No Natal de 2020, quando o isolamento social impedia que brasileiros se reunissem com amigos e parentes, o paulistano Pedro Mello, de 42 anos, quebrava a cabeça para dar algo especial à mulher. Não queria dar mais um vestido ou uma joia e, sim, um presente com propósito. Navegando na internet, topou com um podcast que explicava como funciona o mercado de crédito de carbono, que cresce a passos largos no mundo.
Foi o suficiente para preparar a surpresa. Às 24h do dia 24 de dezembro no ano passado, pediu que sua esposa checasse sua caixa de e-mail. O presente estava lá. Uma mensagem dizendo que Pedro havia comprado R$ 1.000 em créditos de carbono, suficientes para compensar as emissões de CO2 da mulher ao longo de todo 2020 e ainda deixar uma reserva para compensações futuras.
— Era um Natal em que o mundo inteiro estava repensando valores. Eu queria dar algo diferente. O presente exigiu um pouco de explicação. Mas uma vez entendido, ela curtiu e sempre fala para as amigas — disse Mello, que trabalha numa empresa de energia renovável e tem três filhos.
Mello ainda é uma minoria no Brasil. Mas faz parte de um movimento que começa a crescer a partir de ofertas crédito de carbono para pessoas físicas e pequenas empresas, um mercado que há até pouco tempo era restrito a grandes companhias.
Por meio de transações feitas pela internet, essas pessoas e pequenos empreendedores conseguem neutralizar suas emissões, contribuindo para preservar florestas na Amazônia e reduzir o aquecimento global
Certificação internacional
A Carbonext é uma das empresas que atuam nesse mercado. Há dois meses lançou uma calculadora que permite estimar a quantidade de carbono que uma pessoa emite. O cálculo é feito a partir de perguntas como quantas vezes por ano você viaja de avião, quanto gasta com eletricidade e gás e quanto tempo passa em ônibus, metrô ou carro por semana.
No caso das empresas, as perguntas são adaptadas ao número de funcionários que usam carro para trabalhar, por exemplo.
Ao fim das respostas, sabe-se o volume das emissões e quantos créditos de carbono se deve comprar para compensá-las. O interessado faz uma espécie de assinatura e paga um valor mensal pelos créditos. Recebe um certificado atestando que é carbono neutro com validade de um ano. Só no primeiro mês, 20 pequenos negócios se tornaram assinantes.
Média de emissões do brasileiro
Um brasileiro emite, em média, 10,4 toneladas de CO2 por ano. Para compensá-la, teria que pagar R$ 63,51 por mês, considerando o valor do carbono a R$ 72 cada tonelada. Do total pago, 70% vão diretamente para os projetos apoiados.
Eles se enquadram na categoria REDD +, sigla em inglês para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. Em outras palavras, são projetos que mantêm a floresta em pé, como a Fazenda Ituxi, em Lábrea, no sul da Amazônia.
— Capacitamos e treinamos populações ribeirinhas, por exemplo, para que elas não derrubem árvores. Há ainda gastos com fiscalização in loco e monitoramento por satélite. Os projetos são auditados anualmente por uma certificadora internacional — explica Janaína Dallan, presidente da empresa e membro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança no Clima (UNFCCC).
A Carbonext não apenas vende os créditos como desenvolve e gere os projetos. Hoje, seus maiores clientes são grandes companhias, mas a empresa reservou 30% dos créditos gerados para pessoas físicas e pequenas empresas com o objetivo de democratizar o mercado.
Desde que começou nesse ramo, há dez anos, os projetos preservaram 500 mil hectares de florestas e neutralizaram 1,3 bilhão de toneladas de carbono.
Mercado voluntário x regulado
Há dois tipos de mercado de crédito de carbono: o de compliance, no qual países e empresas comercializam créditos para cumprir metas de redução de emissões, e o voluntário, em que companhias e, agora, pessoas podem neutralizar suas emissões, seja por pressão social ou por conscientização sobre a questão climática.
O voluntário movimenta globalmente 100 milhões de toneladas de carbono por ano, que corresponde a apenas 1% do total. Ele não é regulado, embora haja certificação internacional. No Brasil só há mercado de carbono voluntário.
Na plataforma da Moss, que atua nesse segmento há pouco mais de um ano, foram movimentados R$ 70 milhões — dos quais 85% por pessoas físicas — que foram usados para neutralizar 1,5 milhão de toneladas de carbono.
A cifra foi usada para remunerar habitantes da Amazônia de cinco projetos que mantêm preservados 1,5 hectares de floresta, o equivalente a uma cidade de São Paulo.
A compensação de emissões é feita por meio do MCO2, um criptoativo criado pela start-up. Um token de MCO2 equivale a um crédito de carbono, ou seja, uma tonelada de gás carbônico que deixa de ser emitida na atmosfera. Todas as transações são registradas em blockchain.
Dessa forma, um mesmo crédito de carbono não pode ser usado para compensar mais de uma emissão, explica Luis Daime, presidente da Moss.
A plataforma também tem sua própria calculadora para estimar a pegada de carbono dos clientes, mas permite que os usuários comprem créditos como simples investimento, já que também são negociados Bolsas de criptoativos.
US$ 10 a tonelada
Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de Economia de Carbono Zero do Instituto Clima e Sociedade lembra que os projetos REDD não retiram carbono da atmosfera e, sim, estimam quanto deixará de ser emitido.
Os créditos não são comercializados no mercado regulado, que usam outra metodologia para certificar o carbono que é de fato sequestrado e no qual o valor de negociação é bem mais alto. Neste, a tonelada de carbono passou de 50 euros (cerca de US$ 58) em 2021, enquanto no mercado voluntário ela vale de US$ 10 a US$ 13 no varejo.
— São classes de ativos diferentes. Não adianta comprar crédito de carbono no mercado voluntário achando que ele vai chegar à cotação do regulado. É como comprar título da dívida brasileira e achar que ele vai virar um título do Tesouro americano — diz ele.
— E é preciso avaliar o projeto que se pretende apoiar. Os projetos REDD partem do princípio de que se está evitando um desmatamento. Mas será que essa terra seria desmatada de fato? Eles vão contribuir para resolver a questão climática? É isso que a pessoa precisa ter em mente ao comprar os créditos.
Uma vez analisados os projetos, Pinheiro avalia que o mercado de crédito de carbono é um nicho a ser explorado como negócio.
Na Myoffsets, start-up fundada pelo paulistano Gustavo Taiki, de 18 anos, é possível comprar créditos de carbono para neutraliza desde um dia de emissões (R$ 78) até um ano (R$ 930). O cálculo considera a emissão média dos americanos, de 18 toneladas de carbono diárias. Em dois anos, Taiki vendeu créditos para 50 pessoas e três pequenas empresas, todas no exterior.
— Ainda falta consciência ao brasileiro. Lá fora, o mercado de crédito de carbono é bem mais amadurecido — diz Taiki.