Após 24 anos, ex-funcionários da falida Casa Centro começam ser indenizados
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Após 24 anos, ex-funcionários da falida Casa Centro começam ser indenizados

Demorou 24 anos, mas nesta quarta-feira, um grupo de 108 ex-funcionários da Casa Centro, rede varejista de São Paulo que faliu em 1997, recebeu um total de R$ 2,4 milhões em verbas rescisórias. Os valores individuais variam de R$ 15 mil a R$ 350 mil, com juros e correção monetária, e representam o fim de uma longa espera atribuída, principalmente, à morosidade da Justiça.

Ao ter as portas fechadas, em abril de 1997, a empresa deixou um prejuízo estimado pelo mercado em US$ 300 milhões.

Quando uma empresa vai à falência, a prioridade na quitação das dívidas é dos funcionários, mas eles tiveram de esperar mais de duas décadas para receber o total a que tinham direito.

Carlos Eleodoro Carrasco, hoje com 71 anos, é um dos beneficiados. Trabalhou por 12 anos na Casa Centro. Começou como vendedor e chegou a ser gerente regional de vendas, coordenando várias lojas.

"As lojas vendiam muito bem e ninguém desconfiava que pudesse chegar à falência. Tudo ocorreu de um dia para o outro", diz Carrasco, que tinha dois filhos adolescentes na época.

Durante os dois anos em que ficou desempregado contou com ajuda de ex-colegas da própria Casa Centro para se manter e pagar aluguel. Agora, com o dinheiro que recebeu, pretende juntar as economias e comprar um apartamento e deixar o aluguel.

João Agostinho Mateus, de 67 anos, trabalhou por nove anos como vendedor de eletrodomésticos na rede. Quando as lojas fecharam as portas, foi vender flores em feiras na capital paulista para sobreviver. Pai de cinco filhos, o mais novo com 8 anos na época, ele conseguiu emprego novamente no comércio um ano depois. O casamento, porém, não conseguiu atravessar a crise.

"Minha mulher não aguentou a pressão da falta de dinheiro e foi embora", conta Mateus, que se aposentou, abriu um pequeno bar e espera, agora, trocar o carro e viajar com o dinheiro da indenização trabalhista.

Mateus lamenta que pelo menos cinco de seus ex-colegas nas lojas morreram sem receber nada.

"Um deles morreu de câncer e a Justiça não liberou o dinheiro dele antes para comprar os remédios. Havia produtos a serem vendidos, mas deixaram estragar tudo. A Justiça demorou para fazer valer a lei", afirma.

O advogado do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Marcello D'Aguiar, conta que o processo tem hoje cerca de 25 mil páginas. Neste período, mudou de Vara judicial, houve troca no administrador da massa falida e até mesmo um imóvel no centro de São Paulo foi alvo de invasão, dificultando o andamento.

Segundo ele, os eletrodomésticos do estoque se tornaram obsoletos e a maior parte dos veículos se deteriorou no caminho.

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O sindicato representa 312 dos 340 funcionários da rede. Os pagamentos serão feitos por etapa. O próximo grupo já tem cerca de 80 pessoas cadastradas. Agora, a entidade espera encontrar ex-funcionários da rede que perderam contato com o grupo ou seus herdeiros, no caso daqueles que morreram sem receber os direitos.

Pertencente à família Cukier, a Casa Centro nasceu no norte do Paraná e sua sede foi transferida para São Paulo no fim dos anos 1960. O nome oficial da empresa era Cukier & Cia, e ela havia se transformado numa das mais conceituadas redes de varejo especializado em eletrodomésticos da cidade no início dos anos 1990.

No shopping Ibirapuera, chegou a ser dona de uma loja, quando o mais comum é apenas alugar o espaço. Em maio de 1995, porém, pediu concordada preventiva. Poucos meses antes, teria apresentado balanço às instituições financeiras no qual omitiu uma dívida milionária.

Com 23 lojas, 18 delas em shopping centers, tinha vendas anuais de US$ 161 milhões e se tornou um marco na história da inadimplência bancária no país. A Cukier & Cia era uma empresa de capital fechado e, portanto, não era obrigada a publicar balanço. O documento entregue aos bancos não era auditado.

Números alterados

Um estudo feito pelo economista Luiz Carlos Jacob Perera, em sua tese de doutorado na Faculdade de Economia e Administração da USP, concluída em 1998, cita entre os credores pelo menos 15 bancos, entre nacionais e estrangeiros, além de grandes fabricantes de eletrodomésticos, como Brastemp, Sony e Gradiente.

Segundo Perera, em dezembro de 1994 a empresa apresentou balanço com lucro de US$ 7 milhões e aplicações financeiras de US$ 55,9 milhões, valor correspondente a cerca de 55% dos empréstimos contratados. Ao apresentar o pedido de concordata, porém, as contas mudaram: as aplicações caíram para US$ 11,9 milhões e os empréstimos subiram para US$ 198,6 milhões.

No patrimônio total do grupo, houve uma redução de US$ 141 milhões, o que configurou fraude para o mercado.

Na avaliação de Perera, não mais do que 20% do valor dos empréstimos poderiam ser recuperados com a venda dos ativos da empresa. Segundo ele, muitos bancos aprovaram empréstimos porque outras instituições, consideradas benchmark do mercado financeiro, já eram credoras, o que gerava uma boa imagem da rede.

O Sindicato dos Comerciários informa que o valor arrecadado em leilões de venda de bens da empresa soma, até agora, cerca de R$ 65 milhões.

O pedido de concordata apresentado em 1995 chegou a ser aceito pela Justiça. A dívida foi renegociada e a primeira parcela, de R$ 120 milhões, deveria ser paga em maio de 1996. Porém, não foi quitada.

As tentativas de venda da Casa Centro também fracassaram. Em abril de 1997, a Justiça determinou o fechamento total das lojas e os funcionários foram dispensados sem receber os salários e as verbas trabalhistas. Apenas em 2003 os trabalhadores conseguiram receber uma pequena parte, de cerca de 30%.

Em seu estudo, Perera afirma que os bancos, na época, fizeram uma "pedalada". Isto é, a dívida da empresa foi sendo rolada, havendo ou não pagamento de juros. O valor do débito da empresa se transformou em créditos podres, ou seja, praticamente impossíveis de serem recuperados.

"Quando os credores pararam de pedalar, a Casa Centro caiu", escreveu Perera, hoje consultor para atividades empresariais e bancárias em análise de risco e análise de crédito, entre outras.

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