A crise no Orçamento deste ano pode se repetir em 2022 , ano de eleições presidenciais, após uma mudança feita pelo Congresso na norma que estabelece as diretrizes para as despesas do governo.
O texto aprovado no Congresso para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 suprimiu trechos da proposta original do governo que traziam algum tipo de blindagem para as despesas obrigatórias , como aposentadorias e salários.
O Ministério da Economia inseriu um mecanismo de proteção para as despesas obrigatórias na proposta, após a crise do Orçamento deste ano, quando o texto aprovado previu cortes de quase R$ 30 bilhões em gastos com aposentadorias e seguro-desemprego. Esse tipo de despesa não pode ser cortada ou bloqueada.
A ideia do governo era que só poderia haver alteração nesse perfil de gasto com base em pareceres técnicos que justificassem os cortes. Essa exigência, porém, foi retirada da LDO aprovada no Congresso semana passada.
O texto também definiu um fundo eleitoral de ao menos R$ 5,7 bilhões que o presidente Jair Bolsonaro já afirmou que vetará.
O Orçamento do ano passado destinava R$ 26 bilhões para as chamadas emendas de relator, destinadas a obras e ações de interesse de deputados e senadores da base aliada do governo. Para chegar a esse montante, foram feitos cortes em áreas como a Previdência e gastos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com seguro-desemprego e abono salarial.
O problema é que não havia justificativa técnica para os cortes, que precisaram ser revistos posteriormente.
As despesas obrigatórias, como o próprio nome sugere, precisam ser executadas. Por isso, num episódio que desgastou o Ministério da Economia, o governo precisou combinar vetos e bloqueios de cerca de R$ 30 bilhões para sancionar o Orçamento deste ano e recompor as despesas obrigatórias, em um processo que consumiu meses, gerou atrito político para o governo, risco de paralisia da máquina pública e incerteza aos investidores em relação ao quadro fiscal.
Especialistas em Orçamento ouvidos pelo GLOBO avaliam que esse é um texto ruim para a LDO, traz retrocessos e que, politicamente, indica uma aposta para que os parlamentares tenham mais poderes sobre a execução orçamentária.
O risco, avaliam, é que o país repita o quadro de incerteza a respeito da capacidade de gastos do governo em ano eleitoral. Para Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, há risco de novo imbróglio em 2022:
"Sem dúvida as condições para a repetição da crise estão postas. Só não haverá se o Executivo aceitar as condições impostas e desistir de reagir", observa
A avaliação da professora de Economia do Insper Juliana Inhasz segue a mesma linha:
"A gente já teve grande dificuldade para conseguir aprovar o Orçamento e colocar as coisas para funcionar neste ano. Correu o risco de ter paralisação da máquina pública porque não tinha dinheiro, dada a demora da aprovação. Essa mudança (feita na LDO) abre caminho para repetir o mesmo cenário."
Procurado, o Ministério da Economia preferiu não comentar as mudanças “tendo em vista que o autógrafo ainda não havia chegado para o Executivo até o início da tarde da terça-feira e que a matéria ainda passará por análise para sanção e veto”.
Autógrafo é o nome técnico dado a um projeto aprovado pelo Congresso que segue para sanção presidencial.
As bases colocadas para uma nova crise orçamentária em 2022 ocorrem no momento em que o governo passa por uma minirreforma ministerial e em que o Centrão aumenta sua participação em postos-chave.
O texto original da LDO previa que as despesas obrigatórias “somente poderão ter a sua projeção alterada pelo Congresso Nacional se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal, cuja justificativa para a alteração contenha manifestação da área técnica responsável pela projeção, podendo ser ratificada pelo Ministro da Economia, mediante parecer de órgão ou entidade de competência técnica responsável pela projeção no âmbito do Poder Executivo”.
O texto proposto pelo governo também determinava que qualquer alteração na projeção de despesas, quando significar um aumento, teria de ser compatível com a meta fiscal, resultado das contas públicas previstas para o ano. Tudo isso foi suprimido no texto substitutivo apresentado pelo deputado Juscelino Filho (DEM-MA).
Para Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, as mudanças remetem a problemas já enfrentados, o que permite antecipar a tomada de decisões tanto por parte do Legislativo quanto do Executivo.
"De forma geral, essas alterações feitas pelo Congresso permitem que uma situação parecida com a que aconteceu no Orçamento passado ocorra de novo, mas dificilmente isso vai se repetir. O Executivo já sabe como o Congresso pode se comportar e vai tentar se antecipar" avalia.
‘Captura do Orçamento’
Para ele, esse movimento é uma tentativa de o Congresso ampliar sua participação no processo orçamentário, mas as regras fiscais vigentes vão exigir uma contrapartida:
"Se o Congresso quiser uma participação maior no Orçamento, ele vai ter que cortar despesas."
A versão aprovada pelo Congresso incluiu a previsão de emendas de relator, que funcionam como porta de entrada para atender a obras e projetos de parlamentares em suas bases, e com mais funcionalidades do que nos outros anos.
Para especialistas, a LDO fixa a prerrogativa do relator-geral de indicar beneficiários e a prioridade da execução dos recursos. Essas mudanças contrariam recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU). Ao aprovar, com ressalvas, as contas do governo Bolsonaro de 2020, o órgão fez recomendações a respeito das emendas de relator.
Marcos Mendes afirma que as mudanças feitas pelo Congresso representam a “crescente consolidação da captura do Orçamento pela base de apoio do governo no Congresso”.