Golpe da maquininha: entregadores têm feito dezenas de vítimas; veja como evitar
Os golpistas digitam nas máquinas de cartão de crédito e débito valores bem superiores àqueles que afirmam estar cobrando
Aplicativos de delivery de comida estão sendo usados por criminosos para aplicar o chamado “ golpe da maquininha ” em clientes no Rio. Entregadores dessas plataformas são suspeitos de envolvimento nessa nova modalidade de fraude , que tem feito dezenas de vítimas. Investigações da Polícia Civil apuram se os profissionais têm participação direta nos crimes ou se podem ter sido vítimas de algum tipo de golpe ou roubo de dados . O EXTRA localizou ao menos seis pessoas que foram lesadas nos últimos meses e registraram os casos em delegacias da Zona Sul da cidade e do Centro.
Os clientes dos aplicativos relatam dois tipos de golpes. Em ambos os casos, os golpistas digitam nas máquinas de cartão de crédito e débito valores bem superiores àqueles que afirmam estar cobrando. As vítimas, em geral, não percebem a fraude e colocam as suas senhas após solicitação do criminoso.
Em um dos golpes, o entregador afirma que houve problemas com a taxa de entrega, por isso será necessário efetuar o pagamento diretamente a ele. Em outro, comunicam supostos problemas com a entrega em si, também para que o valor total do pedido seja pago a ele.
No Rio, não há uma estatística especificamente para esses golpes. Mas entre 2020 e 2021, houve aumento de 33,4% no número de casos de estelionato no estado. Nos seis primeiros meses do ano passado, foram 21.959 registros, contra 29.302 no mesmo período de 2021. Os números são do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Um professor de 41 anos foi uma das vítimas do "golpe da maquininha". Ele pediu um lanche pelo iFood em junho deste ano. Enquanto aguardava o pedido, recebeu uma ligação informando que a entrega não tinha sido cobrada no valor total do pedido, debitado de seu cartão, por isso a taxa deveria ser paga ao entregador.
O entregador, ao chegar à casa da vítima, digitou o valor de R$ 4,90 em seu telefone celular e apresentou uma máquina que tinha o visor apagado para que ele digitasse sua senha. O homem fez tudo sem tirar o capacete usado para pilotar a moto. Posteriormente, quando o entregador já tinha ido embora, o professor recebeu uma mensagem de texto no celular informando um pagamento no valor de R$ 3.304,90. Ou seja, o entregador inseriu três dígitos — 330 — antes do valor que cobraria, causando imenso prejuízo à vítima.
Já um advogado sofreu a segunda modalidade de golpe que vem sendo aplicada. O homem pediu uma refeição pelo aplicativo Rappi e forneceu os dados bancários, no ato do pedido, para que a compra fosse debitada de seu cartão de crédito. Após cerca de 20 minutos, ele recebeu uma mensagem pelo aplicativo alegando que o motorista responsável pela entrega tinha sofrido um acidente. Ainda de acordo com a mensagem, outro entregador seria enviado em seu lugar, mas o cliente deveria pagar o pedido no ato da entrega.
Segundo a vítima, o entregador passou seu cartão duas vezes, alegando problemas na primeira tentativa. O homem também permaneceu durante todo o tempo usando capacete e máscara. Mais tarde, ao conferir sua conta no aplicativo do banco, o advogado constatou que tinha debitado um total de R$ 3.909,98 de seu cartão, valor bem superior ao de seu pedido, que custou R$ 30.
Há duas semanas, uma jornalista quase foi vítima do mesmo golpe. Após fazer um pedido em uma hamburgueria pelo Rappi, o entregador fez contato pelo chat do aplicativo, informando que tinha sofrido um acidente e a comida tinha sido danificada. Ele afirmou ter retornado ao restaurante, mas o estabelecimento estava solicitando o telefone da cliente para que pudesse liberá-lo para procurar um hospital em razão da suposta queda. Mesmo desconfiada, ela forneceu o número. Em seguida, ligou para o restaurante e foi informada de que não havia nenhum entregador acidentado no estabelecimento.
"Minutos depois, me ligaram dizendo ser do iFood, falando sobre o acidente e informando que estavam enviando outro lanche. Mas logo estranhei porque meu pedido tinha sido do Rappi. O homem ainda disse que por causa da demora, iria estornar meu pagamento e eu só precisaria pagar R$ 3,99 pela entrega diretamente ao entregador. Disse que não queria, que desejava pagar tudo pelo aplicativo, mas o homem afirmou não ser possível. Eu informei que cancelaria o pedido", conta a jornalista.
Mesmo informando que cancelaria o pedido, após dez minutos, constou no aplicativo da jornalista que seu lanche tinha chegado. Ao olhar pela janela, ela viu que havia dois homens numa moto e com o baú de entregas do IFood. Com medo, ela não atendeu ao interfone.
"Uma atendente do Rappi me disse que eles provavelmente fariam isso para cobrar o valor de R$ 3.999 no meu cartão. Ela contou que isso tem acontecido muito. Eu não sei o que queriam, mas fiquei apavorada", afirma.
A modelo Yasmin Brunet não teve a mesma sorte e acabou caindo no golpe. Ela teve um prejuízo de R$ 7.900 com uma compra, já paga no cartão, de R$ 77. Em sua rede social, Yasmin relatou que após ter feito o pedido pelo Rappi, recebeu a ligação de uma mulher que se apresentou como funcionária do restaurante, relatando que o motoboy responsável pela entrega tinha sofrido um acidente. Com isso, um novo pedido seria enviado após o cancelamento do original.
O entregador chegou em dez minutos, estacionou do outro lado da rua e não tirou o capacete. O motoboy mostrou a tela do celular com o valor de R$ 77 e afirmou que o telefone estava conectado à máquina do cartão. O equipamento tinha o visor desligado.
Yasmin relatou ter digitado a senha, mas o entregador disse que a transação não foi aceita e acabou indo embora. Ao entrar em contato com a operadora do cartão de crédito, constatou que foi vítima de golpe.
A assessoria de imprensa do Rappi esclareceu que o caso de Yasmin já foi resolvido e ressaltou que não há nenhuma prática de pagamento de qualquer espécie feita diretamente aos entregadores. Até mesmo gorjetas devem ser pagas pelo aplicativo. A empresa recomenda que, caso lesados, os clientes façam registro de ocorrência na polícia e registrem o pedido de cancelamento da transação fraudulenta na operadora de cartão de crédito.
Há, ainda, relatos de problemas com um terceiro aplicativo, o Lalamove. Uma advogada teve prejuízo de R$ 5 mil reais ao cair no golpe aplicado por um entregador da plataforma. Segundo ela, ao chegar em seu endereço, o homem alegou que houve um problema de cálculo no valor total do pedido e solicitou o pagamento adicional de R$ 2,88 no cartão. A mulher forneceu o cartão e digitou a senha. Posteriormente, notou ter sido cobrado R$ 5 mil.
Em nota, a Lalamove informou que quando há comprovação de alguma irregularidade cometida pelo motorista parceiro, que não possui vínculo com a empresa, o entregador é suspenso definitivamente e não pode mais atuar. A empresa acrescenta que fez uma página alertando para o chamado “golpe da maquininha”, na qual dá dicas para os clientes não serem vítimas dos criminosos.
O iFood também ressaltou que quando o consumidor opta pelo pagamento online, jamais é exigido um pagamento adicional no momento de receber o pedido. “A orientação é ele se recusar a fazer qualquer tipo de pagamento e acionar, imediatamente, o chat do iFood para reportar a atividade suspeita”, informa a empresa. O iFood acrescentou que quando constatada a fraude por parte de um entregador cadastrado no aplicativo, o cliente é ressarcido e o entregador, desligado.
O Procon/RJ dá algumas dicas para se proteger das fraudes, como pagar apenas após conferir o valor na máquina do cartão; pedir sempre o comprovante impresso na máquina, além da nota fiscal da compra; em caso de dúvidas, entrar em contato com o estabelecimento no qual o pedido foi feito; no caso de ser vítima de uma tentativa de golpe, denunciar o caso.
Veja, abaixo, as notas das empresas na íntegra.
Posicionamento do Rappi
"O Rappi informa que não opera com máquinas de cartão de crédito ou débito e reforça que não há nenhuma prática de pagamento, de qualquer espécie, feita diretamente aos entregadores. Mesmo no caso de gorjetas, o usuário também deve fazê-lo por meio do aplicativo para garantir a segurança de todos. O Rappi instrui todos os seus entregadores parceiros a cumprirem integralmente as regras e as leis, sendo expressamente rechaçadas as condutas contrárias. O Rappi ainda disponibiliza em seu aplicativo um canal de atendimento aos clientes — em que é possível reportar qualquer problema na plataforma —, e recomenda que, caso lesados, os usuários façam boletim de ocorrência e registrem pedido de cancelamento da transação fraudulenta na operadora de cartão de crédito. A companhia informa ainda que sempre analisa os casos reportados, toma as medidas necessárias de acordo com os Termos e Condições do aplicativo e está à disposição dos órgãos competentes para quaisquer necessidades de esclarecimentos. A empresa estruturou, inclusive, uma equipe que trabalha em conjunto com as polícias civil e federal para identificar o modus operandi das fraudes, como os locais mais utilizados e o perfil do fraudador".
Posicionamento do iFood
"O iFood repudia desvios de conduta de qualquer usuário cadastrado no aplicativo, sejam consumidores, estabelecimentos parceiros ou entregadores independentes. Para se cadastrar na plataforma como entregador, os(as) interessados(as) devem incluir os dados e documentos solicitados, que variam de acordo com o modal de entrega escolhido: moto, bike ou carro. Em seguida, os dados e os documentos são verificados, o que inclui reconhecimento facial. Essa validação facial também é solicitada de forma periódica, para garantir que o entregador é ele mesmo e evitar o aluguel e empréstimo da conta. Para evitar que os consumidores caiam em golpes, a empresa tem reforçado sua comunicação em diferentes canais, como nas redes sociais, e no próprio aplicativo, com orientações para não aceitarem cobrança de valores adicionais na entrega, além de confirmarem o pagamento via plataforma.
O iFood também destaca que, quando o consumidor opta pelo pagamento online, jamais é exigido - nem por telefone, mensagem ou pessoalmente - um pagamento adicional na hora de receber o pedido. A orientação é ele se recusar a fazer qualquer tipo de pagamento e acionar, imediatamente, o chat do iFood para reportar a atividade suspeita.No caso de qualquer ocorrência, é importante que o consumidor faça um boletim de ocorrência e sempre acione a empresa pelos canais oficiais de atendimento, encaminhando os documentos pertinentes. Se for constatada a fraude por parte de um entregador cadastrado no aplicativo do iFood, a empresa ressarce o cliente, desativa o entregador e se coloca à disposição das autoridades policiais para contribuir com informações que elucidem o caso.
O iFood ainda reforça que mantém um time dedicado à investigação e prevenção a fraudes, visando minimizar e combater, da maneira que lhe cabe, esse tipo de golpe de forma preventiva. As denúncias recebidas contribuem para o trabalho de prevenção, que envolve o uso de dados para prever esse tipo de comportamento criminoso e promover ações para evitá-lo sempre que possível. Sempre que pertinente, o iFood encaminha as denúncias para apuração pelas autoridades competentes".
Posicionamento do Lalamove
"A Lalamove informa que atua como uma intermediária, conectando quem precisa fazer uma entrega a motoristas parceiros. Os entregadores são autônomos e não têm nenhum tipo de vínculo empregatício com a Lalamove. A Lalamove se responsabiliza apenas por pagamentos referentes ao valor da entrega. Transações relacionadas a produtos não são de nossa responsabilidade, tal como amplamente divulgado em nossos Termos & Condições.
Quando há a comprovação de alguma irregularidade cometida pelo motorista parceiro, o entregador é suspenso definitivamente e não pode mais fazer entregas na plataforma.Por questões de segurança, nós recomendamos que nossos clientes evitem enviar máquinas de cartão junto com os motoristas parceiros. Estamos orientando nossos clientes há alguns meses sobre práticas indevidas dos entregadores. Fizemos inclusive uma página, com informações sobre o chamado “golpe da maquininha” e com dicas para evitá-lo.
Recomendamos também que empresas que usem serviços de entrega prefiram formas de pagamento virtuais que aceitam cartão de crédito, como o PicPay ou o Ame Digital. O Pix é outra alternativa segura para receber o valor dos produtos.Se você for cliente, prefira pagamentos virtuais. Ainda assim, caso queira pagar usando uma maquininha, sempre olhe o valor exibido na tela antes de digitar a senha. Se possível, peça uma via impressa da transação".