Campos Neto
Reprodução: iG Minas Gerais
Campos Neto

Com a divulgação do índice oficial de inflação nesta terça-feira pelo IBGE, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, terá que enviar uma carta pública ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando as razões para o descumprimento da meta.

Todas as projeções indicam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) terminou o ano em torno de 10%, bem acima da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 3,75%.

A escalada de preços na economia durante o ano passado superou a meta mesmo considerando o intervalo de tolerância, que resulta num teto de 5,25% e um piso de 2,25%.

Se o IPCA tivesse ficado neste intervalo, o presidente do BC não teria que dar justificativas. Como não foi o caso, a carta dele pode ser publicada hoje mesmo.

Não há um prazo para que ele faça isso, mas em outras ocasiões, o documento saiu no mesmo dia da divulgação do IPCA. Será a sexta vez que um presidente do BC terá de fazer este papel. (Confira os textos de documentos similares do passado no fim deste texto)

Durante o ano, o Banco Central elevou sucessivamente a taxa básica de juros (Selic), de 2% até os atuais 9,25% na tentativa de controlar a inflação. Em todas as decisões, os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) citaram o risco fiscal, subindo o tom a cada reunião.

As incertezas sobre gastos do governo, agravadas pela PEC dos Precatórios no segundo semestre de 2021, provocaram alta nas projeções de inflação, influenciando a decisão do BC de acelerar a alta dos juros.

No entanto, a política monetária (responsabilidade do BC) não foi suficiente para conter a alta dos preços, que não teve na política fiscal (responsabilidade do governo) o mesmo combate.

Campos Neto deve evitar crítica à seara de Guedes

O professor da FGV, Istvan Kasznar, espera que a carta lide bastante com a questão fiscal, mas ressalta que Campos Neto provavelmente terá muito cuidado porque ela poderá ser lida “rapidamente” como uma crítica ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e à gestão fiscal do governo.

"São várias questões que estão fora do eixo de ação, do controle do Banco Central, e podem preocupar muito. Eu duvido que ele, o Roberto Campos Neto, vá se imiscuir em questionamento associado ao que cabe à função do ministro da Economia", apontou o professor.

A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, ressalta que os dados fiscais de 2021 foram positivos, com recordes de arrecadação, e que esse não deve ser o tema principal da carta.

"O resultado fiscal do ano foi positivo, você criticar um resultado fiscal como um dos responsáveis pela inflação tecnicamente não seria correto porque não houve expansão fiscal em 2021 que causasse uma demanda como a gente já teve em outras épocas no passado", disse.

Incerteza fiscal influenciou dólar e inflação

Segundo ela, a discussão fiscal que causou incerteza no mercado foi em relação ao futuro do arcabouço, mas trouxe impacto na taxa de câmbio, por exemplo. A alta do dólar foi um dos principais combustíveis inflacionários no ano passado.

"A discussão em relação ao arcabouço fiscal trouxe um prêmio maior que foi refletido na taxa de câmbio, e isso acabou ampliando os outros efeitos de inflação mais alta que a gente teve", explicou a economista.

Além do fiscal, os comunicados do Copom ao longo do ano ressaltaram o peso da alta de itens básicos como energia elétrica, combustíveis e alimentos com determinante no resultado da inflação.

Inflação global deve ser outro argumento do presidente do BC

Rafaela Vitória acredita que o Banco Central vai mencionar como principal razão do estouro da meta os sucessivos choques de oferta que o país enfrentou durante o ano. Segundo ela, Campos Neto também deve mencionar a alta da inflação mundial.

"A gente começou o ano com choque de alimentos, que teve início no final de 2020, depois teve choque da energia elétrica, com a crise hídrica, também foi bastante inesperada a alta bem forte nas tarifas e terminou com os últimos choques dos combustíveis. Acho que o principal destaque que o presidente do BC vai dar na carta é sem dúvida que há choques de ofertas que não são previsíveis", afirmou.

A flexibilização do distanciamento social com o avanço da vacinação ao longo do ano passado e o consequente reaquecimento do setor de serviços também foi bastante citada nas comunicações do Banco Central. Com a volta da demanda, a tendência é que os preços subam e pressionem o IPCA.

Veja o conteúdo das cartas anteriores do BC para justificar inflação fora da meta
1ª carta —  resultado de 2001

A meta de inflação era de 4%, mas o IPCA fechou em 7,7%. O presidente do BC era Arminio Fraga e o ministro da Fazenda era Pedro Malan.

A primeira carta foi escrita em 2002 por Armínio Fraga, que ocupava o BC na época. Endereçada ao então ministro da Fazenda, Pedro Malan, o documento citava dois fatores principais para a inflação ter estourado o teto da meta em 2001: choques externos e inflação nos preços administrados.

No âmbito externo, Fraga citou uma desaceleração da economia mundial que, em conjunto com a crise que a Argentina vivia na época e os ataques de 11 de setembro causaram uma desvalorização do Real. Na época, o dólar chegou a valer R$ 2,84, uma depreciação de 42,6% em relação ao início daquele ano.

Internamente, um dos vilões da inflação foi o mesmo do ano passado, a tarifa de energia elétrica. Ela subiu 10,4% em 2001 em conjunto com a alta de outros itens dos chamados preços administrados, como a gasolina e os planos de saúde.

Durante aquele ano, a taxa básica de juros, a Selic, subiu de 15,25% para 19%. Na avaliação do então presidente do BC, a atuação da autoridade monetária atuou de “maneira preventiva” para evitar os efeitos inflacionários das trajetórias de câmbio e dos efeitos de choque nos preços de itens administrados.

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“Caso o Banco Central não tivesse agido de forma preventiva a inflação teria sido maior que a ocorrida e o ajuste no câmbio real – elemento dominante na melhora nas contas externas – teria ocorrido em um ambiente de grande incerteza. Nesse contexto, a reversão das expectativas que permitiu a apreciação cambial, a redução do prêmio de risco e a melhora nas perspectivas da economia brasileira poderiam não ter ocorrido em 2001”, apontou Fraga na carta.

2ª carta —  resultado de 2002

A meta de inflação era de 3,5%, mas o IPCA fechou em 12,5%. O presidente do BC era Henrique Meirelles e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

A segunda carta de um presidente do BC ao ministro da Fazenda foi escrita por Henrique Meirelles em 2003, mas em relação ao estouro do teto da meta de 2002, quando Armínio Fraga ocupava o cargo.

Foi o ano da eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que o mercado estava assustado com as políticas que poderiam vir do novo governo. Com isso as expectativas de inflação subiram bastante, principalmente no final do ano. O IPCA terminou em 12,5%, bem acima da meta de 3,5%.

Na carta, Meirelles ressaltou que houve uma crise de confiança interna em conjunto com uma aversão global ao risco. A trajetória dos juros no início do ano foi de queda até julho.

Depois o BC subiu a Selic de 18% em setembro para 25% em dezembro e até precisou fazer uma reunião extraordinária do Comitê de Política Monetária (Copom) em outubro para aumentar os juros em três pontos percentuais, para 21%.

“O ano de 2002 foi caracterizado por uma conjugação perversa de uma severa crise de confiança na evolução da economia brasileira e um forte aumento da aversão ao risco nos mercados internacionais. Esses fatores se refletiram em turbulências no mercado financeiro doméstico, em dificuldades na administração da dívida pública e em quedas bruscas no financiamento externo do país, com conseqüências negativas sobre a inflação e o nível de atividade na economia”, disse Meirelles na carta.

3ª carta — resultado de  2003

A meta de inflação era de 4%, mas o IPCA fechou em 9,3%. O presidente do BC era Henrique Meirelles e o Ministro da Fazenda era Antônio Palocci.

Na sua segunda carta de explicações do porquê a inflação ficou fora da meta, Meirelles citou os mesmos fatores de 2002. Segundo ele, a alta nos preços causada pela crise de confiança no país e a aversão aos riscos se concentrou principalmente nos primeiros meses do ano.

Naquele ano, o BC já tinha proposto uma meta ajustada de inflação de 8,5%, diferente da meta de 4% estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), mas o presidente do BC considerou que a publicação da carta continuaria necessária.

Em 2003, houve uma elevação da Selic para 26,5% em fevereiro e manutenção desse nível até o meio do ano. No segundo semestre, o BC iniciou uma trajetória de queda até chegar em 16,5% em dezembro, considerando um quadro de ganho de confiança ao longo do ano.

“A partir de meados de 2003, passou a vigorar um quadro bastante diferente, marcado pela recuperação da confiança nas perspectivas da economia e pela volta à normalidade macroeconômica. Os resultados da política econômica tornaram-se mais evidentes, dissipou-se o ambiente de incertezas acentuadas e a inflação retornou a níveis estáveis e relativamente baixos”, apontou.

4ª carta — resultado de  2015

A meta de inflação era de 4,5%, mas o IPCA fechou em 10,67%. O presidente do BC era Alexandre Tombini e o Ministro da Fazenda era Nelson Barbosa.

Em 2015, o Banco Central elevou a taxa básica de juros de 11,75% para 14,25% ao ano em uma tentativa de combater a inflação, que chegou a 10,67% ao final do ano. A meta era de 4,5%.

Segundo a carta enviada do presidente do BC, Alexandre Tombini, ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, os dois vilões da inflação naquele ano foram os reajustes nos preços administrados, como energia elétrica, e a desvalorização cambial.

“Deve-se ressaltar que o ajuste fiscal implementado em 2015 incluiu, entre outras medidas, aumento de tarifas públicas e recomposição de impostos regulatórios, com impacto direto e relevante sobre alguns preços, não apenas, mas, sobretudo, os administrados. O último semestre de 2015 também foi comprometido pelos efeitos de novos ajustes nos preços administrados, advindos, principalmente, da variação nos preços dos combustíveis, e pelo repasse da desvalorização cambial observada ao longo do ano”, apontou Tombini.

5ª carta — resultado de  2017

A meta de inflação era de 4,5%, mas o IPCA fechou em 2,95%. O presidente do BC era Ilan Goldfajn e o Ministro da Fazenda era Henrique Meirelles.

A última vez que um presidente do BC precisou mandar a carta para o ministro da Fazenda foi em 2018. No ano anterior, a inflação havia ficado ligeiramente abaixo do piso estabelecido pela meta de 4,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. O IPCA marcou 2,95%.

Segundo o presidente do BC na época, Ilan Goldfajn, a principal razão foi a deflação nos preços de alimentação em domicílio. Na carta, ele explica que os níveis recordes de produção agrícola permitiram com que os preços diminuíssem.

“A excepcionalidade do comportamento dos preços de alimentação no domicílio fica evidente quando observamos que a variação acumulada em doze meses representou a maior deflação da série histórica”, apontou Goldfajn.

Considerando que a política monetária não tem impacto sobre os níveis de produção agrícola, Goldfajn afirmou que o BC seguiu “os bons princípios no gerenciamento” dos juros. Naquele ano, a Selic começou em 13,75% e terminou em 7% ao ano.

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