Economistas afirmam que valor do auxílio não dá para comprar comida
Daniel Marenco/Agência O Globo
Economistas afirmam que valor do auxílio não dá para comprar comida

Os números brasileiros mostram um cenário bem diferente do que avalia o governo: 19 milhões de pessoas estão em situação de fome no Brasil, 14,761 milhões de trabalhadores estão desempregados e pelo menos 30 milhões de brasileiros ficaram de fora do auxílio emergencial deste ano. Mas, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, o auxílio emergencial, ao invés de renda básica foi um programa de "transferência de riqueza" e que, inclusive, deu uma turbinada na compra da casa própria. O que o economista Raul Velloso rebate: "Não dá para comprar nem comida própria". Para se ter uma ideia, a cesta básica do Rio de Janeiro está em R$ 612,56. Diante destes números, e da afirmação do ministro, a reportagem perguntou aos beneficiários: o que é possível comprar com o dinheiro do auxílio emergencial, que varia de R$ 150 a R$ 375?

A mãe solo Adriana Pires da Silva, de 42 anos, moradora de Costa Barros, na Zona Norte do Rio, recebe R$ 150 do auxílio e diz que esse valor não dá para comprar quase nada. Ela mostra sua listinha de compras: 5kg de arroz, 2kg de feijão, 2kg de açúcar, 1/2kg de café, 1kg de fubá, 2 garrafas de óleo, 1 saco de leite, 1 kg de sal e uma cartela de ovos. Carne, legumes e verduras não fazem mais parte da alimentação. O auxílio, diz Adriana, ajuda mas é insuficiente.

"Moro na favela e dependo da ajuda de terceiros para poder sobreviver. Com a pandemia perdi o emprego e não consigo uma recolocação até hoje", lamenta Adriana, que espera uma indenização do Estado do Rio. Seu filho, Carlos Eduardo da Silva de Souza, o Carlinhos, foi um dos cinco mortos por PMs na chacina de Costa Barros, na Zona Norte do Rio, em novembro de 2015.

"Eu não sei em que mundo eles vivem. Quem compra casa com R$ 375? Não dá nem para comprar o básico para as crianças comerem", diz Juliana Souza, 32 anos, de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio.

Mãe de quatro crianças, Juliana reclama que não tem escola e creche para deixar os filhos e poder procurar emprego. Ela critica as afirmações do ministro da Economia:

"O ministro deveria trocar o salário dele com a gente. Se ele acha que com R$ 375 dá para sobreviver, comprar casa, investir, dar uma turbinada na economia, ele deveria trocar o salário dele pelo auxílio", sugere.

"Ele (Paulo Guedes) acha que as pessoas não querem trabalhar para receber essa miséria e ainda acha que é muito", finaliza.

Angélica Santana da Silva, de 31 anos, mãe de três filhos menores (12, 10 e 9 anos), moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, usa lenha para cozinhar e com os R$ 150 do auxílio se vira como pode. Assim como Juliana, as crianças de Angélica também estão sem aulas.

"Somente esse mês meu esposo conseguiu receber R$ 150, com esse dinheiro consegui comprar 5kg de arroz, 2kg de feijão, 4kg açúcar, 1kg de sal, um pó de café, 1kg de farinha e duas garrafas de óleo e uma cartela de ovo. Eu tenho que separar o dinheiro da passagem porque o mercado é longe", conta Angélica, que mora de favor na casa do sogro.

'Auxílio emergencial não é dádiva, é obrigação do Estado'

Entidades que auxiliam as pessoas que foram duramente impactadas pela pandemia de coronavírus também rebatem as afirmações do ministro da Economia, Paulo Guedes.

"O auxílio emergencial não é uma dádiva, é uma obrigação constitucional do Estado brasileiro, que é obrigado a assumir a responsabilidade por aqueles que venham a se encontrar em estado de miséria. O que foi oferecido é uma migalha e fruto da pressão da sociedade e do Congresso Nacional. Inicialmente o presidente da República não demostrava interesse em socorrer esses milhões de despossuídos", adverte Antônio Carlos Costa, da ONG Rio de Paz.

"Para que se tenha uma ideia do que essas migalhas representam para o necessitado, basta que procuremos saber quanto custa o aluguel de um barraco em favelas no Rio de Janeiro. Não se aluga por menos de R$ 400 ou R$ 500", pontua.

O economista Raul Velloso nega que tenha havido "transferência de riqueza" como alardeado pelo ministro Paulo Guedes.

"O programa foi somente transferência de renda para os desvalidos que, sendo informais, não tinham qualquer tipo de proteção e, por medo de pegar a doença e morrer tinham mais que ficar quietos e sequer podiam fazer seus velhos bicos", diz Velloso.

"O valor do auxílio sequer repõe o que eles (beneficiários) ganhavam com os bicos. Numa situação dessas, com a economia super desaquecida, o governo pode emitir moeda a rodo para financiar esse tipo de gasto, que não faz sequer coceira na inflação", conclui.

"Dados da Oxfam mostram que entre 18 de março e 12 de julho de 2020, o patrimônio de 42 bilionários do Brasil passou de US$ 123,1 bilhões para US$ 157,1 bilhões. Isso significa R$ 176 bilhões só de lucro durante esse período. Esse valor daria para pagar auxilio emergencial de R$ 600 para 25 milhões de pessoas por um ano", afirma Paola Carvalho, Paola Carvalho, da Rede Brasileira de Renda Básica.

Ou seja, diz Paola, "não foi transferência de riqueza porque o governo não mexeu em nenhuma estrutura de concentração de renda. Ao contrário, a retenção aumentou muito e foi inversamente proporcional ao aumento da pobreza extrema e da fome".

Economista defende subsídio na energia

Na quarta-feira o ministro Paulo Guedes soltou mais uma peróla. Desta vez, Guedes minimizou os riscos da crise energética e afirmou que é apenas uma "nuvem no horizonte" para a recuperação da economia brasileira. "Qual é o problema agora: que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?", afirmou o ministro.

Para o economista Raul Velloso é preciso que o governo intervenha em prol dos mais afetados pela pandemia.

"A crise energética será um problema sério, principalmente se não houver subsídio, especialmente aos mais necessitados (no caso, as vítimas da pandemia) pois elas, que mal conseguem sobreviver minimamente, terão de pagar bem mais por um insumo em suas vidas tão relevante como esse", avalia Velloso.

"O dinheiro gasto pode vir de emissão adicional de moeda. As autoridades econômicas precisam parar de dizer que tudo causa inflação, mesmo em situações críticas como a atual, pois quando todo mundo (especialmente se for autoridade) fala que a inflação vai vir, ela acaba vindo, apenas por conta de expectativas desfavoráveis, pois já aprendemos há bastante tempo que expectativas contam. E como contam!", continua. 

"Em síntese, numa crise dessa dimensão o que temos de fazer é vacinar adoidado e, enquanto ela durar, apoiar os mais necessitados com programas de apoio em várias instâncias e formatos, e financiados por emissão de moeda pura e simples, “sem medo de ser feliz”. Ou seja, sem medo de afetar a inflação, a não ser temporariamente, quando choques de preços são efetivamente inevitáveis, como no caso da energia elétrica, procurando-se preservar os mais necessitados ao máximo", finaliza o economista.

Guedes e suas 'pérolas'

Guedes coleciona declarações infelizes envolvendo a temática de políticas sociais. Neste ano, ele fez uma comparação entre o tamanho de um prato de comida de um brasileiro de classe média ao de um europeu para ilustrar o tamanho do problema do desperdício de alimentos no país.

Ele sugeriu a distribuição das sobras limpas de alimentos de restaurantes aos mais pobres e vulneráveis.

O ministro também criticou o Fies, afirmando que o governo distribuiu bolsas demais para o ensino superior, e que a ação enriqueceu poucos empresários, mas beneficiou até quem não tinha capacidade de estar na faculdade. Na ocasião, ele contou um relato de que o filho do seu porteiro recebeu a bolsa mesmo após zerar o vestibular.

Em 2020, antes da pandemia, o ministro também comentou sobre a elevação cambial, afirmando que o dólar mais alto era bom para todo mundo e disse que quando a moeda americana estava mais baixa, “todo mundo” estava indo para a Disney, nos Estados Unidos, incluindo “empregada doméstica”.

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