O prazo de até 90 dias para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceda benefícios, homologado em acordo no Supremo Tribunal Federal (STF) está longe de ser cumprido. Uma idosa de baixa renda espera há mais de um ano pela pensão por morte do marido. Outros requerimentos, de acordo com o cronograma, não podem passar de 90 dias. Maria de Lourdes do Amaral Abreu, de 66 anos, moradora de Belém (Pará), perdeu o marido em 15 de novembro do ano passado por conta de Esclerose Múltipla Amiotrófica (ELA) e, desde 19 de novembro daquele ano, tem enfrentado muita dificuldade para tentar assegurar o seu direito.
No ano passado, o requerimento de Lourdes caiu em exigência, que foi cumprida pela advogada Camila Souza, que representa a idosa.
"A tarefa no INSS havia sido fechada inadvertidamente no ano passado e, na época, não havia nem a possibilidade de ser feita perícia pós-mortem. Eu cumpri a exigência como eles pediram e, desde 11 de agosto de 2020, o processo está parado. Não deferem o pedido e sequer marcam a perícia", conta Camila ao EXTRA.
Ela explica que que juntou todos os prontuários que comprovam que o falecido manteve a qualidade de segurado (tinha contribuições recentes que lhe garantiam o direito a benefícios do INSS).
"O objetivo da perícia essa somente comprovar isso. Pois o INSS disse que ele tinha qualidade somente até junho. Ocorre que naquele mês ele já estava internado com esclerose múltipla, sem falar, andar, vegetativo, e acabou por falecer em novembro. Sem sair do hospital", acrescenta a advogada.
No requerimento, a que o EXTRA teve acesso, a advogada detalha a situação da viúva:
"Venho aqui cumprir 100% da exigência juntando documentos em todo o período que esteve internado até a data do óbito comprovando assim que não houve a perda da qualidade de segurado. Documentos que demonstram a enfermidade de forma diária relatando que esteve incapacitado até seu óbito em 25-11", escreve a advogada no requerimento.
E acrescenta:
"Na impossibilidade de não poder conceder por sua análise, por favor encaminhar a perícia, para a efetivação da comprovação, já que possuímos 100 paginas comprobatórias, esta quantidade de documentos não é suportada pela plataforma, porém disponível no momento em que desejar".
Mesmo cumprindo todos os trâmites, a análise continua parada no INSS. Esse é apenas mais um milhares de casos "em análise".
Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), feito com base em números fornecidos pelo próprio INSS, aponta que existem 2,5 milhões de pessoas em uma fila virtual à espera da liberação (ou não) de benefícios previdenciários e assistenciais. Desse total, 695.040 são assistenciais e 1.833.815 previdenciários. O INSS no entanto, ao se referir aos atrasos, cita somente os previdenciários (1,83 milhão).
Em janeiro de 2020, Leonardo Rolim assumiu a presidência do INSS no lugar de Renato Vieira. Na época, existiam 1,3 milhão de solicitações de benefícios atrasados. Quase dois anos depois, e com a promessa não cumprida de zerar a fila até outubro de 2021, Rolim deixou o cargo com 1,8 milhão de requerimentos em atraso.
Com linfoma e sem BPC/Loas
Morador do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, no Rio, João Ramos de Vasconcelos, de 57 anos, portador de um linfoma não Hodjkin há dois anos e meio, espera desde maio deste ano a análise do Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas) concedido a pessoas com deficiência, que é pago também a idosos de baixa renda.
Tratado pelo SUS, Vasconcelos não consegue trabalhar e, segundo o INSS, também não tem direito ao auxílio-doença por não ter qualidade de segurado.
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De acordo com a advogada Camila Souza, o instituto alega que, apesar de ter descoberto a doença em fevereiro de 2019, ele só começou a tratar em julho daquele ano, o que o fez perder a qualidade de segurado.
"Hoje, para sobreviver, ele vive da ajuda de terceiros porque é muito pobre, e há vezes em que falta até comida", lamenta a advogada Camila Souza.
Ela explica que Vasconcelos faz jus ao pagamento, pois doenças crônicas dão direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas).
"Levava minha vida normalmente, trabalhava, cuidava das coisas, mas agora não consigo fazer nada. Estou em tratamento pelo SUS, e as coisas são bem demoradas. Acabo dependendo da ajuda da minha ex-mulher, que trabalha como faxineira para comer e sobreviver", lamenta Vasconcelos.
Respostas do INSS
No caso de Maria de Lourdes do Amaral Abreu, o INSS informou que, "em razão de inconsistência sistêmica, o parecer médico do pedido de pensão por morte em questão não foi processado. Contudo, já foi encaminhado para análise pois a avaliação pericial, conforme previsão legal e normativa, é etapa imprescindível para que haja o consequente encerramento do processo".
O órgão não informou quais seriam as inconsistências sistêmicas nem o motivo de requerimento está há mais de um ano em análise.
No caso de João Ramos de Vasconcelos, o benefício se encontra atualmente em situação de análise na fila regional, segundo INSS.
"Destacamos que o cidadão pode acompanhar todos os detalhes de seu requerimento pelo aplicativo/site Meu INSS ou pelo telefone 135, de segunda a sábado, 7h às 22h", informou em nota.
Mandado de segurança
A alternativa para essas pessoas que amargam na fila é pedir um mandado de segurança na Justiça, explica a coordenadora do IBDP, Joseane Zanardi.
"Pode ser feita uma reclamação na Ouvidoria do INSS sobre a demora na resposta. Ou ainda, caso seja um recurso, uma queixa no Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), que criou um gabinete de crise para dar conta dessas demandas. Somente em último caso, deve-se ingressar com um mandado de segurança para o cumprimento", orienta Joseane.
Confira os prazos
O cronograma foi elaborado a partir de um acordo homologado no Supremo Tribunal Federal (STF) e, segundo o acordado, o único benefício que teve o tempo de concessão antecipado foi o salário-maternidade, que terá que ser concedido em 30 dias e não mais em 45. O tempo de concessão da pensão por morte passou de 45 para 60 dias.
O prazo para a liberação do Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas) dobrou: subiu de 45 para 90 dias. O BPC é pago a idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência, ambos de baixa renda. O valor equivale a um salário mínimo mensal (R$ 1.100) e não dá direito ao pagamento de 13º salário.