Insatisfeitos com Uber e 99, motoristas criam seus próprios apps
Trabalhadores buscam 'fugir das tarifas cobradas pelas grandes plataformas’; veja o que dizem as empresas
Há um mês, motoristas da cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, lançaram, junto à Cooperativa de Transporte do município (Coomappa) e com o apoio da prefeitura, o seu próprio aplicativo de transporte. Para isso, eles escolheram a franquia Bibi Mob, que oferece um serviço semelhante às plataformas já conhecidas pelo público, como a Uber e a 99.
"A ideia de um aplicativo de transporte próprio surgiu exatamente para fugir das grandes taxas hoje cobradas pelas principais plataformas. Por anos, a gente vem sofrendo defasagem em cima de defasagem, falta de reajuste no repasse da tarifa e alta de combustível, que acarretam em um aumento no custo de se manter um veículo", diz a presidente da Coomappa, Kátia Cristina Anello.
Daí veio a proposta de adotar um aplicativo sem fins lucrativos, em que o lucro pudesse ser quase que totalmente voltado aos motoristas. Por isso, o app promete mais vantagens para esses trabalhadores: cerca de 95% do valor arrecadado com a corrida vai para o motorista, enquanto os 5% restantes são usados para a manutenção da plataforma.
"É importante destacar que o Bibi Mob não é da prefeitura. Ele é da Coomappa, dos sócios cooperados da Coomappa. A prefeitura não investiu recursos para criar o aplicativo e também não fica com nenhuma porcentagem das corridas. O que a prefeitura faz é dar apoio à cooperativa e a outras cooperativas que a gente tem na cidade também", comenta a coordenadora de Trabalho e Economia Criativa e Solidária de Araraquara, Camila Capacle.
Camila contou ao iG que a prefeitura ajudou na divulgação do app e no provimento de internet para a sua operação. A gestão de Edinho Silva (PT) também prepara uma sede em que os trabalhadores poderão descansar, usar o banheiro etc.
O Bibi Mob já pode ser baixado gratuitamente em aparelhos Android e iOS. Até o momento, o serviço já conta com mais de 8 mil passageiros cadastrados e centenas de motoristas que aderiram à plataforma.
Araraquara não é a única cidade a receber um app criado por motoristas
Araraquara não é a única cidade em que a categoria se uniu para lançar uma alternativa aos serviços de transporte atuais. Em Belo Horizonte (MG), três amigos criaram a plataforma 7Move em junho de 2021.
Rodrigo Vieira, Lindomar Castilho (Mazinho) e Ricardo Junior se conheceram em janeiro daquele ano, durante uma manifestação após o assassinato de um motorista no município de Vespasiano, a 29 km de BH. Eles também trabalhavam como motoristas de aplicativo à época.
"Nós tivemos a ideia de criar uma ferramenta com a qual pudéssemos trazer mais segurança para o motorista. Somos todos motoristas, então, criamos a plataforma dentro daquilo que a gente sabe que o trabalhador precisa em termos de segurança e rentabilidade", afirma Rodrigo.
Insatisfeitos com as taxas cobradas pelos outros apps, os criadores da 7Move decidiram fazer diferente. Valores recebidos em dinheiro, Pix ou maquininha ficam 100% para o motorista. Apenas em pagamentos via voucher — quando o passageiro cadastra o cartão de crédito na plataforma — são descontados 8%. Além disso, os profissionais devem pagar um custo fixo de R$ 30 por semana (ou R$ 120 por mês).
"Para os consumidores, a vantagem é que, como o motorista recebe mais, ele vai atender com mais qualidade, vai conseguir fazer manutenção no veículo e, portanto, transportar o passageiro com mais segurança… E uma vez que o valor da corrida compensa para o motorista, ele acaba não cancelando, como acontece nas demais plataformas", completa Rodrigo Vieira.
E deu certo. Hoje, a 7Move já conta com 3,8 mil motoristas cadastrados e 23 mil usuários ativos. Ela atua em Belo Horizonte e em toda a região metropolitana. Agora, Rodrigo, Mazinho e Ricardo estudam expandir o serviço para São Paulo (SP) e Vitória (ES).
O app também pode ser baixado em Android ou iOS gratuitamente.
Já em Campo Grande (MS), o Mou Driver também surge com o objetivo de tarifas zero. Criado há um ano e meio, o aplicativo cobra dos motoristas apenas um valor fixo, em torno de R$ 50 mensais.
"Escutávamos muitas reclamações de motoristas sobre as tarifas cobradas pelas grandes plataformas. Além das viagens serem baratas, temos que repassar uma porcentagem alta para elas. Passamos a ver isso como uma exploração [sic]. Por isso, eu e mais 8 motoristas nos unimos para desenvolver um app em que o motorista ficasse com 100% do valor das corridas; ele só paga um valor fixo mensal", declara Luciano Alves, um dos criadores do Mou Driver.
"Com isso, o motorista trabalha contente e satisfeito com o que faz, podendo oferecer um ótimo trabalho, sem cancelar as viagens etc.", finaliza.
O Mou Driver está disponível apenas para Android.
Diferença de preços
O iG simulou quanto as plataformas cobram dos passageiros por uma viagem de 1,5 km.
Os valores podem mudar de acordo com o local e horário desejado, a depender da demanda. Apenas o Mou Driver não tem preço dinâmico.
- Uber: R$ 10,93*
- 99: R$ 9,58**
- Bibi Mob: R$ 5 (preço mínimo);
- 7Move: R$ 7 (preço mínimo);
- Mou Driver: em torno de R$ 8 (preço mínimo).
*Valor referente a uma corrida entre as estações de metrô Belém e Tatuapé, em São Paulo (SP). A pesquisa foi feita às 14h42.
** Valor referente a uma corrida entre as estações de metrô Belém e Tatuapé, em São Paulo (SP). A pesquisa foi feita às 14h42.
O que dizem a Uber e a 99
Questionada sobre as acusações das novas concorrentes, a Uber explicou que, desde 2018, a taxa de serviço cobrada dos motoristas sobre as viagens é variável e usada em descontos aos usuários e promoções aos parceiros. A empresa também afirmou que os motoristas ficam com a maior parte do valor pago pelos passageiros.
Veja abaixo o posicionamento da Uber:
"No passado, a taxa de serviço cobrada dos motoristas parceiros pela intermediação de viagens era fixa em 25%, mas desde 2018 ela se tornou variável para que a Uber tivesse maior flexibilidade para usar esse valor em descontos aos usuários e promoções aos parceiros. Em qualquer viagem, o motorista parceiro sempre fica com a maior parte do valor pago pelo usuário - podem surgir dúvidas entre os parceiros sobre o valor da taxa porque em algumas viagens ele pode ser maior enquanto, em outras, pode ser menor. O importante é considerar o valor médio, por isso mesmo que todos os motoristas parceiros ativos recebem semanalmente, por e-mail, um compilado sobre os seus ganhos que mostra quanto ele pagou de taxa Uber naquela semana. Nas redes sociais, é possível encontrar parceiros que compartilham esses e-mails pessoais e exibem taxas médias inferiores a 5% e até mesmo 2%, por exemplo".
Já a 99 disse acreditar que mais concorrência no setor significa mais oportunidades e melhores serviços para todas e todos. A companhia também ressaltou que tem uma iniciativa que promete o repasse integral do valor da corrida aos parceiros em localidades e horários específicos.
Confira o que diz a 99:
"A 99 reforça seu compromisso de longo prazo com o Brasil, com a mobilidade acessível e com a geração de ganhos. A empresa defende que mais concorrência no setor significa mais oportunidades e melhores serviços para todas e todos.
Neste momento em que há uma conjuntura econômica que vem pressionando o valor dos combustíveis, a empresa tem como prioridade garantir os ganhos e a melhor eficiência do trabalho dos parceiros que escolhem com total liberdade sua plataforma. Por isso, a 99 lançou um pacote de ações chamado Mais Ganhos que prevê, entre outras iniciativas, o repasse integral do valor da corrida aos parceiros em localidades e horários específicos. As medidas, segundo um levantamento da FIPE, representaram um acréscimo de R$ 500 milhões no PIB brasileiro até o final de 2021.
Ainda, como forma de manter o equilíbrio da plataforma diante das constantes altas dos combustíveis que impactam negativamente o transporte por aplicativos, a 99 foi a primeira empresa do setor a reajustar os ganhos dos motoristas parceiros entre 10% e 25%, em todo o Brasil, ainda em setembro".
** Gabrielle Gonçalves é jornalista em formação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Estagiária em Brasil Econômico. No iG desde agosto de 2021, tem experiência em redação e em radiojornalismo, com passagens pela Rádio Unesp FM e Rádio Metropolitana 98.5 FM.