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Cargill compra soja de fazenda que desmatou na Amazônia
Florian Plaucheur/Divulgação
Cargill compra soja de fazenda que desmatou na Amazônia

Uma das maiores empresas do agronegócio mundial, a Cargill comprou grãos oriundos de uma fazenda em São José do Xingu (MT) que perdeu aproximadamente 800 hectares de floresta entre 2013 e 2015. A negociação ocorreu apesar de a multinacional ser signatária da Moratória da Soja, acordo que prevê o boicote à soja plantada em áreas desmatadas após 2008 no bioma amazônico.

Documentos obtidos pela Repórter Brasil, Unearthed e o Bureau of Investigative Journalism revelam que o produtor Gustavo Silva Medeiros firmou um contrato para encaminhar milho aos armazéns da Cargill ao longo da próxima safra, em meados de 2022.

O local previsto para o plantio é a Fazenda Conquista, que teve grande parte de sua cobertura florestal devastada nos últimos dez anos. É o que revelam as imagens de satélite compiladas pelo projeto Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – o programa oficial do governo federal para monitorar o desmatamento na Amazônia.

Na propriedade, que tem um total de 2 mil hectares, o Prodes identificou desmatamentos em pelo menos três ocasiões. Apenas em 2014, foram desmatados 634 hectares de vegetação.

Por telefone, Medeiros revelou que, além de milho, também fornece soja para a Cargill. A empresa, por sua vez, confirmou que mantém negócios com a Fazenda Conquista, mas alegou que, atualmente, não há nenhuma restrição relacionada à Moratória da Soja na propriedade.

Segundo a Cargill, os mesmos critérios da moratória também são aplicados às aquisições de milho e, “caso alguma irregularidade [na fazenda] seja observada, a companhia tomará as medidas cabíveis”.  Leia o posicionamento na íntegra.

Entenda o caso

As negociações entre a Cargill e a Fazenda Conquista ocorreram apesar de o plantio de soja em áreas de desmate recente ter sido confirmado pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS) – entidade responsável pelo monitoramento da moratória.

Formado por empresas e ONGs, o grupo encaminha periodicamente uma “lista de exclusão” às companhias signatárias do acordo. A lista contém as fazendas onde foi constatado o plantio em desacordo com os critérios da iniciativa.

Após ser questionado pela Repórter Brasil, o GTS confirmou que, na safra 2020/2021, 370 hectares de soja foram plantados na Fazenda Conquista em uma área que sofreu corte raso seis anos antes. Apesar do flagrante, a Fazenda Conquista, ressalta o Grupo de Trabalho, ainda não foi incluída oficialmente na lista de exclusão da moratória.

“Como teve plantio de soja na safra passada (plantio em 2020 e colheita em 2021), a fazenda, com a identificação do produtor, entrará na Lista 1 de 2022 da Moratória da Soja que será veiculada a partir de abril de 2022”, explica o GTS. “Desta data em diante todas as empresas signatárias não poderão comercializar nem financiar soja da fazenda em questão”.

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O caso revela, portanto, um prazo considerável entre o plantio e a adoção de medidas concretas para bloquear fornecedores. Tendo em vista o calendário típico de colheita na região – normalmente entre janeiro e abril – isso pode significar, na prática, vendas de soja em desacordo com a moratória por até duas safras antes de que fazendas desmatadoras sejam de fato bloqueadas.

Apesar disso, o GTS ressalta que, em 15 anos, a moratória reduziu drasticamente o desmatamento associado à cadeia produtiva da soja na Amazônia. Na safra passada, informa o grupo, apenas 2,5% dos grãos plantados no bioma foram cultivados em áreas desflorestadas após 2008. Também houve uma redução de 75% no desmatamento ocorrido em municípios da Amazônia que plantam a commodity.

“Estamos em intenso debate no GTS para promover aprimoramentos na Moratória da Soja. No entanto, tais aprimoramentos dependem do bom entendimento entre a sociedade civil e a indústria da soja, pois o GTS toma decisões negociadas entre todos os seus stakeholders”, afirma o comunicado encaminhado à Repórter Brasil, que pode ser lido na íntegra aqui.

Proprietários alegam uso da área desde a década de 1980

Os proprietários da Fazenda Conquista são os irmãos Natan e George Oliveira Rezende Ribeiro, donos de fazendas de gado em Goiás e Mato Grosso e sócios na empresa Gen Fertilizantes, com sede em Bom Jesus de Goiás (GO).

Em nota, os empresários alegaram que a área destinada ao cultivo de soja e milho na propriedade, adquirida em 2018, é utilizada para atividades agropecuárias desde a década de 1980. “Desde antes de 30.12.1985 não ocorre desmatamento na Fazenda Conquista. O que ocorreu neste período até os dias atuais foi limpeza de pastagens, todas devidamente autorizadas pelos órgãos competentes”.  Leia na íntegra a nota.

A reforma e limpeza de pasto foram autorizadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema-MT) em maio de 2012, assim como a queima controlada de mais de mil hectares, em março do ano seguinte, segundo autorizações enviadas à Repórter Brasil pelo advogado dos pecuaristas.

Para os irmãos Oliveira Rezende Ribeiro, se a Sema-MT concedeu autorização para tais atividades, “confirma-se que na mesma havia continuidade de atividade exploratória até aquela data, e, portanto, que a mesma se trata de área consolidada”.

Procurada, a Sema-MT confirma as autorizações mencionadas, mas afirma que, em análise mais recente, feita no final de 2021, detectou desmatamento na propriedade. O caso, segundo o órgão, foi encaminhado para o setor de fiscalização para a “verificação de prescrição e providências cabíveis”.

“Destacamos que só a partir de 2019 a Sema-MT passa a contar com imagens de satélite de alta resolução que permitem ver com precisão alterações na vegetação de todo o território estadual e, com isso, identificar de modo rápido o desmatamento ilegal e autuar de modo presencial e remoto”, afirma o órgão.  Leia a resposta completa da Sema-MT.

Segundo especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, imagens históricas de satélite mostram que a floresta estava se regenerando desde a década de 1980. Nos 30 anos seguintes ao desmatamento original a área verde se recompôs, “o que é muito tempo e o suficiente para a vegetação voltar a crescer”, aponta Marco Tulio Garcia, da organização holandesa Aidenvironment. Um novo desmatamento, diz ele, ocorreu apenas em 2013. “Isto foi detectado pelo Prodes, portanto é, de fato, desmatamento”.

Já Gustavo Medeiros, fornecedor da Cargill responsável pelo plantio na área da Fazenda Conquista, alega que teve um “minucioso cuidado de observar essa questão referente ao desmatamento ilegal” quando estava em busca de uma área para o cultivo de grãos e afirma que só concluiu o negócio pelo fato de a propriedade “estar em perfeito acordo com as leis ambientais e sem nenhum tipo de embargo”.  Leia a resposta completa do produtor.

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