O economista Antônio Corrêa de Lacerda afirmou nesta terça-feira (18) que a criação de uma nova CPMF seria "mais um problema".
"É mais um problema, você não resolve os problemas do sistema tributário atual e adicionalmente cria um tributo que é muito ruim. Ele é muito fácil de arrecadar, por isso dá a sensação de ser 'indolor' mas na realidade ele não é", disse.
Lacerda é doutor em economia, professor e diretor da faculdade de economia, administração, ciências contábeis e empresariais da PUC-SP , consultor economico, autor de 20 livros de economia e foi o entrevistado na live do portal iG nesta terça-feira (18).
Confira alguns destaques da entrevista exclusiva:
Em um mundo ideal, a economia brasileira teria estourado?
Sim, com determinadas ressalvas. O Brasil pré-pandemia crescia pífiamente. As previsões apontavam um crescimento pequeno de 2% ao ano. Estaríamos longe do patamar atingido antes da recessão de 2014. A visão neoliberal ainda não atende aos desafios da indústria. Isso não tem precedente histórico.
Bolsonaro é a nova Dilma?
Diante da crise, o estado tem que gastar mais e melhor. É fundamental que haja investimento em políticas sociais, principalmente em função da pandemia. É preciso uma flexibilização para que o Estado aumente seu investimento.
Entramos no mérito do populismo fiscal também, com medidas feitas para sua própria popularidade. O problema é que nós utilizamos aqui a tática da "retomada da confiança", o que não funciona bem assim, precisamos ter uma base melhor.
Devemos lembrar da junção dos ministérios economicos no governo Bolsonaro que ainda não nos disseram ao que vieram, ou quais mecanismos irão utilizar.
Precisamos de políticas que incentivem o emprego num País como o Brasil .
Impressão de dinheiro
Não é a questão fundamental. O Estado é o monopólio da emissão de dívida e da emissão de moeda e pode utilizar este instrumento quando está em crise. Contudo, tal medida implica em um aumento da dívida pública. A dívida iria chegar a 100% do PIB .
Mas o Brasil não está sozinho, a maioria dos países do G20 estão ampliando seu endividamento e não por serem 'gastões' mas pelo fato dos Estados terem sido chamados para obter mais recursos. Portanto, a pior situação é não fazer nada.
Você viu?
A dívida iria crescer e nós teríamos que discutir como resolver este problema, inclusive, com uma profunda reforma tributária.
A questão fiscal mais ampla será resolvida apenas a longo prazo e a recuperação será demorada.
A própria recuperação da economia, caso ocorra de uma forma mais robusta e acelerada, ela ajuda a melhorar os indicadores fiscais.
Agora, se insistir no corte de gastos e na contenção, isso pode agravar a recessão e piorar o desempenho fiscal do País.
Criação de uma nova CPMF
É mais um problema, você não resolve os problemas do sistema tributário atual e adicionalmente cria um tributo que é muito ruim. Ele é muito fácil de arrecadar, por isso dá a sensação de ser 'indolor' mas na realidade ele não é.
É um imposto em cascata que acaba sendo repassado aos produtos finais então vai onerar o mais pobre também.
A questão principal não está sendo atendida por nenhuma das PECs ou propostas do governo. Nosso sistema tributário é altamente regressivo, quem ganha mais paga menos. É altamente centrado no importo indireto, sob produtos e não sobre a renda. Se um cidadão que ganha salário mínimo comprar uma TV de R$ 1000, R$ 500 são impostos.
Estatização
O governo Bolsonaro foi eleito sem apresentar um plano de atuação e sem algum debate prévio sobre os problemas que de fato importam. O que se pretende do Estado? E do setor privado? A privatização por si só não resolve, já vimos isso nos anos 90 e resolveu muito pouco.
Na verdade, a privatização assodada gera mais problemas do que soluções. Precisamos enfrentar o problema sobre a participação do Estado com mais discussão.
Desvalorização do Real
Tem um impacto significativo e negativo, somos fortemente dependentes da exportação e isso gera mais custos, além de gerar maior custo de vida.
O possível impacto positivo, se acompanhado de outras medidas, é que você torna a produção doméstica mais viável. O câmbio por si só não resolve. É preciso toda uma estratégia de desenvolvimento industrial nesse sentido.
Nem sempre as melhores soluções para as empresas é a melhor para a nação.
É correto falar que a Escola de Chicago é um pouco ultrapassada?
"Vários economistas de expressão já reviram suas posições em relação a isso. No Brasil , isso é ultrapassado. Nem a universidade de Chicago defende esses princípios que a equipe economica defende."
"Ficar preso a velhos dogmas do século passado não nos levará para frente. Existem críticas feitas pelos próprios liberais, pela forma adotada e execução. Então, deveríamos aproveitar as experiências passadas em outros países para se construir um modelo que realmente corresponda ao Brasil . Nenhum país tem um porte como o Brasil com tanta desigualdade. O Brasil é aquele com a maior demanda reprimida. Temos uma possibilidade enorme de desenvolvimente, mas isso tem que ser construído e induzido."