O Brasil , maior produtor e exportador de soja do mundo, dependerá das importações dos Estados Unidos para resistir à entressafra logo depois das exportações em massa para a China no primeiro semestre do ano.
Essa dependência de importações evidencia uma baixa nos estoques internos do país, consequência do alto volume de soja exportado e também do crescimento da demando do mercado interno. Isso normalmente acontece quando o grão está com um preço mais caro, superior ao preços dos meses em que o Brasil exportou sua produção.
De acordo com o estimado da Abiove (Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais), o volume importado pelo Brasil deve chegar a cerca de um milhão de toneladas em 2020, sete vezes maior do que a quantidade do ano anterior. Já as exportações devem ter alta de 10%, atingindo cerca 82 milhões de toneladas.
Somente em outubro, o Brasil importou 71 mil toneladas , valor muito maior do que o do mesmo período do ano passado, no qual importou 1,3 mil toneladas. Até o momento, em 2020, foram importadas 600 mil toneladas de soja, representando 379% a mais que em 2019, de acordo com a coluna Vaivém das Commodities, publicada pela Folha.
Até o mês de setembro, a maioria das importações de soja vinham do Paraguai , tradicional fornecedor do Brasil. Entretanto, no decorrer das últimas semanas, o departamento de agricultura dos Estados Unidos registrou embarques para o Brasil.
De acordo com informações da agência Reuters, o volume de soja importada dos EUA deve atingir, neste ano, o seu maior nível desde 1997. Essa procura por suprimento nos Estados Unidos evidencia um desequilíbrio no mercado, mesmo com a safra recorde.
Segundo o estimado pela Abiove, o Brasil terminará o ano com estoques de aproximadamente 320 mil toneladas, dez vezes menor do que o número de 2019.
"A gente exportou tanta soja que faltou soja no mercado interno", diz José Carlos Vannini Hausknecht, da consultoria MB Agro. Nos primeiros sete meses do ano, nos quais a maior parte da safra é vendida, o Brasil exportou 69,7 milhões de toneladas. Na comparação com o ano anterior, esse o volume exportado cresceu 36,4%.
A maior compradora da soja brasileira foi a China , que, sozinha, foi responsável por 50,5 milhões de toneladas, cerca de 72,5% do total exportado pelo Brasil. A quantidade importada pelos chineses foi 32,2% maior do que a de 2019.
Hausknecht afirma que esse aumento no consumo do país vem do medo de que a pandemia pudesse causar rupturas na cadeia de comércio de alimentos . Dessa forma, a China foi atrás de estoques para consumo humano e também para a criação de animais.
Durante o período, o Brasil se estabeleceu como o único grande fornecedor global de soja, já que a Argentina enfrentava forte crise econômica, diminuindo as exportações e os Estados Unidos apenas conseguem disponibilizar sua safra no segundo semestre.
O presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, afirma que o consumo interno também cresceu após o início da pandemia, já que o brasileiro passou a comer mais em casa. "Além disso, teve o auxílio emergencial e as pessoas ficaram com mais dinheiro."
As importações , porém, são feitas com cotações bem maiores que as do período de exportação. Em outubro, a cotação do grão de soja ultrapassou os US$ 1 mil (cerca de R$ 5,5 mil pela cotação atual) por bushel (unidade de medida equivalente a 27,2kg). Já no primeiro semestre, esse valor ficava na casa dos US$ 850 (R$ 4,7 mil).
Para reequilibrar o mercado, o governo zerou as tarifas de importação da soja , uma vez que os preços estão altos e o óleo de soja está em falta no país. Isso significa que a falta de estoque não afeta apenas o ramo alimentício, mas também o setor de combustíveis que sofre com o aumento do preço do biodiesel.
Na visão de Hausknecht, com a colheita da próxima safra , no primeiro semestre do ano de 2021, a situação se estabilizará. Outro fator que tranquiliza, segundo ele, é que a safra americana está vindo melhor do que a última, o que deve ajudar o mercado global. “Acho que ano que vem vai ser mais normal, porque os Estados Unidos vão vender bastante soja e o mercado deve ficar mais tranquilo", finaliza.
A queda da economia no segundo semestre
O economista-chefe da Abiove, André Furlan Amaral, afirma que a associação espera que próxima safra seja mais uma de recorde, fazendo com que as importações caiam à metade. Segundo ele, mesmo com a atual necessidade de importações, o ano de 2020 tem sido muito positivo para a produção de soja, tendo safra recorde e ampla demanda estrangeira.
"O Brasil conseguiu aproveitar as melhores oportunidades tanto no mercado interno quanto no mercado externo e agora, de maneira bastante madura, faz uso do fluxo de importações para complementar aquilo que for necessário", diz Amaral. "A importação é maior que nos anos anteriores, mas é pequena se comparada ao tamanho do complexo soja no Brasil."
Em nota, o Ministério da Agricultura afirmou que, de fato, importar soja dos Estados Unidos é uma prática incomum, mas ressaltou que "importar e exportar constituem operações triviais e dependem apenas dos sinais dos preços".
"A forte demanda internacional em 2020 foi atraente para as exportações antecipadas no Brasil. Aliás, se recomenda como proteção de ganho do produtor a venda antecipada do produto", afirma, apontando que a safra que está sendo plantada atualmente já foi praticamente vendida, usufruindo das altas cotações globais.