As sanções do Ocidente contra a Rússia após a invasão da Ucrânia atingiram novo patamar nesta quarta-feira. Os Estados Unidos anunciaram restrições ao país que incluem “exportações de tecnologia” no setor de refino de petróleo.
De acordo com a Casa Branca, as ações podem ajudar Washington a alcançar o objetivo de “degradar o status da Rússia como principal fornecedor de energia ao longo do tempo”. A iniciativa marca o passo mais significativo já adotado para alcançar o setor que é considerado a força vital da economia russa.
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Os EUA alertaram para o fato de que poderiam bloquear o petróleo russo caso Moscou intensifique o ataque contra a Ucrânia, mas o governo de Joe Biden ainda avalia a dimensão que a medida poderia ter para o mercado de energia global. “A opção está na mesa, mas precisamos pesar quais impactos terá”, disse Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca à MSNBC.
Desde o início das restrições ao governo de Vladimir Putin, os EUA e a União Europeia tentaram deixar de fora o setor de energia das sanções contra o país. A Rússia responde por 7,5% das exportações globais do produto.
Isso não impediu, porém, que o mercado já antecipasse os efeitos de sanções a atividades de petróleo e gás. Nesta quarta-feira, o barril do Brent alcançou nova máxima, chegando a US$ 112,93, o maior nível desde junho de 2014.
Deterioração gradual
A Casa Branca reforçou a mensagem de que o país, aliados e parceiros não têm interesse em reduzir a oferta global de energia. O alcance das restrições anunciadas ainda é incerto. Raymond James, analista da Pavel Molchanov, afirmou ao Wall Street Journal que o escopo é restrito e mira apenas o setor de refino. Ele destacou que as duas maiores refinarias do país são administradas por uma estatal e por uma empresa do setor privado que tem forte ligação com o Kremlin.
Segundo Molchanov, as empresas dependem de tecnologia importada, mas o impacto deve ser sentido de forma gradual. O sistema de refino poderia, assim, caminhar para a obsolescência.
O alcance pode ser gradativo, mas o recado foi claro: na guerra econômica para deter a Rússia após a invasão da Ucrânia nem o eixo central da economia russa ficará de fora.
O receio de turbulência já havia levado a Agência Internacional de Energia (AIE) a anunciar na terça-feira a liberação de 60 milhões de barris de petróleo a partir das reservas estratégicas dos EUA e de outros países. Nesta quarta-feira, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+) definiu aumento de 400 mil barris diários na produção em abril.
Mas nada disso teve impacto nas cotações. O petróleo e o gás da Rússia estão sob forte pressão. As empresas se recusam a adquirir produtos ou a transportá-los. Os bancos não querem financiar operações e as seguradoras não oferecem garantia aos negócios.
O gás natural chegou a disparar 60% na Europa. A incerteza sobre os rumos da deterioração da economia russa faz com que as empresas evitem fechar operações, com medo de não receber depois. O Banco Central da Rússia anunciou a liberação de reservas dos bancos no valor de US$ 26 bilhões, uma medida que visa garantir liquidez enquanto a população faz fila nas agências para sacar dinheiro.
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Impacto no gás e no trigo
Mas no mercado de petróleo, o entrave não é apenas questão de caixa. Em um mercado globalizado, as empresas que atuam no segmento operam no mundo todo e temem esbarrar em questões regulatórias referentes às sanções impostas pelo Ocidente à Rússia. Há ainda a questão da imagem. Em um conflito que mobilizou união inédita do segmento corporativo em boicote a Moscou, ninguém quer aparecer financiando o regime.
O resultado é que desde terça-feira o petróleo russo é vendido na praça com desconto. E pouca gente quer comprar. Na terça-feira, o governo russo e empresas de transporte de petróleo buscavam 80 navios. Só encontraram seis dispostos a assumir o trabalho.
“Cerca de 70% do comércio de petróleo russo está congelado”, disse, em nota, a consultoria Energy Aspects.
"Importar petróleo da Rússia tornou-se operação muito mais cara por logística, por causa da zona de conflito, e por aumento do seguro, que embute risco político. Uma das questões que levam os operadores a suspender a compra é economizar. E ninguém quer aparecer financiando o governo russo", diz Ilan Arbteman, analista de petróleo e gás da Ativa Investimentos.
Para operar nos portos russos do Mar Negro, como Novorossiysk, as seguradoras estariam cobrando prêmio de até US$ 800 mil, por dez dias de cobertura.
"Há dificuldades operacionais, como colocar e tirar navios de lá, frete e seguro mais caros. E com os bancos russos fora do sistema (internacional de pagamentos) Swift, como pagar?", avalia Leonardo Martins, sócio tributarista do Machado Meyer Advogados e especialista em petróleo.
No caso de gás, o receio de firmar novo contratos se repete. As empresas têm evitado fechar negócios com o braço de trading da Gazprom, a estatal russa de gás. Há temor de que o pagamento de contratos firmados não seja honrado.
A Rússia responde por 30% do gás consumido na Europa. A Alemanha é o país que mais depende do fornecimento russo. No Reino Unido, mais de 177 mil comércios e indústrias são abastecidos pelo gás da Gazprom. A empresa financia grande parte do Estado russo. Antes do conflito, Putin usou a estatal como arma geopolítica. Em um sinal da mudança de clima, ontem, em Londres, o proprietário do prédio ocupado pela companhia informou que pretende despejar a empresa de seus escritórios assim que for possível.
O temor de negociar com a Rússia e infringir regras das sanções atingiu também os preços de outras commodities. A China tem buscado reforçar estoques diante das incertezas, o que pressiona preços. O trigo fechou em alta de 7,62%, a US$ 1.059 o bushel (equivalente a 27,2 quilos) nesta quarta-feira, um pico nos últimos 14 anos.
*Com agências internacionais