Uma nova orientação da Receita Federal indica que incide imposto sobre heranças recebidas por pessoas que morem fora do Brasil. Para o Fisco, o ato gera a cobrança de imposto de renda sobre o pagamento pela parcela de um bem que foi herdado caso essa pessoa more no exterior. Se a pessoa residir no Brasil, estará isenta da tributação.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO questionaram a decisão, por entender que essa nova orientação causa insegurança, já que a tributação de herança é atribuição de estados e não da União, e vai resultar em mais judicialização, porque há argumentos para o não pagamento do imposto na fonte. A decisão do Fisco foi tomada após o questionamento de um homem que recebeu a doação de parte de um imóvel do pai sem a anuência da irmã. Por acordo judicial, ele pagou um valor referente à parte da irmã e questionou o Fisco sobre dever ou não pagar o IR. Como não havia especificação de onde a mulher residia, a Receita reforçou essa distinção.
“Conclui-se que não há incidência do IRRF sobre o pagamento realizado a herdeiro residente no País pela aquisição de direito à parcela de bem que lhe cabia em decorrência de herança. Haverá incidência do imposto se o herdeiro for não residente”, diz a resolução.
Douglas Guidini Odorizzi, especialista em Direito Tributário e sócio do Dias de Souza Advogados, explica que a lei garante que bens recebidos por herança não são tributados se forem transmitidos por espólio pelo mesmo valor que constava na declaração da pessoa que deixou o bem, e que o caso específico não registrou o recebimento de um imóvel, mas do valor correspondente à sua venda:
"A interpretação dada, na prática, tenta afastar a garantia de não tributação da herança mediante a exploração de características individuais da situação avaliada e indiferentes ao preenchimento dos requisitos legais. A causa do recebimento não se altera, seja ela tanto em imóvel quanto em dinheiro, causa espécie a conclusão da Receita", disse.
Para João Vítor Stussi Velloso de Andrade, sócio da área de planejamento patrimonial do Chenut Oliveira Santiago Advogados, essa conclusão “carece de robustez”:
"A decisão da consulta tem base argumentativa com legalidade questionável, contrariando entendimento principiológico do STF, e abrindo margem para exigências ilegais de bancos e instituições financeiras em se tratando de operações com não residentes."
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Sérgio Papini, sócio do Queiroz Cavalcanti Advocacia, explica que a confusão de entendimento começou em 2018, quando o regulamento do IR suprimiu um trecho que previa a isenção da tributação sobre heranças até para quem mora no exterior. O regulamento anterior, que datava de 1999, tinha um artigo que determinava expressamente que doação e herança para o exterior eram isentas.
"Na prática, por mais que existam argumentos teóricos para não pagar, a Receita exige e os bancos vão cumprir a tributação na fonte. Para evitar o pagamento do imposto de renda na fonte, a retenção pelos bancos, é necessário judicializar o tema", avalia.
Eduardo Bomfim, do escritório Lee, Brock Camargo Advogados, concorda com essa visão. Ele explica que as instituições financeiras responsáveis pelas operações são geralmente consideradas pelo Fisco corresponsáveis pelo recolhimento de tributos e, por precaução, farão essa exigência.
"E este é só um dos exemplos das intermináveis discussões acerca da legislação tributária que podem levar o contribuinte a buscar o poder judiciário para garantir a aplicação do melhor direito ao caso concreto", afirmou.
Ele diz que esse entendimento do Fisco não se sustenta nem no plano infraconstitucional, como da lei 7.713/1998 que trata do IR, quanto da Constituição, que diz que não é competência da União legislar sobre a tributação de doações e heranças, não interessando a residência do beneficiário.