Os efeitos da guerra da Rússia contra a Ucrânia já são sentidos no Brasil não só no preço dos combustíveis – que subiram 18,8% (gasolina) e 24,9% (diesel) na última semana – mas também no queridinho da mesa dos brasileiros: o pão francês, que já está sendo vendido a R$ 20 o quilo no Rio de Janeiro. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi) o aumento do trigo no mercado internacional vai pesar ainda mais no bolso. Isso porque o cereal também está presente em massas, bolos e biscoitos.
Em nota, a Abimapi afirma que a disparada da cotação do trigo começa a ser sentida pelos fabricantes nas negociações com os fornecedores, mas ainda existe a entrega de farinha compromissadas em contratos antigos. A expectativa é de que os estoques de trigo mais baratos acabem em abril, mês que o aumento de preços deve começar a ser sentido no bolso dos consumidores.
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A associação explica que o Brasil produz menos da metade do trigo consumido e precisa importar grandes quantidades do grão de países como a Argentina, Canadá e os Estados Unidos. A Abimapi explica que nas massas, em média, 70% do custo é de farinha. Nos biscoitos, o peso é de 30%, e nos pães e bolos industrializados, de 60%.
Alta de 15%
Para se ter uma ideia, a farinha de trigo já acumula alta de quase 15% em 12 meses até fevereiro, segundo dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último dia 11. O pão francês, por sua vez, subiu menos (7%), enquanto o macarrão (12%) e as massas semipreparadas (10%) avançaram mais.
A estimativa da Abimapi é corroborada pelo economista e professor do Ibmec, Gilberto Braga:
"Antes da crise, o valor do pão francês variava entre R$ 9 a R$ 12, mas agora o quilo está sendo vendido entre R$ 15 e R$ 20 no Rio de Janeiro."
Braga explica que, embora o Brasil não seja um comprador direto dos países em conflito, o gasto com a compra do grão será elevado devido à alta demanda do mercado.
"O Brasil importava muito pouco trigo da Rússia, mas ele precisa continuar comprando no mercado que deixou de ser estabelecido pela Rússia. Então, com esse fator, o preço se elevará e nós temos que pagar mais caro, o que influencia no preço de comercialização interna. Isso resvala no custo do pão, massas e tudo relacionado a essa commodity", afirma o economista.
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Pressão na cesta básica
André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), estima um impacto de até 4% no orçamento doméstico das famílias de baixa renda por conta do aumento do trigo. Isso porque os gastos com panificados e biscoitos comprometem aproximadamente 1,5% da renda.
"Se somar a farinha de trigo e o macarrão com outros itens, o comprometimento chega a 2%. Isso entre famílias com renda de 1 a 33 salários mínimos mensais, o que é um parâmetro muito amplo. Mas se focarmos em famílias de baixa renda esse percentual dobra. Ou seja: quanto menos se ganha mais se gasta com alimentos", afirma Braz.
"Um aumento dessa magnitude pode fazer a inflação da baixa renda acelerar substancialmente. Pelo menos 0,40 ponto percentual ao longo do ano. E isso já está um pouco na conta para quem está revendo os números da inflação para 2022. Em poucas semanas estava em torno de 5%, 5,2%, e agora já está em 6,5% com viés de alta para 7% a depender de como esses repasses (de preços) vão acontecer nos próximos dias", pontua.
Na esteira desses aumentos, conta André Braz, estão soja e milho, que apesar de não terem tantos derivados quanto o trigo são itens que prometem encarecer a cesta básica porque são grãos utilizados para fabricação de ração animal, como frangos e suínos, por exemplo. E isso pode aumentar, inclusive, o preço dos ovos.
"O impacto nos preços a partir desse conflito vai aumentar a nossa expectativa na inflação de alimentos para este ano. Antes da guerra nós tínhamos no radar uma inflação de 6,5% para alimentos. Agora está em 8,5% e pode ser até maior", explica Braz, que alerta que outros itens da cesta básica também são indiretamente prejudicados com o conflito.
"Veja a questão do açúcar, por exemplo. Com o encarecimento da gasolina (por conta da paridade de preços com o mercado internacional) as pessoas vão olhar mais para o etanol. Com isso, o setor sucroalcooleiro pode produzir menos açúcar e mais álcool para aproveitar os preços devido à maior demanda de etanol. O que pode fazer o açúcar subir de preço", acrescenta.
E o impacto não ficará restrito, segundo o economista:
"Vários itens da cesta básica derivados do trigo, da soja, do milho, carne, açúcar, podem subir nos próximos meses. Então o impacto pode ser ainda maior quando a gente considera a contribuição desses outros alimentos."