Mais de 400 mil trabalhadores de Karnataka, na Índia, recebem menos do que o salário mínimo legal do estado desde 2020. Karnataka é conhecido por ser um dos maiores centros de confecção de roupas do mundo e abastece marcas como Puma, Nike, Zara, C&A e GAP. Segundo o Worker Rights Consortium (WRC), organização independente que zela pelos direitos trabalhistas em todo o mundo, o valor total de salários não pagos até agora é superior a £ 41 milhões (cerca de R$ 308 milhões).
O custo de vida para quem recebe um salário mínimo na Índia aumentou 417 rúpias indianas (£ 4,10 ou R$ 31,15) em abril de 2020. Esse aumento, que equivale a 16 centavos de libra por dia, entretanto, não foi repassado aos trabalhadores durante os últimos 20 meses. Cada trabalhador recebe em torno de £ 83 mensais — o equivalente a R$ 347,85.
"É o maior roubo de salários já ocorrido na indústria da moda", avalia a WRC. "Os filhos dos trabalhadores estão com fome para que as marcas possam ganhar dinheiro", afirmou o diretor executivo da entidade, Scott Nova, ao The Guardian.
Uma trabalhadora disse ao jornal britânico que ganhava cerca de metade do que precisava para cobrir os custos básicos de vida, como alimentação e aluguel. "Ao longo deste ano, só alimentei minha família com arroz e molho de chutney", contou. "Tentei falar com a gerência da fábrica sobre isso, mas eles disseram: 'isso é o que pagamos para trabalhar aqui. Se você não gostar, pode ir embora'", acrescentou ela.
Scott Nova afirmou que, apesar das demandas persistentes do WRC nos últimos dois anos, as marcas ocidentais não agiram para garantir que os trabalhadores que faziam suas roupas fossem pagos de acordo com a lei indiana. "As marcas têm permitido que isso continue quando sabem que são os únicos com o poder de impedir esse roubo generalizado”, afirmou ele. "Elas estão permitindo que uma violação dos direitos humanos em grande escala continue impunemente".
Tribunal Superior de Karnataka exige que salário mínimo deve ser pago
Os fornecedores argumentam que o Ministério do Trabalho da Índia emitiu um decreto que suspende o aumento do salário mínimo logo após sua implementação, em abril de 2020, e que uma ação relativa à exigência de pagamento do reajuste ainda estava em tramitação na Justiça de Karnataka.
No entanto, em setembro do ano passado, o tribunal superior do estado determinou que a proclamação do Ministério do Trabalho era ilegal e que o salário mínimo, incluindo todos os atrasados, deve ser pago aos trabalhadores independentemente de qualquer outro processo judicial.
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De acordo com o WRC, as fábricas de roupas constituem o único setor industrial em Karnataka que se recusa a cumprir esta ordem.
Marcas se pronunciam
Puma, Nike, Zara, C&A e GAP, que estão entre as marcas que compram roupas de Karnataka, disseram estar comprometidas em pagar o salário mínimo legal e esperar que seus fornecedores cumpram a ordem do tribunal superior.
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A Puma disse ao The Guardian que sua influência sobre seus fornecedores era "limitada" em Karnataka, mas acrescentou: "Estamos trabalhando com nossos pares, que fornecem volumes maiores em Karnataka, para garantir que os salários sejam pagos corretamente".
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A Nike, por sua vez, afirmou em um comunicado que "espera que todos os fornecedores cumpram os requisitos legais locais e o código de conduta da Nike".
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Já a GAP comunicou: "[Esperamos] que nossos fornecedores cumpram com o subsídio e atrasos. Estabelecemos um cronograma pelo qual esperamos total conformidade".
A C&A contou que exigiu que seus fornecedores cumprissem a ordem judicial e que estava "confiante" de que o fariam. A multinacional holandesa disse que espera uma confirmação por escrito das fábricas.
Um porta-voz da Inditex, dona da Zara , disse: "A Inditex tem um código de conduta rigoroso, que exige que todas as fábricas de nossa cadeia de suprimentos paguem salários legais, no mínimo. Estamos engajando fornecedores na região para incentivá-los a fazer o pagamento".
Situação no Brasil
O iG entrou em contato com as empresas citadas para entender a situação da cadeia produtiva aqui no Brasil. Até o momento, apenas a Zara, C&A e Puma responderam.
"A Inditex conta com um Código de Conduta austero que exige que todas as fábricas em nossa cadeia de fornecimento paguem os salários mínimos legais e, em qualquer situação, os salários devem ser suficientes para suprir as necessidades básicas dos trabalhadores e suas famílias e quaisquer outras que possam ser consideradas necessidades adicionais razoáveis", afirmou.
"Continuamos engajando fornecedores na região para incentivá-los a fazer o pagamento do VDA - variable dearest allowance, o equivalente local ao reajuste salarial semestral concedido pelo governo, ao qual estão progressivamente aderindo", finalizou a varejista.
A C&A informou, em nota, que repudia qualquer forma de trabalho irregular e disse exigir de fornecedores o cumprimento da remuneração recomendada de todos os países que opera. Veja abaixo:
"A C&A Brasil repudia qualquer forma de trabalho irregular e, neste sentido, acredita que a transparência é um elemento muito importante para transformações sociais. Empreendemos também continuamente uma série de iniciativas e processos com o objetivo de garantir o respeito aos nossos funcionários e à legislação trabalhista em todas as nossas lojas, nos centros de distribuição e nas demais áreas administrativas. A C&A exige e monitora que seus fornecedores cumpram a remuneração recomendada em todos os países em que opera. Se quiser saber mais, estamos à disposição por aqui ou por meio do nosso site de sustentabilidade www.cea.com.br/sustentabilidade ".
Já a Puma reforçou ao iG o que já havia dito ao The Guardian, sobre ter influência limitada sobre os fornecedores de Karnataka e que está trabalhando com seus pares "para garantir que os salários sejam pagos corretamente".
Tentamos contato com a GAP do Brasil, mas não obtivemos sucesso.