Em meio à crise entre os Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira o julgamento de uma ação apresentada pelo PT e pelo PSOL contra a lei aprovada este ano que deu autonomia ao Banco Central e estabeleceu que os mandatos do presidente e dos diretores do banco não vão mais coincidir com o do presidente da República. A questão é o primeiro item da pauta de julgamento do plenário.
A lei que deu autonomia do Banco Central foi sancionada em fevereiro pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que à época festejou publicamente a medida. Com a autonomia, o mandato do presidente da instituição não coincide com o de presidente da República. O julgamento é acompanhado de perto pelo governo.
O tema começou a ser discutido pela Corte em junho deste ano no plenário virtual, em que os ministros não se reúnem e votam pelo sistema eletrônico da Corte, mas foi transferido para o plenário presencial após pedido do ministro Dias Toffoli.
No início do julgamento, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, votou pela derrubada da lei. Ele disse que a discussão não era se a autonomia do BC é boa ou não, mas a forma como a medida foi aprovada. A lei teve origem em um projeto de iniciativa do próprio Congresso. Para Lewandowski, a proposta deveria ter partido do Poder Executivo.
Interlocutores da Corte ouvidos pelo GLOBO avaliam que há uma tendência favorável à manutenção da autonomia do BC pela maior parte dos ministros, mas ponderam, contudo, que o momento conturbado pode atrapalhar a análise da matéria.
Por isso, não está descartada a hipótese de que ocorra um pedido de vista, e que o julgamento seja interrompido. Isso faria com que a questão voltasse a ser julgada em outro momento.
Na ação, PT e PSOL apontaram dois problemas na Lei Complementar 179/2021, que deu autonomia ao BC: o projeto foi uma iniciativa do Congresso e não do Executivo, e o próprio conteúdo do texto aprovado.
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O procurador-geral da República, Augusto Aras, concordou com a primeira parte a argumentação, ou seja, o projeto não poderia ter sido proposto pelo Congresso, e se manifestou a favor da derrubada da norma.
Na segunda-feira, o Banco Central apresentou um memorial ao Supremo defendendo a autonomia da instituição. Para o BC, a medida tinha que ter sido apresentada pelo Executivo apenas se tratasse de servidores públicos e regras de estabilidade.
O Banco Central destaca que os diretores e presidente da instituição são na verdade agentes públicos nomeados pelo presidente da República após a aprovação do Senador Federal.
E não têm estabilidade, no sentido de ter sua demissão possível apenas por meio de processo administrativo disciplinar. Eles passaram a ter apenas mandatos fixos.
O BC também argumentou que o Executivo havia mandado um projeto ao Congresso, mas o caminho mais rápido para análise da proposta foi por meio de outro projeto com origem no Senado, que "terminou por incorporar trechos extensos e significativos" do que foi sugerido pelo presidente da República.
Nas palavras do BC, o projeto aprovado é de iniciativa do Executivo "por empréstimo".
O Banco Central também defendeu o teor da lei. Destacou por exemplo que a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu a derrubada da lei por entender que ela não partiu do Executivo, mas não viu problemas no texto em si. O BC citou ainda um parecer anterior de sua própria autoria.
"De toda sorte, convém reconhecer que a jurisprudência do STF, desde a edição, nos anos 1960, do enunciado da Súmula nº 25 da Corte, já compreendeu que determinados órgãos do Estado podem contar com rigidez no mandato e que tal sistemática não importa em violação de quaisquer princípios constitucionais, desde que sejam estabelecidas hipóteses específicas de perda do mandato que mantenham o equilíbrio entre os poderes", diz trecho do parecer jurídico do BC elaborado em março.