Depois de devoluções de concessões de aeroportos, o governo federal começa a ver a situação se repetir em rodovias.
Pela primeira vez na atual gestão, a previsão de concessão de um trecho — a chamada Rodovia da Morte entre Minas Gerais e o Espírito Santo, que seria leiloada no dia 25 — foi suspensa por falta de interessados. O governo promete fazer outro edital este ano. Mas não é só isso.
O governo encontra dificuldade para relicitar os seis lotes rodoviários que estão em processo de devolução pelas operadoras, que somam 4.331 quilômetros de estradas federais.
Esses devoluções em série dispararam um alerta na equipe econômica. Além do impacto negativo para as condições das estradas, pode sinalizar um problema do modelo de concessão e um desinteresse de empresas.
E ainda cresce a percepção de que a lei que permitiu a devolução de concessões, criada por medida provisória em 2016, no governo de Michel Temer, e aprovada em 2017 pelo Congresso, pode estar abrindo brechas e permitindo que empresas devolvam trechos que não deslancharam devido aos riscos inerentes ao negócio.
Estudos defasados
A Rodovia da Morte é considerada um trecho complicado pelo mercado. Pelo projeto, a empresa vencedora teria a concessão de 670 quilômetros de um percurso que inclui a BR-381, de Belo Horizonte até Governador Valadares, e a BR-262, de João Monlevade (MG) até Viana (ES).
A expectativa era de 402 quilômetros de duplicação, 228 quilômetros de faixas adicionais e 131 quilômetros de vias marginais.
Marco Aurélio Barcelos, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), disse que houve uma defasagem entre os custos previstos no Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental, produzido em 2019.
Havia cálculos que apontavam uma diferença de R$ 1 bilhão nos gastos com a pavimentação da estrada:
— Os estudos do governo federal melhoraram muito nos últimos anos, mas ainda existem detalhes que precisam ser melhorados. O mercado não quer que se repita o que houve com as rodovias que agora terão de ser relicitadas. O mercado não quer errar.
Em 2013, a então presidente Dilma Rousseff tentou licitar o trecho, e também não houve concorrentes. O atual governo insistiu na proposta e mudou a modelagem. Mas não teve sucesso.
Houve dois adiamentos no ano passado: um para dar mais tempo ao investidor, outro para apontar uma solução para a alta dos insumos no reajuste dos contratos. Mas nem assim surgiram interessados.
O Ministério da Infraestrutura minimizou o episódio. Ontem, um dia depois de suspender o leilão da Rodovia da Morte, a pasta informou que será publicado um novo edital ainda neste semestre.
Segundo a pasta, a ideia é que a estrada, conhecida como “Rodovia da Morte” pelos elevados índices de acidentes no país, seja licitada até o fim deste ano.
“O projeto será reestruturado para que se chegue a uma nova modelagem mais atrativa para os investidores e que garanta melhora da qualidade e da segurança para os usuários”, destacou o ministério em resposta ao GLOBO, acrescentando que a rodovia é um projeto prioritário para o governo federal.
Problemas gerais
Este pode não ser um caso isolado. Segundo Barcelos, da ABCR, a tabela oficial de preços de referência para as licitações de rodovias está defasada e, no caso da BR-381, há uma série de parâmetros para obras e intervenções que estão “descolados da realidade”.
Ele criticou a visão “conservadora” dos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), e problemas no licenciamento ambiental, que não estariam expressos de forma adequada nos contratos de concessão:
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— Essa defasagem nos custos previstos nos estudos pode afetar não apenas o leilão da BR-381, como o das demais rodovias.
Segundo o advogado Lucas Sant’Anna, sócio do escritório Machado Meyer, os projetos mais atraentes da carteira federal, em boa medida, já foram licitados. Entre o que está para ir à praça, há licitações com dificuldades e que sofrem com a concorrência:
— Diante do número limitado de operadores, o fôlego dos investidores os obriga a escolher, até por questão técnica, os projetos mais rentáveis. Tem muito projeto na praça, o Rodoanel em São Paulo vai chamar a atenção de todos, por exemplo.
João Paulo Pessoa, sócio do Toledo & Marchetti, vê como desafio a grande agenda de concessões de infraestrutura que o governo federal quer tirar do papel:
— Há uma concorrência entre leilões de rodovias. Há vários projetos, e o mercado agora tem sido mais seletivo.
Editada há mais de quatro anos, a medida provisória 752/2016 que resultou na lei de relicitação no ano seguinte (13.448) tem se mostrado pouco efetiva e tem preocupado técnicos do governo.
O número de devoluções de concessões malsucedidas têm crescido. Existem seis rodovias, uma ferrovia e três aeroportos em fases distintas do processo de relicitação. O caso mais recente foi o da Changi, operadora do aeroporto do Galeão (RJ).
Incentivo errado
Pela lei, a concessionária informa o interesse de devolver o ativo e a União precisa aceitar. Há uma negociação sobre o acerto de contas: o governo ressarce os investimentos de longo prazo realizado pelas companhias, levando em conta o prazo do contrato.
Esse expediente previsto em lei tem sido usado de maneira muito liberada. Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) avaliam, de forma reservada, que a lei pode atrair investidores aventureiros, por causa da indenização de investimentos não amortizados.
Outro caminho seria decretar a caducidade do contrato e, no caso de aeroportos, a Infraero reassumir o terminal até uma nova licitação, mas esse costuma ser um processo moroso e sujeito à judicialização.
Segundo um técnico do governo, há risco de que o instrumento legal da relicitação acabe revelando que a privatização dos aeroportos se revele um fracasso. O ministro da Infraestrutura já fazia parte do governo na gestão do ex-presidente Michel Temer no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
Proposta agora é conceder Rio-Bahia em 20 de maio
No mesmo dia que decidiu suspender a concessão da Rodovia da Morte, prevista para o dia 25 deste mês, por falta de interessados, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) anunciou a licitação de um trecho de 726,9 quilômetros que liga a cidade do Rio ao Nordeste e ao Norte.
Com leilão previsto para ocorrer no dia 20 de maio, na B3, em São Paulo, este lote engloba trechos de diversas rodovias. Mas a maior parte dele é de trechos da BR-116, na ligação entre a capital fluminense e Minas Gerais, trajeto em que é conhecida como Rio-Bahia.
Essa estrada é muito utilizada para transporte de cargas e tem ligação com importantes rodovias como a Via Dutra e BR-040, e também com o Porto de Itaguaí.
O contrato de concessão terá validade de 30 anos. A ANTT estima que os investimentos necessários nesse período serão de R$ 8,8 bilhões. Vencerá a disputa pelos trechos quem oferecer menor tarifa de pedágio, dentro de um limite de desconto, e o maior valor de outorga.
De acordo com a ANTT, os benefícios da concessão envolvem 303 quilômetros de obras de duplicação, 255 quilômetros de faixas adicionais e 85,5 quilômetros de vias marginais, três áreas de escape, 75 passarelas, 57 passagens de fauna, 462 pontos de ônibus e 1.630 quilômetros de ciclovias.
E hoje começa a valer a prorrogação, por 18 meses, do contrato de concessão da Via 040, operadora da Invepar que administra 936,8 quilômetros entre Brasília e Juiz de Fora (MG). Este é um dos trechos que o governo terá de relicitar. Mas, enquanto não define um novo leilão, o contrato com a ANTT foi prorrogado com as mesmas condições de prestação dos serviços de operação