países emergentes até invadir a nação vizinha — muitos bilhões fizeram um desvio.

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Boa parte desses recursos veio aportar no Brasil, que, a essa altura dos acontecimentos, despontava como a alternativa menos problemática. Os efeitos logo se fizeram sentir no preços do mercado financeiro brasileiro. Ações e o real se valorizaram com maior entrada de dólares, mas especialistas alertam que essa janela pode se fechar logo.

"As ações de empresas do Brasil, muitas delas ligadas a commodities agrícolas e energéticas, se mostraram atraentes", diz o professor de economia internacional do Insper Roberto Dumas Damas.

Crise dos chips

Juros em alta ajudaram a tornar títulos brasileiros mais vantajosos. Junto com as cotações recordes na Bolsa, mesmo com abalos pontuais na governança de empresas de primeira linha como a Petrobras, o real também se valorizou perante o dólar. Do pico neste ano, registrado ainda na primeira semana de janeiro, a cotação da moeda americana no Brasil cedeu mais de 17%.

Com experiência de três décadas no mercado financeiro global e atuação direta no asiático, Damas traça a rota que o capital cumpriu em busca de um novo porto enquanto a Rússia deixava de ser uma opção. Junto com ela, todo o Leste Europeu foi praticamente riscado do mapa dos gestores de fundos voltados a emergentes fugindo de riscos.

Nas Américas, Chile e Colômbia seriam opções atraentes se seus mercados comportassem as somas envolvidas nas movimentações desses fundos globais sem gerar desequilíbrio nos preços.

O México seria um concorrente de peso para o Brasil na disputa por esses bilhões, mas, com uma economia calcada na montagem de produtos industriais a partir de componentes vindos de outras partes do mundo, Damas crê que a crise de desabastecimento global de insumos fabris tão essenciais quanto chips tenha melindrado os donos do dinheiro. 

Risco Taiwan

Isso remete à China, onde lockdowns sucessivos desde o surgimento da Covid afetam não só países dependentes do seu fornecimento como também afugentam investidores interessados em multiplicar seus recursos na esteira da pujança da segunda maior economia do planeta.

Citando a escalada de interferência regulatória na dinâmica dos negócios e o elevado grau de incerteza quanto ao desenrolar das relações da China com o Ocidente, sobretudo se Pequim avançar sobre Taiwan como Moscou marchou sobre a Ucrânia, o banco suíço Julius Baer distribuiu um relatório especial sobre os riscos da economia chinesa a seus clientes nesta semana.

No texto, a instituição diz que investir na China ainda é possível, mas que seus ativos deixam de compor o núcleo essencial à diversificação de uma carteira global.

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Se esse cenário fez com que o Brasil figurasse como uma alternativa conveniente neste momento, o país não chega a ser “a bola da vez”, como se diz comumente no mercado, muito menos pode ser considerado um porto seguro para gestores internacionais de recursos.

Para manter aqui todo o dinheiro que ingressou neste início de ano, o país tem muito o que provar, na opinião do diretor de Produtos e Soluções para as Américas do banco Julios Baer, Esteban Polidura.

"A questão é se taxas de juros tão altas irão de fato conter a inflação e se não afetarão ainda mais o crescimento econômico", questiona ele, que concorda que a conjuntura geopolítica favoreceu momentaneamente o Brasil.

Damas teme que a maré comece a virar em meados de junho. É a época em que gestores fecham contas anuais e, para se assegurar do cumprimento de metas, tendem a vender papéis para realizar lucros.

"O cara já ganhou 20% em dólar e pensa: eu já fiz meu ano", diz o professor do Insper, referindo-se à valorização das aplicações no mercado brasileiro neste início de 2022.

Ele teme que ao menos boa parte desse capital que entrou recentemente no país bata em retirada em direção à segurança dos títulos do Tesouro americano, que sinalizam juros mais altos à frente para combater a inflação também acentuada nos EUA.

Saúde e alimentos

Permanecer no Brasil e pagar para viver as fortes emoções prometidas por um processo eleitoral polarizado não parece sedutor para o investidor estrangeiro. Se houver mesmo uma revoada, as cotações na Bolsa brasileira tendem a devolver ao menos boa parte dos ganhos, enquanto o dólar voltaria a subir, levando a inflação a reboque.

Mas há também quem acredite que esse refluxo não acontecerá, ao menos não na intensidade da entrada.

Para o vice-presidente de Negócios de Atacado do Banco do Brasil, João Carlos Pecego, o desvio no curso da liquidez global provocado pela guerra na Ucrânia se soma a uma mudança definitiva na escala de prioridades provocada pela Covid.

"A pandemia deixou claro que a civilização busca essencialmente duas coisas: saúde e alimentos. E o Brasil está muito bem posicionado na produção de alimentos", diz o executivo do BB, que vê um interesse crescente de investidores no país nos últimos meses. "Nos últimos 60 dias, mais que triplicaram as reuniões com grandes empresários do exterior."

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