O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os estados não podem cobrar uma alíquota de ICMS sobre energia elétrica em percentual acima do praticado em outros produtos. Por outro lado, não deliberou sobre a restituição de valores cobrados indevidamente.
A decisão foi tomada no julgamento de uma lei de Santa Catarina, mas tem repercussão geral, ou seja, deve ser seguida por juízes e tribunais de todo o país em casos semelhantes. O ICMS é a principal fonte de receita dos estados.
A lei catarinense estipula uma alíquota geral de 17%, mas, no caso de energia elétrica, o ICMS é de 25%. A legislação foi questionada pelas Lojas Americanas, e o julgamento foi no plenário virtual, em que os ministros do STF não se reúnem, votando pelo sistema eletrônico da Corte.
Pedido de modulação
No país como um todo, a alíquota geral média é de 18%, podendo chegar a patamares superiores a 30%, dependendo da unidade da federação.
Os estados consideram a decisão como baque impossível de ser absorvido em 2022. A redução da alíquota representaria uma queda de 5,6%, o equivalente a mais de R$ 26 bilhões, em arrecadação de ICMS, segundo cálculos do Comitê Nacional dos Secretários de Estado de Fazenda (Comsefaz). Para o consumidor, porém, a partir da data, ainda não resolvida, da entrada em vigor da decisão, o efeito chegaria de imediato:
"Como energia é um setor regulado, uma redução tributária tem de ser repassada diretamente ao consumidor. Para os estados, terá efeito complexo, porque o ICMS faz um mínimo de caixa e há balanços negativos. Do outro lado, a redução da alíquota pode ampliar a base de arrecadação, formalizar consumidores", avalia Fabio Florentino, sócio da área de Direito Tributário do BMA.
André Horta, diretor do Comsefaz, afirma que a redução da alíquota representa “queda de receita muito grande”, descartando chance de aumento na base de arrecadação. E diz que os estados vão pedir modulação ao STF. Ela permite delimitar o efeito das decisões do Corte, impedindo que tenham eficácia retroativa, valendo apenas a partir da data de vigência.
"Para 2022, não há condição de cumprir. Vamos pedir modulação de efeito da decisão e que isso seja feito de acordo com o plano plurianual de cada unidade da federação. É preciso reduzir aos poucos para os estados não perderem serviços, cortando posto de vacinação ou escolas, por exemplo."
Os estados, sustenta ele, vêm enfrentando “dificuldades tarifárias graves” e seria preciso haver compensação:
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"Com uma alíquota média de 18%, para manter a arrecadação seria preciso elevar em ao menos um ponto percentual para cobrir a perda."
No STF, a tese que prevaleceu foi a do relator, o ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentou este ano. “Adotada a seletividade, o critério não pode ser outro senão a essencialidade. Surge a contrariedade à Constituição Federal, uma vez inequívoco tratar-se de bens e serviços de primeira necessidade, a exigir a carga tributária na razão inversa da imprescindibilidade”, destacou em seu voto. Dizendo que a energia elétrica e as telecomunicações podem ser consideradas serviços essenciais, tendo em vista serem utilizadas por quase toda a população.
"Na prática, o princípio da essencialidade diz que, quanto mais essencial um produto ou serviço, menos tributação deve cair em cima dele. Mas a regra do ICMS diz que ele pode ser seletivo, permitindo aos estados cobrar alíquota seletiva. E usar isso em dois segmentos muito rentáveis em arrecadação", explica Florentino.
Ajuste das normas
Votaram com Marco Aurélio mais sete ministros: Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Nunes Marques.
Toffoli chegou a sugerir uma modulação dos efeitos da decisão, com a aplicação a partir de 2022, desobrigando assim a devolução do que foi cobrado a mais até agora. Nunes Marques também endossou a modulação proposta por Toffoli.
O processo da Americanas em Santa Catarina teve início em 2010. Dois anos depois, chegou à Suprema Corte. Mas só agora, quase uma década depois, vem a decisão.
Gustavo Noronha, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, que representa as Lojas Americanas, diz que recursos dos estados são esperados, assim como a modulação.
"Os estados participaram dos autos, colaborando com outros argumentos e razões. Mas a decisão a favor do contribuinte saiu por oito votos a três. Os estados terão de adequar suas normas, porque pode vir uma série de ações que resultem em indenizações ao contribuinte", alerta ele.
No Estado do Rio, a alíquota é de 28% em telecomunicações e pode chegar ao mesmo percentual em energia, conforme a faixa de consumo do contribuinte. A alíquota média é de 18%. Caso seja adotada para essas duas atividades, haveria perda de R$ 3 bilhões em arrecadação.
"O impacto em 2021 deve ir para algo em torno de R$ 3 bilhões em perdas, somando energia e telecomunicações", diz o secretário estadual de Fazenda, Nelson Rocha.
O ICMS de energia e o de telecomunicações representa 6,6% e 15,5% da arrecadação fluminense desse tributo, que superou R$ 38,8 bilhões de janeiro a outubro deste ano.