Bolsa fechou abaixo de 110 mil pontos com 'licença' de Guedes para ferir teto de gastos
Fernanda Capelli
Bolsa fechou abaixo de 110 mil pontos com 'licença' de Guedes para ferir teto de gastos

Após meses de volatilidade no câmbio e na Bolsa na esteira dos riscos fiscais do país, o mercado derreteu nesta quinta-feira (21) conforme o  rombo no teto de gastos se torna cada vez mais uma realidade.

O dólar comercial encerrou o dia em alta de 1,92%, cotado a R$ 5,6651, depois de ter atingido o patamar de R$ 5,68 durante a tarde. A moeda não tinha uma cotação de fechamento acima dos R$ 5,60 desde o dia 15 de abril, quando atingiu a casa dos R$ 5,6241.

O Ibovespa, principal índice de ações do mercado brasileiro, fechou em queda de 2,75%, aos 107.735 pontos, um dia depois de o ministro Paulo Guedes confirmar que parte do Auxílio Brasil, programa que vai beneficiar o Bolsa Família, será paga fora do teto de gastos.

Declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre o pagamento de uma  "ajuda" aos caminhoneiros como compensação pelos reajustes recentes no preço do diesel e as negociações para a  revisão do teto também intensificaram o clima pesado nos mercados.

Em seus piores momento no dia, a Bolsa chegou a cair mais de 4%. O índice não fecha abaixo dos 110 mil pontos desde o dia 20 de setembro, quando ficou em 108.844 pontos.

"Hoje é um aprofundamento do que já vínhamos vivendo há alguns meses. Perdeu-se o tato da âncora fiscal, que é o teto de gastos. A fala do ministro Paulo Guedes, ontem, que foi entendida como uma licença para gastar, somou-se à deterioração do risco macroeconômico. O mercado havia precificado várias reformas e uma melhora da inflação e da arrecadação no segundo semestre, e nada disso ocorreu. As declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre os caminhoneiros ajudaram a piorar a situação", avalia Matheus Spiess, analista da Empiricus.

Risco-país e juros futuros em alta

Conforme o mercado absorve a ideia de que o teto fiscal será estourado, o Risco-País aumenta. Os contratos de credit default swaps (CDS) para o Brasil em um ano, que representam o termômetro do grau de risco percebido pelos investidores, tiveram aumento de 5,19%. No contrato de dois anos, a alta foi de 3,68%. Para cinco anos, o Risco-Brasil teve aumento de 3,3%. E, para 10 anos, 2,3%.

As taxas de juros futuros também subiram nesta quinta-feira, refletindo a maior percepção de risco.

O contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 subiu de 7,66% no ajuste anterior para 7,91% e a do DI para janeiro de 2023 passou de 9,91% para 10,56%.

O juro do DI para janeiro de 2025 disparou de 10,90% para 11,51% e o do DI para janeiro de 2027 avançou para 11,82% ante os 11,27% da leitura anterior.

Nesta quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro insistiu que o programa será feito dentro do teto, apesar de não explicar como.

Na véspera, Bolsonaro já havia dito que "ninguém vai furar teto" nem fazer "nenhuma estripulia no Orçamento". No entanto, horas depois, Guedes afirmou que o governo deve pedir o que chamou de "waiver" (suspensão da regra) para gastar mais de maneira temporária.

"Se tem uma coisa que o mercado não gosta é de governo que dá guinadas populistas e flerta com a irresponsabilidade fiscal, ainda mais tratando-se de um país emergente como o Brasil. Voltamos ao tempo da contabilidade criativa de poucos anos atrás", disse Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora.

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Sinalização negativa

Como destaca o gestor de fundos da Arena Investimentos, Maurício Pedrosa, o que mais incomoda o mercado é o fato do principal representante da equipe econômica, que seria a responsável por preservar as contas públicas, ter dado uma sinalização no sentido contrário.

"Eu diria que é um sentimento de orfandade do mercado. Ver aquele que devia estar defendendo os postulados da boa gestão fiscal, da organização das contas públicas e que deveria dar uma boa sinalização para os investidores tanto daqui como lá fora, pedindo waiver (perdão) é muito embaraçoso e obviamente faz preço."

O gestor destaca que não são apenas os R$ 30 bilhões fora do teto que incomodam, mas a sinalização que é passada aos investidores.

"Há o temor que esse espaço seja estendido. O problema não são apenas os R$ 30 bilhões, mas a porta aberta que traria um problemaço mais à frente."

Para ele, mesmo que o governo volte atrás, como fez na terça-feira ao cancelar o anúncio oficial do novo programa, o estrago já está feito.

Para o gestor de renda variável da Infinity Asset, Fernando Siqueira, as negociações sobre uma possível revisão do teto também são vistas como negativas para o mercado. De qualquer forma, quebra-se a regra fiscal vigente sem que os investidores saibam ao certo o que entrará  no lugar.

"O que eles estão fazendo agora é dizer que isso (o teto) acabou, porque você fica criando mecanismos para não cumprir  e não se sabe o que vai ficar no lugar. A regra é essa. Mudar nesse momento é a tentativa de gastar mais  em um momento perto das eleições. A ideia é que o Ministério da Economia perdeu a batalha e parece que não está fazendo mais esforço para manter a regra do teto. Essa foi a pior sensação."

Para ele, a fala de Bolsonaro sobre o pagamento de uma “ajuda” aos caminhoneiros apenas reforça a sinalização de descompromisso com as contas públicas.

"Então, no fundo você está tentando empurrar o problema com a barriga. Dado que todo esse desequilíbrio também gera pressão para aumento de preço de combustíveis. Você não está resolvendo a raiz do problema, mas fazendo remendo."

Além dos já conhecidos problemas domésticos, os ativos enfrentam um pregão com a percepção de risco mais forte no exterior.

A situação da gigante do setor imobiliário chinês Evergrande voltou a pesar nos mercados nesta quinta-feira, prejudicando negócios na Ásia e na Europa. A imobiliária cancelou a venda de sua subsidiária e está perto de um calote oficial, que deve ocorrrer no fim de semana.

A incorporadora ainda acrescentou que as vendas de imóveis despencaram cerca de 97% durante a temporada de pico de compra de casas, piorando sua crise de liquidez às vésperas do vencimento do prazo final para o pagamento de títulos em dólar, o que pode levar a empresa a um calote oficial.

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