INSS: fila da perícia médica deixa segurados sem renda por mais de 40 dias

A Secretaria de Previdência e Trabalho diz que o tempo médio entre o agendamento e a realização da perícia médica presencial está em 39 dias no Brasil

Foto: Reprodução: iG Minas Gerais
A Secretaria de Previdência e Trabalho diz que o tempo médio entre o agendamento e a realização da perícia médica presencial está em 39 dias no Brasil

A pandemia de coronavírus trouxe mais um cenário inusitado para os trabalhadores infectados com a Covid-19 que precisaram dar entrada no auxílio-doença do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS): o gargalo nas concessões do benefício para quem está doente e até a alta médica. Hoje existem 386.677 agendamentos de perícia médica presencial para auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). A Secretaria de Previdência e Trabalho garante que o tempo médio entre o agendamento e a realização da perícia médica presencial está em 39 dias no Brasil .

A afirmativa da autarquia é rebatida por Guilherme Portanova, advogado da Federação das Associações de Aposentados do Estado do Rio de Janeiro (Faaperj), há relatos de espera superiores a esse prazo médio. Em um dos casos a que a reportagem teve acesso à falta de concessão do auxílio-doença levou a um problema maior: a postergação da alta médica, que prejudica não só o trabalhador, mas também o empregador.

Dos mais de 386 mil agendamentos no INSS, 262.707 são casos de primeira perícia presencial – a que concede o benefício –, 41.806 são casos de perícia com atestados médicos (perícia indireta) e 82.164 são requerimentos de segurados que já estavam afastados e pediram prorrogação do auxílio ou alta médica. O tempo de espera para concessão, no entanto, não foi detalhado pela Secretaria de Previdência Social.

O atraso nas perícias médicas não compromete somente os casos de auxílio-doença, outros benefícios também dependem da análise de peritos. Somados, eles chegam a 175.159 pedidos esperando atendimento ou análise.

São eles: 111.825 tarefas de auxílio por incapacidade temporária pendentes de análise da documentação médica (Lei 14.131), 59.674 pedidos de Benefícios de Prestação Continuada (pago a idosos e deficientes de baixa renda), 1.598 agendamentos para concessão de benefício da Pessoa com Deficiência (Lei Complementar nº 142), e 2.062 agendamentos ativos de Perícia para Avaliação de Dependente Inválido.

"Essa situação agravada pela grande demora não só nas análises de pedidos de benefícios por incapacidade por parte do INSS, mas também por parte do Poder Judiciário, vai aumentar ainda mais o denominado limbo trabalhista, que é quando a empresa entende que o trabalhador está inapto, o envia ao INSS e o perito nega o benefício ou não o analisa a tempo, ficando o trabalhador em uma terrível situação, não pode trabalhar por estar incapaz e fica sem a mais que a devida proteção social por parte do INSS", diz Portanova.

Resposta da secretaria

Questionada sobre a demora na análise e resposta aos requerimentos, a Secretaria de Perícia Médica Federal informou que "não possui métrica de tempo de espera para os pedidos de auxílio por incapacidade temporária com avaliação de documentação médica".

Acrescenta ainda que "essa modalidade foi colocada como alternativa justamente para aqueles casos em que o segurado não pode se deslocar para fazer a perícia presencial ou em casos em que o tempo para a realização da perícia está acima de 60 dias".

"É importante lembrar que essa é uma das alternativas e que o segurado pode escolher por fazer a perícia presencial numa agência mais próxima de sua residência onde a data de agendamento for mais conveniente", finaliza.

Dificuldade para receber o benefício

Embora a Lei 14.131, estabeleça que o INSS conceda benefício de auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) sem perícia presencial mediante a análise de atestado e outros documentos médicos até 31 de dezembro, segurados encontram dificuldade para receber o benefício e até mesmo para ter alta médica e retornar ao trabalho.

Diagnosticado com Covid-19 em março passado, o trabalhador que chamaremos de X ficou afastado para tratamento médico por 15 dias. Nesse período conforme determina a regra previdenciária, o salário é pago pelo empregador, o que ultrapassar esses dias deve ser coberto pelo INSS via benefício por incapacidade temporária.

Ocorre que, ao retornar para avaliação médica, X teve sua licença médica prorrogada por mais 30 dias, o que motivou o pedido do auxílio pelo aplicativo Meu INSS. Convalescendo da Covid, X conta que o requerimento foi feito dentro do prazo e que foram anexados todos os documentos médicos solicitados. Mas, ao invés de ter o benefício concedido dentro do prazo, o requerimento ficou em análise por 90 dias.

E tanta demora acabou gerando outro problema: a alta médica para poder voltar ao trabalho. Para conseguir retomar a vida pós-Covid X terá que passar pela perícia inicial. Nesse atendimento, segundo a advogada Adriane Bramante, "ele vai passar pela perícia médica presencial e se o médico entender que havia incapacidade, dará o período do requerimento até a data do retorno ao trabalho".

"Do fim de maio até a última semana, o processo constava sempre "em análise". Sexta-feira passada, o sistema mostrou como "concluído", necessitando, no entanto, que eu faça uma perícia presencial para a definição do benefício. Consegui marcar para dia 6 de agosto. Só nesse dia, no fim da noite, vou ter o resultado divulgado. E aí sim receber o auxílio retroativo, que até agora não recebi nada", conta X.

"Com isso estou sem receber desde abril, precisei pegar dinheiro emprestado com meu pai, para pagar as contas. Até tinha uma reserva financeira, mas pequena, não segurou mais de um mês e meio", diz.

Portaria garante pagamento, mas...
Publicada em edição extra do Diário Oficial da União em 31 de março, a Portaria Conjunta 32 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho e do Instituto Nacional do Seguro Social, disciplinou a concessão do auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) sem a realização de perícia presencial, nos termos autorizados pela Lei nº 14.131. Segundo a portaria, no procedimento há efetiva concessão do benefício pelo seu valor integral.

Até o dia 31 de dezembro deste ano, os segurados poderão apresentar seu requerimento de auxílio-doença pelos canais de atendimento remoto do INSS, acompanhado do atestado médico e, complementarmente, de exames, laudos, relatórios ou outros documentos que comprovem a doença informada.

É importante destacar que o auxílio por incapacidade temporária concedido por meio desse procedimento terá o prazo máximo de 90 dias e não poderá ser prorrogado. Se necessário, o requerente poderá pedir novo benefício, mediante agendamento de exame médico pericial presencial. Quando o perito entender que os documentos são insuficientes para concluir pela concessão do benefício será solicitado atendimento presencial.

Sem pagamento desde janeiro deste ano

O caso da bancária C.G., 41 anos, moradora do Engenho Novo, na Zona Norte do Rio, é mais um que se soma às pericias médicas e demora na solução de problemas do INSS.

"Após uma cirurgia dei entrada no pedido do auxílio-doença em 20 de outubro de 2020, sendo a perícia marcada para o dia 2 de dezembro seguinte na agência da Previdência da Praça da Bandeira onde o perito me mandou gentilmente calar a boca, viu todos os meus exames, viu meus laudos, mas não me deu resposta às 21h como sempre dizem", conta.

"Minha saga começou no dia seguinte (3), como não tive resposta, abri um acerto pós-perícia que tem prazo de cinco dias úteis. Após esse prazo sem resposta abri uma reclamação na Ouvidoria do INSS, que tem prazo de 15 dias. Mais uma vez sem resposta fui ao posto, lá descobri que haviam transferido meu benefício para Del Castilho, que estava fechado. Fiz outra reclamação na Ouvidoria informando que meu benefício foi enviado para um posto fechado por causa da pandemia."

No dia 27 de janeiro ela recebeu a resposta de que o benefício foi deferido de 20 de outubro (data da entrada do requerimento) a 2 de dezembro de 2020 (dia da perícia). Ocorre que o procedimento médico foi realizado em 29 de setembro e, segundo a bancária, todos os documentos foram apresentados ao perito, inclusive do período de afastamento e do tempo necessário para o tratamento.

"Estou sem pagamento desde 27 de janeiro de 2021, recebendo cesta básica de amigos, me endividando com o banco e peguei empréstimo com amigos", lamenta. Ela explica que no final de janeiro passado pediu revisão da decisão da perícia médica e entrou com recurso, que está até hoje, julho de 2021, sem resposta.

"Anexei todos os documentos para ajuste da data e laudos. E como o INSS me deu resultado após 30 dias da perícia perdi o direito de prorrogação do benefício. Por causa disso fui obrigada a entrar com ação judicial", diz a bancária. A sentença favorável saiu no dia 29 de junho. O prazo para o instituto restabelecer o benefício e pagar a segurada é de até 20 dias úteis.

Atraso impede retomada da economia

"O atraso na resposta das perícias médicas não é um problema que atinge individualmente os trabalhadores, ele está afetando a economia como um todo à medida que as empresas não conseguem saber com quem vai poder contar no retorno das atividades presenciais", avalia a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio de Janeiro (ABRH-RJ), Lucia Madeira.

De acodo com a especialista, esse é o momento que as empresas estão pensando na retomada das atividades, inclusive acompanhando o avanço da vacinação dos funcionários.

"A volta de todos que foram afastados por qualquer motivo de saúde, e que estejam com alta médica, seria muito importante para que as empresas pudessem se planejar, saber quem fica em home office integral ou parcial, quem volta para o ambiente de trabalho e isso tudo está sendo prejudicado pelo lento andamento do retorno do INSS em relação às perícias médicas", diz Lucia.

"Situações muito simples que não precisariam de grandes avaliações, bastando o laudo do médico assistente, não estão tendo solução", critica.

Ela explica que de um lado o funcionário fica com medo de retornar ao trabalho e perder o período que ficou afastado. Do outro, as empresas, que têm receio de assumir o retorno apenas com a alta do médico assistente e não pelo INSS e de alguma forma estarem criando um problema trabalhista.

"Esta é uma situação de impasse muito grande e que quanto antes o INSS agilizar e liberar os funcionários afastados, mais rapidamente a economia vai voltar ao normal", afirma.

Veja  aqui como pedir o auxílio-doença