Eleitoreiro, auxílio de Bolsonaro deixa milhões na pobreza e gera dúvidas

O ano de 2021 foi confuso para famílias que dependem de repasses do governo e 2022 não deve ser diferente

Bolsonarovende Auxílio Brasil como 'maior programa social do mundo'
Foto: Divulgação
Bolsonarovende Auxílio Brasil como 'maior programa social do mundo'

No dia 19 de novembro deste ano, o auxílio emergencial chegou ao fim após 16 meses. O ano começou marcado por indefinições quanto a criação de uma renda básica que substituiria o Bolsa Família. Só em dezembro o Congresso aprovou a MP (Medida Provisória) que criaria o Auxílio Brasil , bem como a fiadora do novo programa social, a PEC dos Precatórios, que permitiu o pagamento de parcelas no valor de R$ 400. 

O ano de 2021 começou rodeado de incertezas para as famílias inscritas no CadÚnico. Após quatro meses sem prestar assistência aos mais vulneráveis, o governo decidiu retomar o auxílio emergencial no dia 5 de abril, porém com valores entre R$ 150 e 375. A renovação do programa foi necessária para ganhar tempo e definir qual a melhor estratégia de lançamento do até então “Renda Brasil”

Segundo o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP) a redução no valor fez com que quase 19 milhões de pessoas entrassem para a extrema pobreza (renda inferior a R$ 162 mensais). Isso porque o benefício foi a principal fonte de renda para 38% dos brasileiros das classes C, D e E durante a pandemia

"O auxílio de 2021 precisa ser visto como um processo de transição. O de 2020 criou o maior colchão de benefícios sociais da história do Brasil. Foram expansões do que tínhamos com o Bolsa Família", explica Matias Cardomingo, pesquisador do Made-USP.

Ainda assim, o benefício evitou que o Brasil tivesse  27 milhões na extrema pobreza (renda de R$ 155 per capita por mês), estima o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No ano passado, mesmo com a pandemia, o percentual de pessoas nessa faixa caiu para 5,7%, o que equivale a aproximadamente 12 milhões de pessoas. 

Auxílio Brasil começa mal

Em 2020, o pagamento do auxílio emergencial chegou a 68,2 milhões de pessoas no país. Em 2021 o universo foi reduzido e o benefício foi pago a 39,3 milhões de cidadãos: uma queda de 42,37%. Agora são 14,6 milhões de beneficiários do Auxílio Brasil. 

O Auxílio Brasil, mesmo com parcelas de R$ 400, ainda é insuficiente por atingir um número restrito de beneficiários (14,6 milhões de famílias). Um balanço feito pela Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) mostra que, em todo o país, mais de 29 milhões de pessoas estarão fora do novo programa. De acordo com a Rede Brasileira, mais de 24 milhões de brasileiros que tinham auxílio emergencial foram automaticamente excluídos do Auxílio Brasil. Há ainda 5,3 milhões que estão inscritos no CadÚnico (cadastro de programas sociais do governo federal), que, mesmo sendo elegíveis ao pagamento, não foram contemplados.

O relator da MP, Marcelo Aro, tentou incluir no texto a exigência para extinguir filas de espera para recebimento do benefício, sendo assim todas as pessoas aptas poderiam contar com o dinheiro. O Congresso, no entanto, retirou da MP o ponto que era visto como o maior avanço do programa, junto com o reajuste automático pela inflação, que também saiu do texto.

Após mais de 500 dias de aflição  esperando uma definição sobre o novo programa, em novembro, o governo não conseguiu pagar os R$ 400 prometidos e as parcelas foram de R$ 217,17. Em dezembro, apesar de conseguir elevar o valor para o patamar anunciado, o governo ainda não cumpriu a promessa de pagar o benefício para 17 milhões de famílias. 

"O Auxílio Brasil tem foco evidente nas eleições, mesmo assim o impacto dele na desigualdade no próximo ano vai ser bastante relevante, já que o valor e o número de beneficiários são maiores que os do Bolsa Família", comenta Cardomingo.

O economista ressalta que é preciso extrair os pontos positivos do assistencialismo emergencial e aplicá-los na transferência de renda constitucional, como aconteceu com o Auxílio Brasil. 

Preocupação para 2023

O valor de R$ 400 acaba em dezembro de 2022, ano eleitoral. Em 2023, o Auxílio Brasil pode retornar ao patamar de R$ 217,18, se o governo não reajustar o programa. Sem o aumento, sobram para a área apenas R$ 46,5 bilhões nos cofres públicos em 2023 para quem vencer as eleições do ano anterior.

De acordo com informações do Ministério da Cidadania, do orçamento total de R$ 84,7 bilhões do Auxílio Brasil em 2022, somente R$ 38,2 bilhões são fixos. Além disso, o número de beneficiários será definido pelo ministério da Cidadania mensalmente, adicionando incertezas para os próximos anos. 

"Essa redução, principalmente dos mais pobres, aumenta imediatamente a pobreza e a fome no país. Na outra ponta, há crise nos pequenos negócios porque esse dinheiro vai direto para a economia, é de consumo imediato", explica Fausto Augusto, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). 

"Sem saber se vai receber, o beneficiário adia conta, adia compra."

O especialista lembra que a redução de R$ 600 para R$ 275 de média fez com que comércios das periferias começassem a decair, impactando a economia em geral e principalmente os mais pobres.

Fausto ressalta que o embate eleitoral do ano que vem tende a aumentar a insegurança entre os beneficiários, já que o Orçamento de 2023 será formulado pela equipe econômica do candidato vencedor, dependendo também da taxa de renovação do Congresso.

"Em 2023 os números tendem a ser alterados, é uma redução muito brusca sair de R$ 400 para R$ 217. Mas temos um dilema no Auxílio Brasil que não tínhamos no Bolsa Família, ele é mais difícil e complexo de se manter de pé, isso porque você atrela o gasto ao número de recebedores e gera uma instabilidade desnecessária", explica Augusto.