A Uber foi condenada a pagar uma indenização de R$ 400 mil à família de um motorista assassinado enquanto prestava serviços usando a plataforma de corridas em Belo Horizonte (MG). A sentença dada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3) também reconhece o vínculo empregatício, porque a empresa influenciava a rotina de trabalho do condutor por meio de código-fonte e algoritmo.
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O motorista da Uber foi assassinado no dia 1º de março de 2019, quando foi acionado para uma viagem e cinco assaltantes o surpreenderam. Os criminosos levaram o refém e seu carro para debaixo de uma ponte, onde ele foi violentado com golpes no crânio e nas costas que o levaram à morte.
Dois anos após o assassinato, a viúva e a mãe do motorista entraram com uma ação trabalhista na qual pediam pelo pagamento de uma indenização de R$ 400 mil; a esposa solicitou uma pensão mensal equivalente a R$ 2 mil, valor que a vítima faturava por mês como condutor. As autoras da ação também exigiram que a Justiça reconhecesse o vínculo empregatício do autônomo com a plataforma.
A Uber contestou os pedidos da mulher e da viúva do condutor, alegando que houve a prescrição do prazo para acionar a empresa em caso de indenização e reconhecimento do vínculo na Justiça do Trabalho. A plataforma também solicitou a extinção total da ação e ainda negou o vínculo de emprego, argumentando que o motorista nunca prestou serviços diretamente ao aplicativo de corrida; ele foi quem aderiu voluntariamente.
A Uber também defendeu que o motorista não estava em corrida pelo aplicativo no momento do crime, sendo que a última viagem havia sido finalizada cerca de uma hora antes do ocorrido. Por se tratar de um delito realizado por um terceiro, a plataforma disse à Justiça que não poderia se responsabilizar pela ação.
Juíza diz que Uber falhou ao proteger motorista
Ao analisar o caso, a juíza do Trabalho Laudenicy Moreira de Abreu deu razão às autoras do processo e negou o pedido da Uber. Ela condenou a empresa a pagar uma indenização de R$ 200 mil tanto para a mãe quanto para a esposa do condutor.
Para a magistrada da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, não ficou comprovada a versão dada pela Uber de que o motorista não estava atuando em uma corrida no momento em que foi assassinado. Conforme informações da sentença, o condutor foi chamado via aplicativo para uma corrida de 30 minutos, cancelada logo após os assaltantes entrarem no veículo. Os registros de viagens mostram que o autônomo estava trabalhando na noite do crime.
A empresa de transporte por aplicativo deve assumir os riscos do motorista porque, da mesma forma, coletava os lucros dele, na avaliação da magistrada. Isso implica que a Uber não atuava no caso como "mera intermediadora entre passageiros e motoristas".
A Uber ainda poderia ter evitado o ocorrido, mas resolveu se omitir nos métodos de segurança usados na plataforma, diz a sentença.
Uber é obrigada a pagar multa de rescisão de contrato
Por fim, ao reconhecer o vínculo empregatício da Uber com o motorista, a juíza determinou o pagamento de FGTS não recolhido, férias e uma multa rescisória de contrato de R$ 2 mil, como prevê a CLT.
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Para Moreira de Abreu, o fato do motorista não ter horário ou dia marcado para realizar serviços em nome da Uber não significa a exclusão do vínculo trabalhista porque, no caso da vítima, as corridas eram feitas de "modo permanente, contínuo e habitual, em vista da necessidade e dinâmica normal da atividade".
"Os ‘Termos e condições’, as ‘Políticas e regras’ e os depoimentos testemunhais revelam, em síntese, que a reclamada: dirigia, comandava, controlava e fiscalizava a prestação laboral, agindo no modus operandi do Motorista, mesmo com intermediação do aplicativo e via código-fonte e algoritmos".
O que diz a Uber
Procurada pelo Tecnoblog, a Uber informou que já apresentou um recurso para o TRT-3. A empresa diz que a decisão "representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados por outros Tribunais pelo País, incluindo o STJ (Superior Tribunal de Justiça)". A nota enviada à reportagem também diz:
"Existe sólida jurisprudência no Poder Judiciário determinando que a Justiça do Trabalho não é competente para julgar ações de indenização contra a Uber. Independentemente disso, segurança é prioridade para a empresa. A Uber está sempre buscando, por meio da tecnologia, fazer da sua plataforma a mais segura possível, de uma forma escalável. Hoje uma viagem pelo aplicativo já inclui diversas ferramentas de segurança antes, durante e depois de cada viagem, tanto para os usuários quanto para os motoristas parceiros".
A plataforma diz ainda, em comunicado, que "a família do motorista parceiro Laudenicy Moreira de Abreu recebeu o valor correspondente à cobertura do seguro de acidentes pessoais exigido na regulamentação dos aplicativos (Lei 13.640/18) e mantido pela Uber, em parceria com a Chubb". Aqui a empresa parece ter se enganado, porque Moreira de Abreu é o nome da juíza e não do motorista.
Quanto ao reconhecimento de vínculo empregatício a Uber diz:
"Em todo o país, já são mais de 1.800 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma, além de julgamentos no STJ e cinco decisões no TST (Tribunal Superior do Trabalho)".