INSS: Como funciona a aposentadoria para pessoas trans?

Previdência Social é obrigada a reconhecer a identificação de gênero do segurado, mas faz exigências

Bandeira do Orgulho Transgênero
Foto: iStock
Bandeira do Orgulho Transgênero

Desde 2004, 29 de janeiro foi escolhido como o Dia Nacional da Visibilidade Trans e busca combater a transfobia no Brasil. Uma parte dessa luta quer o reconhecimento pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) do direito de se aposentar conforme o gênero com o qual se identifica, contrariando o dispositivo binário adotado pelas regras de aposentadoria.

Após a reforma da Previdência, em 2019, homens passaram a se aposentar aos 65 anos e mulheres, aos 62. As pessoas trans reivindicam que seja considerada a identidade sexual, não o sexo biológico, na hora de entrar com o pedido de aposentadoria.

Hilário Bocchi Junior, advogado especializado em previdência, mestre em direito público, professor e autor de obras jurídicas relacionadas com o assunto, fez um levantamento com base na Lei 8.213/91 , que trata dos benefícios previdenciários, e mostra que o texto cita oito vezes a palavra "homem" e seis vezes a palavra "mulher", além de citar cinco vezes os sexos "masculino" e "feminino".

Essas diferenciações servem para distinguir a concessão de aposentadorias por idade (urbana, rural ou idade híbrida), do salário família, e até do fator previdenciário, que envolve a expectativa de vida.

Como funciona hoje para pessoas trans?

Em março de 2018, por meio da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4275, o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que o reconhecimento do gênero conforme a autoidentificação das pessoas é um direito fundamental relativo ao livre desenvolvimento da personalidade. Mas só isso não bastou para a aposentadoria.

A advogada especialista no tema de direitos previdenciários do público LGBT, Julia Demeter, explica que apesar do entendimento do STF, é necessário cumprir alguns requisitos para conseguir o reconhecimento do INSS, como ter o registro civil alterado.

"A Constituição em seu artigo 194, §1º prevê que a previdência deve ser estabelecida de forma universal, ou seja, deve tutelar a todos de forma igualitária, sem qualquer tipo de discriminação, ou seja, respeitando o gênero escolhido pelo segurado, bem como devem prevalecer os princípios fundamentais da igualdade e da isonomia. Sendo assim, deve valer ao INSS a identidade de gênero que o segurado trans apresentar no momento em que fizer o requerimento de benefício previdenciário", explica.

"No entanto, é importante destacar que o segurado transgênero deverá apresentar os documentos oficiais devidamente atualizados, ou seja, com o prenome e o gênero alterados conforme a manifestação da sua vontade, devendo ainda providenciar a retificação do CNIS junto ao INSS logo após a alteração dos documentos, a fim de assegurar todos os direitos previdenciários", completa a advogada.

Isso porque o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou no Provimento 73/2018 que as pessoas trans podem alterar o prenome e gênero em cartórios do registro civil em qualquer lugar do Brasil, sem necessidade de judicializar a questão, conferindo celeridade ao procedimento. Caso o procedimento não seja feito, será cobrado tempo de contribuição de acordo com o sexo atribuído no nascimento.

Para Vitória Moraes, mulher trans de 36 anos, a decisão é acertada. "Se é algo que você se identifica, não tem nada de mais em pedir a certidão. No meu emprego novo me solicitaram, mas ainda nem pedi por medo de não conseguir emprego com o nome feminino social", relata a recém-contratada auxiliar industrial da Copapa (Companhia Paduana de Papéis).

Ela trabalhou por sete anos com carteira assinada e passou por períodos desempregada ou com empregos informais. Segundo ela, o fato de ser trans dificulta na contratação. 

"Deixava vários currículos em vários lugares, mas nada era aceito. A gente vê o preconceito no olhar", desabafa. 

Em caso de aposentadoria negada, é aconselhado buscar a Justiça

Essas exigências fazem com que a prática de recorrer ao judiciário em caso de indeferimento da aposentadoria ao segurado trans seja cada vez mais comum, tendo em vista que a LBPS (Lei de Benefícios da Previdência Social) ainda não dispõe de normas específicas sobre as regras para a aposentadoria do segurado que optou pela mudança de gênero.

Julia lembra, no entanto, ser notório que não se pode subtrair esse direito do segurado, independente da sua identidade de gênero.

"A autarquia previdenciária deve adaptar-se conforme as mudanças e evolução da sociedade, bem como a jurisprudência é vasta em reconhecer o direito do segurado trans em aposentar-se de acordo com o gênero que escolheu vivenciar". 

Bocchi lembra ainda que se a regra de acesso ao benefício relacionado ao gênero é negada ou postergada, a pessoa pode reclamar. 

"Trata-se de um direito social fundamental: o direito à aposentadoria."