O anúncio de que o governo Bolsonaro iria recriar o Ministério do Trabalho pegou não só especialistas e Congresso de surpresa, como também membros do alto escalão do governo federal. Embora a recriação de ministérios fosse esperada, nem os mais audaciosos podiam prever a divisão no Ministério da Economia, pasta de Paulo Guedes, a quem foi prometido total autonomia, sem interferência direta do Palácio do Planalto.
A pressão do Congresso Nacional sobre Guedes, no entanto, iniciada nas discussões sobre emendas parlamentares no Orçamento 2021, ascendeu o alerta na sede do ministério, principalmente após reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), em que foi pedida a volta dos ministérios do Trabalho e Indústria. Para conseguir aprovar pautas do governo, era necessário ceder as vontades do bloco político criticado ferrenhamente por Bolsonaro nas eleições de 2018, o hoje pilar do governo Centrão.
Em entrevista à rádio Banda B, de Curitiba (PR), Jair Bolsonaro disse que a divisão do Ministério da Economia dará 'certa descompressão' a Paulo Guedes.
"Dá uma certa descompressão no Paulo Guedes e deixa o Onyx Lorenzoni tratar dessa questão importantíssima que precisamos, sim, além de recuperar empregos, é buscar mais alternativas para atender os desassistidos", disse.
Entretanto, internamente é clara que a decisão foi vista como manobra de apoio político, o que enfraquece as decisões de Guedes e diretamente tira poder do outrora 'superministro'.
"Considerando que ele [Guedes] tinha uma enorme concentração de poder, ele acaba objetivamente perdendo o poder político. Outra questão é a perda de orçamento e na área pública ter orçamento significa recurso, fazer política pública, e é muito provável que, por exemplo, recursos do FAT, que financia obras volumosas e políticas públicas, venham a sair do ministério e passem a ser gerenciados pelo Onyx Lorenzoni. Seja pelo lado político ou recursos econômicos, Guedes perderá poder", afirma Eduardo Grin, cientista político da FGV EAESP.
Fontes ligadas ao ministro da Economia informaram ao iG que Guedes condicionou a recriação da pasta do Trabalho às aprovações das reformas administrativa e tributária no Senado. As negociações devem ser repassadas para Ciro Nogueira, novo ministro-chefe da Casa Civil.
"A participação do Centrão no Governo é para fortalecer a posição política do Bolsonaro. O Guedes vai perder seu poder, mas não a importância. Para o Planalto, ele é uma figura estabilizadora e que atrai o investimento externo e dá perspectiva positiva para investidores. A entrada de partidos no governo visa melhorar o fato de Guedes não ser um político. Embora o ministro tenha boa influência na Câmara, a situação de Guedes no Senado é bem complicada", explica Rodrigo Araújo, coordenador do curso de ciências econômicas do Ibmec-SP.
A preocupação de Guedes é que há forte apoio da Câmara dos Deputados às propostas apresentadas, mas os textos poderão travar no Senado, onde o ministro tem menos trânsito. Outro fator preocupante para a tramitação do texto entre os senadores é o possível afastamento entre Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Jair Bolsonaro. As falas antidemocráticas do presidente nas últimas semanas sobre a possibilidade de não haver eleições em 2022 caso não seja aprovado o voto impresso foram mal recebidas por Congressistas. A situação fica ainda pior quando a ala política aliada a Bolsonaro ressalta a possibilidade de Pacheco se candidatar à presidência da República, ou seja, ameaça ao atual mandatário do Brasil.
De carta-branca a divisão da pasta
Economista renomado no país, Paulo Guedes se tornou ministro de Bolsonaro antes mesmo das eleições de 2018. Durante as negociações para a candidatura, Jair Bolsonaro via em Guedes seu fiel escudeiro quando o assunto é economia, tanto que ressaltou a carta-branca ao ministro, chamado de 'Posto Ipiranga' e encarado como um 'superministro'.
Eleito, Bolsonaro juntou quatro ministérios e repassou o comando a Guedes. Além do Ministério da Fazenda, Trabalho, Indústria e Planejamento faziam parte do super-ministério.
Com promessa de agenda liberal, Paulo Guedes passou a estudar reformas estruturantes que, segundo especialistas, se faziam e se fazem necessárias no país. No entanto, as alterações tributárias e administrativas ficaram estacionadas em 2020, devido às urgências de gastos com a pandemia e a falta de habilidade política do governo, constantemente em crise.
Ainda no ano passado, Paulo Guedes começou a ver que sua prometida carta-branca passou a ser diminuída. A necessidade de apoio a pautas ideológicas e outras agendas do governo federal fizeram o Palácio de Planalto se aliar ao Centrão, bloco de partidos criticado por Bolsonaro na campanha eleitoral e no primeiro ano de mandato.
"A perda de poder dele se deve ao fato de passarmos dois anos e meio, indo para o final do terceiro ano de mandato, e ele não conseguiu entregar nada que ele prometeu durante a campanha. Ele queria privatizar as estatais até agora que nós temos, é esse fiasco da Eletrobras. Prometeu que iria zerar o déficit público e até agora não há nenhum sinal. Reforma administrativa, no sentido de reorganizar sobretudo as relações de trabalho dos servidores públicos. Nada foi feito. A reforma tributária é essa confusão que ninguém sabe onde vai dar", diz o professor da FGV.
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A redução dos valores repassados à Previdência Social para atender demandas políticas foi a gota d'água para o afastamento de Guedes da ala política. Enquanto deputados e senadores queriam aumentar os valores destinados para emendas carimbadas (valores destinados para redutos eleitorais de congressistas), a equipe técnica do Ministério da Economia estudava alternativas de evitar uma possível ultrapassagem dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Em meio às conversas sobre o Orçamento 2021, Bolsonaro se viu pressionado para trocar a frente de negociações e resolveu assumir as tratativas.
"O Guedes continua fazendo parte porque ele é um ministro técnico. Tem bom diálogo com poderes econômicos e acaba sendo fundamental para o governo manter boa relação e apoio de investidores", ressalta Rodrigo Araújo.
Ameaça de saída
As cobranças sobre Guedes para atender as demandas da ala política fizeram o ministro fugir dos holofotes por semanas. No entanto, quando surgiu a possibilidade de divisão do Ministério da Economia no começo do ano, Paulo Guedes foi enfático ao dizer para sua equipe que poderia desembarcar do governo Bolsonaro. As ameaças cessaram após o presidente da República dizer, publicamente, que não haveria divisão do ministério de Guedes e que ele ainda tem carta-branca na pasta.
Ao receber a notificação da recriação do Ministério do Trabalho, Guedes articulou a junção da secretaria de Orçamento e Tesouro na pasta da Fazenda. O objetivo era não perder o poder de decidir a destinação de verbas orçamentárias.
Especialistas ouvidos pela reportagem e assessores próximos a Paulo Guedes acreditam em forte interferência do Centrão nas decisões do Ministério da Economia, mesmo sem o aval do ministro. Na visão de fontes ouvidas pelo iG, as discussões sobre o Orçamento de 2022 devem ser o ponto de partida para desavenças entre Guedes e membros da ala política ligados aos interesses de parlamentares.
"Com o Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados e o Ciro Nogueira na Casa Civil, não tenha dúvidas de que eles vão comandar a economia do país", afirmou Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, na live do Brasil Econômico realizada na quinta-feira (29).
Assessores de Guedes, por outro lado, dizem acreditar que os desgastes do ministro da Economia nos últimos meses podem fazer com que ele não volte ao comando da pasta caso Bolsonaro seja reeleito. O próprio Guedes teria dito à equipe técnica que aprovando a agenda de reformas seu "dever estava cumprido".
Mas as ameças parecem não assustar o Palácio do Planalto. Até 2022, outra reforma ministerial será realizada, mas Paulo Guedes deverá se manter intacto, segundo especialistas.
"Acho que é cedo para fazer qualquer levantamento sobre esse ponto. Acredito ser uma questão que não se coloca nesse momento. Acredito que faz parte do movimento natural de transição para o Centrão entrar no governo Bolsonaro", opina Rodrigo Araújo.
"Não faria sentido a troca do ministro da economia, pois uma mudança de política econômica não dá resultado em curto prazo, então tirar um ministro da economia no ano da eleição é como o treinador de futebol que toca um lateral por outro aos 45 do segundo tempo. Esquema tático não muda. O segundo fator é que, embora seja muito frágil, Guedes é o 'chão' que resta de discurso para o Bolsonaro para dizer que ele tem em sua equipe alguém do mercado, alguém que dialoga com os bancos, alguém que entende discurso do liberalismo e todo seu discurso que até agora não virou em nada.", complementa Grin.
Reincorporação do Ministério do Trabalho?
Após a dissolução da secretaria do Trabalho e Previdência, Guedes e sua equipe iniciaram estudos para convencer Bolsonaro da importância da pasta incorporada no Ministério da Economia. A intenção é reincorporar o Ministério do Trabalho após a saída de Onyx Lorenzoni, em abril de 2022, para se candidatar ao governo do Rio Grande do Sul.
Caso a reincorporação não seja possível, técnicos da pasta econômica querem indicar Bruno Bianco, atual secretário e braço direito de Guedes, como novo ministro. Mas, segundo especialistas, isso irá contra as pretensões de Bolsonaro para 2022, que precisa do apoio do Congresso Nacional e de partidos políticos para se manter no Palácio do Planalto e ter a possibilidade de reeleição no próximo pleito.
"Isso não vai acontecer. Imagina que o Centrão vai devolver a bolada que ganhou com o Ministério do Trabalho. Bolsonaro precisa de apoio em ano eleitoral e o Centrão quer dinheiro. É impossível ter essa reincorporação no Ministério da Economia, ainda mais a destinação do ministério para um aliado do Guedes", diz o cientista político da FGV.
"O Bolsonaro já deu todos os sinais que ele precisa do Centrão. Já o centrão dá sinais de que entende Bolsonaro como um aliado potencial para próxima eleição, ou seja, esse pacto já está feito", opina o professor do Ibmec-SP.