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Economia segue patinando e o responsável tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro
Marcos Corrêa/PR
Economia segue patinando e o responsável tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro

Administrar a combalida economia brasileira é como jogar xadrez no vendaval. É preciso segurar a mesa, o tabuleiro, as peças e fazer movimentos precisos para ganhar a partida. O jogo é extremamente difícil e, para complicar, de vez em quando o presidente Jair Bolsonaro chuta o tabuleiro de propósito só para divertir seu fã-clube no WhatsApp.

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O Brasil acaba de entrar em recessão técnica . Por dois trimestres consecutivos, o crescimento da atividade econômica foi negativo. O IBC-Br, índice do Banco Central (BC) que faz prévias do PIB, recuou 0,13% de abril a junho em relação aos três meses anteriores. Isso depois de uma queda de 0,68% de janeiro a março, quando comparado ao último trimestre de 2018. Os números não são uma surpresa.

O Boletim Focus, também do BC, rebaixa, semana após semana, a estimativa do PIB para 2019. Entre março e julho foram dezenove revisões para baixo. O País não tem produzido e nem gerado riquezas. O índice de desemprego caiu para 12% em junho, mas ainda existem 12,8 milhões de brasileiros que não encontram trabalho e, portanto, não conseguem consumir.

Enquanto isso, Jair Bolsonaro reclama da “velha política”, alimenta embates com o Legislativo, discute questões de gênero, dá pitacos na produção audiovisual, implica com dados ambientais e insiste em presentear o filho Eduardo com uma embaixada em Washington. Ele só não dá atenção à economia que é, paradoxalmente, a única coisa que pode salvar seu governo de um vexame histórico.

“Se fosse um governo mais tranquilo, sem esse embate inicial, a gente não teria os índices de agora”, afirma Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências. Segundo ela, a confiança, importantíssima nos planos de um governo, não teria sido tão abalada. “E mais: isso continua.”

O índice de confiança do empresariado estava em 69,9 pontos em janeiro, maior nível desde 2010, segundo a Confederação Nacional das Indústias (CNI). Em agosto, bateu em 64,3 pontos. Abaixo de 50, o cenário é considerado negativo. Isso tudo é culpa do Fator Bolsonaro. “Ele é o presidente. Faz parte de suas atribuições criar um soft power para atrair investimentos”, explica Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da CNI. “Bolsonaro faz o contrário.”

“GUERRA CULTURAL” O melhor exemplo disso é a reforma da Previdência . Fundamental para equilibrar as contas do País, ela foi praticamente relegada a segundo plano por Bolsonaro e seu partido, o PSL (Partido Social Liberal). Coube ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assumir a defesa do texto e construir alianças para que fosse aprovado e seguisse para o Senado. Mas a reforma saiu pela metade, sem incluir mudanças nas aposentadorias estatuais cujo déficit deve chegar a R$ 144,6 bilhões até o fim de 2019, segundo cálculos de Paulo Tafner, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Enquanto a reforma transitava na Câmara, Jair Bolsonaro estava mais preocupado em denunciar o aparelhamento das universidades pela esquerda. Até mesmo nas arenas internacionais dedicadas à macroeconomia, o presidente prefere falar da suposta “guerra cultural” travada no Ocidente. “Vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos”, disse ele, em janeiro, a CEOs e empresários presentes ao Fórum Econômico Mundial, em Davos.

Já em junho, na reunião do G20 em Osaka, no Japão, ele preferiu arrumar treta com a chanceler alemã Angela Merkel. “Nós temos exemplo para dar para a Alemanha sobre meio ambiente”, disse, ao rebater críticas dela ao desmatamento na Amazônia. Ele também se estranhou com a Noruega — “aquele país que mata baleia” — depois que o país suspendeu o repasse de R$ 134 milhões ao Fundo Amazônia.

As polêmicas ambientais oferecem um perigo real e imediato ao agronegócio brasileiro . A posição do presidente sobre o tema pode prejudicar as exportações, além de fazer com que países como a França, por exemplo, levantem dúvida sobre a aprovação do acordo Mercosul com a União Europeia. “O presidente terá que sair desses assuntos de antagonismo”, afirma Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda (1988-1990). “Tudo isso pode gerar um boicote, incluindo de investimento estrangeiro.”

NÃO CRESCE O Fator Bolsonaro é um grande complicador, mas há outras razões para o marasmo econômico. Os economistas de viés socialdemocrata acreditam que existe um erro de avaliação e que o Estado não pode simplesmente deixar de investir em obras e programas públicos de uma hora para outra. Já os que seguem a cartilha liberal, como a equipe do ministro Paulo Guedes , defendem que a austeridade é o remédio amargo para corrigir os erros do passado, provocado pela política populista do período lulopetista. Para eles, somente com reformas estruturais — em especial, a previdenciária e a tributária — a atividade econômica voltará a pulsar.

Ambos os lados, no entanto, consideram que o investimento privado é fundamental para a retomada do crescimento. O problema é que empresários só empreendem quando têm confiança no futuro. Embora Paulo Guedes tenha autonomia e poder para conduzir a economia, ele não tem a popularidade ou o carisma de Bolsonaro, daí a marcha lenta das reformas. “Tenham um pouco de paciência”, disse o ministro durante um seminário no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, no início de agosto.

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Mas a paciência está acabando e as pesquisas mostram isso. No mais recente levantamento do DataFolha , divulgado em junho, 33% consideram o governo ruim ou péssimo, índice que o coloca no mesmo patamar da administração Fernando Collor (1990-1992). Hoje, o número de trabalhadores sem emprego há mais de dois anos é de 3,3 milhões. Mesmo com baixa inflação, a intenção de consumo das famílias caiu 1,7% em julho, quinto resultado negativo desde março, de acordo com o índice Intenção de Consumo das Famílias (ICF). Como a economia não anda, a equipe de Guedes abriu mão de suas convicções liberais e adotou uma cartilha ligeiramente populista, como a liberação de saques do FGTS, que deve ter um pequeno efeito imediato no consumo.

“Existe um erro de diagnóstico sobre o que fazer. Uma crise é basicamente insuficiência de demanda. O governo poderia aplicar políticas de emprego e renda, por exemplo”, diz Antonio Correa de Lacerda, economista da PUC-SP e crítico do modelo atual, mesmo sabendo que essas políticas são apontadas como responsáveis pelo cenário atual. “Não se pode desprezar os mecanismos só porque eles deram errado antes. Deve-se ver no que falharam e melhorar a aplicação.”

Os liberais, no entanto, seguem otimistas e mantêm a fé em Guedes. “Algumas coisa já estão acontecendo. Queda dos juros e leilões do pré-sal no fim do ano”, explica Samuel Pessôa, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV). A taxa básica de juros, a Selic, está no seu menor patamar histórico, 6%. E os leilões já estão programados. Além disso, o governo anunciou que pretende privatizar estatais como os Correios, a Eletrobras e a Casa da Moeda. Assim, seria uma questão de tempo para que a confiança ressurja e o País volte aos trilhos. “Acha-se que em política econômica basta apertar botões para resolver tudo. Não é assim. Muitos botões apertados geram mais problema do que qualquer outra coisa”, avalia Pessôa.

Tempestade de areia O governo, porém, talvez tenha se deixado levar demais pelo otimismo, diz o ex-ministro Mailson da Nóbrega. “Houve um erro de iniciante. Guedes foi eufórico ao dizer que, com reformas, teríamos um PIB de 2%. Isso não acontecerá.” O PIB previsto para 2019 está em 0,8%. “O crescimento nos próximos anos será baixo e temos que nos acostumar a isso”, prevê Nóbrega.

Além de tudo isso, os ventos ainda jogaram mais areia no tabuleiro de xadrez. O Fundo Monetário Interna-cional (FMI) estima uma desaceleração do PIB mundial, de 3,5% para 3,2% por conta, entre outros motivos, da China, que reduziu suas estimativas de 7% para 6,2%. A guerra comercial entre o país e Estados Unidos também não ajuda. O Brexit segue numa confusão digna de república bananeira.

E, na Argentina, a possível vitória do candidato kitcherista provoca o risco de um novo “default” igual ao de 2001. Este ano, o vizinho sul-americano, principal comprador dos carros brasileiros, importou 40% a menos de janeiro a junho quando comparado ao mesmo período de do ano anterior. “Vivemos um sistema presidencialista”, lembra Flávio Castelo Branco, da CNI. “Serão necessários mais perseverança e compromisso. E isso, obviamente, inclui o presidente.” Nem precisa tanto. É só Jair Bolsonaro calar a boca e não meter o pé no tabuleiro de xadrez.


Dois novos coelhos saem da cartola

Enquanto a economia derrapa e Jair Bolsonaro se preocupa com alguma inutilidade qualquer, a equipe do ministro Paulo Guedes tira dois novos coelhos da cartola para tentar fazer o País andar. A primeira é a MP da Liberdade Econômica, aprovada pelo Senado na quarta-feira 21. Alguns itens foram derrubados pelos congressistas, como o trabalho aos domingos e feriados e a exclusão dos profissionais que ganham acima de R$ 30 mil reais da legislação trabalhista.

Essas duas maldades não foram derrubadas pela esquerda, mas sim pelo centrão, com apoio do PSDB, MDB e PSD. No entanto, isso impediu que a MP voltasse à Câmara, o que tornaria a aprovação uma incógnita. O governo pretende retomar esses dois pontos no futuro, em projetos separados. Segundo a equipe de Paulo Guedes, a MP da Liberdade Econômica vai diminuir o peso da burocracia sobre o empresariado, que voltará a investir e gerar empregos. A Reforma Trabalhista prometia a mesma coisa e não deu certo, mas a esperança liberal é a última que morre.

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Na quinta-feira 22 o ministro da Economia tirou outro coelho da cartola: a anunciada venda de 19 estatais — duas a mais que as listadas na véspera. Entre elas estão Correios, Telebrás, Dataprev e as docas de Santos, em São Paulo, e do Espírito Santo. Alguns economistas liberais acham pouco. Elena Landau, que comandou o programa de privatizações no governo FHC (1995-2003) considerou a lista tímida por não incluir a Petrobras e o Banco do Brasil. Paulo Guedes, no entanto, garante que outras empresas entrarão na lista futuramente.

O processo de privatização é lento e, na melhor das hipóteses, só acontecerá no final de 2020 ou no início de 2021. A sinalização, no entanto, foi suficiente para fazer Bolsa ultrapassar novamente os 100 mil pontos na manhã de quinta-feira 22. As estatais tiveram uma valorização imediata de R$ 33 bilhões, puxadas pela alta de ações da Telebras (64,9%) e Eletrobras (12,4%). Mesmo fora da lista de “vende-se”, a Petrobras teve alta de 5,9%.

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